ARQUIVO: Das redes e ruas, a passagem para a luta política
Texto publicado horas antes de ato que marcaria a história recente da cidade de São Paulo expressa o sentimento da juventude que parou o país.
“Eu nunca tinha votado no PT em São Paulo, mas, depois dessa sujeira do Haddad com a passagem, não voto mais”. “Acho que tem que protestar mesmo! Se todo mundo fizesse isso no palácio, fosse pra Brasília, queria ver se o salário da gente não aumentava também”. Assim conversavam dois homens no metrô de São Paulo, entupido como de costume, às 19 horas. O assunto seguiu: do aumento das passagens ao óbvio inferno diário cuja amostra tínhamos naquele vagão da linha vermelha; da onda de violência dos últimos meses à falência da política de segurança estadual. “Também esse Alckmin não dá”, continuava o outro.
Diálogos como este, na última semana, têm sido comuns em São Paulo. Nos ônibus, trens, metrô, em casa, no trabalho e com a família, é impossível não se envolver no debate sobre o aumento das tarifas de ônibus e metrô na cidade. A sensação, comum a muitos, é de que a situação passou do limite. Ninguém aguenta mais o péssimo serviço de transporte, a asfixiante dinâmica urbana e a imposição do aumento pelos governos sem nenhuma consulta, transparência sobre os gastos do sistema ou garantia de melhora.
A última eleição municipal mostrou que a população paulistana não suporta mais o paraíso dos lucros para as empresas em que a cidade se transformou, cuja contrapartida são os péssimos serviços públicos e o massacre diário a que a população está submetida. Pouco tempo depois, no entanto, muitos parecem já ter feito sua experiência com a gestão de Haddad e do PT: até agora, de “novo”, só o acordo celebrado com Alckmin e o PSDB para aumentarem ao mesmo tempo as tarifas e minimizarem os efeitos eleitorais da medida.
Os primeiros raios no horizonte de uma nova situação política no país
A reação do movimento foi imediata. Em uma semana, três grandes atos reuniram milhares de pessoas. Envolvendo especialmente a juventude, o questionamento do aumento revela muito mais. Esgotou-se, no Brasil, um modelo de estabilidade política e econômica garantidor de enormes lucros para o sistema financeiro e as grandes corporações e pequenas concessões, muito parciais, a alguns setores do movimento de massas, numa amálgama comandada pela lógica da “governabilidade”, cujos sinônimos todos aprenderam com o mensalão ou com a venda de uma série de bandeiras e direitos a figuras como Marco Feliciano, Renan Calheiros, Katia Abreu ou José Sarney.
É que a crise econômica retorna ao país como um fantasma não exorcizado pelos tempos da “marolinha”. Agonia do lulismo: o crescimento medíocre de 2012, o descontrole com a inflação e as disputas entre frações da burguesia com o avizinhar-se da próxima eleição trazem à tona uma agenda de ajustes promovida pelo governo Dilma. A receita é conhecida: privatização dos portos e aeroportos, novas rodadas de leilões do petróleo e cortes nas áreas sociais. Para assegurar o controle e acalmar os mercados, o recado é claro: muita repressão. Foi assim que o governo decidiu calar as reivindicações dos indígenas, atacando o direito às demarcações em conluio com o agronegócio, e recorrendo às balas para matar o jovem Oziel Gabriel, terena do Mato Grosso do Sul, em recente conflito.
Daí o receio que os governos federal, estaduais e municipais manifestam, unidos, sobre as jornadas de atos contra o aumento das passagens. A novidade está no horizonte: mobilizar-se é cada vez mais uma necessidade e vencer é possível. Os exemplos vêm de fora e de dentro. Somos uma geração que cresceu educada para a apatia, mas que tem despertado para a participação inspirada pelo rejuvenescimento da palavra “revolução” a que assistimos ao vivo na Tunísia, no Egito, na Líbia e na dura luta do povo sírio. Somos uma geração que deu um passo à frente e derrotou o aumento das passagens em capitais do país, como Porto Alegre, Goiânia e Teresina. Sentimos diariamente a dimensão eminentemente urbana da crise e nos inspiramos nos enfrentamentos do povo turco, que foram do rechaço à privatização de uma área pública a um grande questionamento do governo Erdogan.
A nacionalização da luta contra o aumento das passagens é o sinal de uma nova situação no país. A juventude não aceita o ajuste dos governos e não está disposta a pagar pela manutenção dos lucros das grandes empresas. O imediato é derrotar, em São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades, o aumento. Mas há algo mais profundo: o desejo de romper com a política falida das negociatas dos velhos partidos, cada vez mais assemelhados em programa e perfil, cuja disputa é apenas para ver quem leva a maior fatia do bolo. Definitivamente, não passa pelos governos Alckmin e Haddad o aumento dos nossos direitos: tarifa zero no transporte, defesa dos espaços públicos e garantia de equipamentos decentes de educação, saúde, lazer e cultura.
A repressão endurece: quem são os “vândalos”?
Está se comprovando, na verdade, que as mudanças que queremos passam por derrotar os governos do PT e do PSDB. E eles sabem disso. Para garantir os lucros das empresas de transporte, que prestam um péssimo serviço para a população, lançam mão de uma repressão brutal: a Polícia Militar tem impedido que as manifestações possam começar e terminar. A estratégia é consciente: desrespeitar o direito de manifestação, agredir com bombas e tiros, prender e acirrar os ânimos para fabricar as manchetes. Assim, em vez de sermos noticiados de que os atos saltaram de 3 a 5 mil e depois a 10 mil pessoas em apenas uma semana, vemos uma sucessão de manchetes alardeando o “vandalismo” e a “baderna”. Querem trazer medo aos que possam se somar à luta e desacreditar as reivindicações.
Infelizmente, os governos têm contado, para isso, com o auxílio de um setor minoritário, aliás muito minoritário, que participa das marchas e opta por ações isoladas e individualistas. São uma minoria de céticos, que não confiam na ação coletiva e na força do movimento e preferem lançar mão de um suposto radicalismo que na verdade vira às costas a milhões de paulistanos que não toleram o aumento e a péssima qualidade dos transportes, mas não aceitam participar de um movimento que se reduza ao enfrentamento pelo enfrentamento. Nossa via, ao contrário, é a via dos milhares que não aceitam a repressão dos governos e seguem nas ruas, debatendo, gritando, agitando suas faixas, cantando. Nós estamos convencidos de que nossa vitória passa por conquistar maioria social. E acreditamos que podemos alcançá-la.
O que a imprensa não diz, na verdade, é que o verdadeiro vandalismo é a imposição antidemocrática de um aumento para o qual Haddad e Alckmin simplesmente escolheram a data. Não o debateram com ninguém nem se esforçaram para justificá-lo. Querem fazer com que o aumento pareça “natural”. O motivo é óbvio: para que alguns sigam ganhando, a maioria tem que perder. A verdadeira baderna é calar manifestações democráticas ao som dos tiros e das bombas. As declarações de José Eduardo Cardozo, ministro petista da Justiça, vão além: agora o governo Dilma decidiu acionar a Polícia Federal para “investigar” e punir os manifestantes.
Imprensa, empresários do transporte, governos, PT e PSDB unidos contra o povo
Se a nossa conclusão é de que precisamos estar juntos para vencer, também o outro lado cerrou fileiras numa impressionante coalizão para garantir os interesses da burguesia – sim, é disso que se trata –, acalmar os mercados e tentar manter a estabilidade. Frente à queda das bolsas e o descontrole cambial, às vésperas da Copa das Confederações, tudo o que o governo não quer é dar sinais de fraqueza e instabilidade com várias capitais do país convulsionadas. O problema não está mais na escala dos centavos, mas dos bilhões.
Por isso, nos últimos dias, eles mobilizaram seu “partido” mais influente: a imprensa. As televisões, Globo como sempre à frente, e os velhos jornalões repetem em uníssono que se trata de um movimento desprezível e minoritário, um “grupinho de criminosos”, como definiu Alckmin pautando boa parte da mídia nacional. Como bonecos de ventríloquos, estes “jornalistas” emprestam a voz aos empresários dos transportes, a Haddad, Alckmin e aos velhos partidos, todos trabalhando pelos interesses do sistema financeiro e das corporações. É precisamente por isto que na Europa os movimentos “indignados” têm feito um chamado a derrotar a “ditadura dos mercados” que se mostrou a verdadeira face da democracia liberal em tempos de crise. A este chamado, nós também dizemos presente!
Conquistar maioria social e ir à luta política: a passagem que precisamos para derrotar o aumento!
Hoje, 13 de junho, milhares de jovens ocuparão as ruas de cidades de todo o país. Serão muitos e serão diversos: trabalhadores, estudantes, mulheres, negros, LGBTs, organizados em coletivos ou não, poetas, ciclistas, cantores. Levarão faixas, vozes, baterias, skates ou só a indignação. Juntos, no entanto, abrem as portas dos novos tempos no Brasil. Procuram, mesmo que ainda tateantes, uma alternativa política à intransigência dos governos, à repressão da polícia e ao lucro das empresas. É nosso dever construí-la.
Texto publicado às 11h49 do dia 13 de junho de 2013 no portal juntos.org.br.