Reino da Espanha: o movimento sindical ante o novo governo
É importante para o movimento sindical, como para todos os movimentos, fixar desde o princípio as exigências ante o novo governo.
A queda do governo do PP representa uma oportunidade para iniciar um giro político e social, um giro que não dependerá das alianças ou maiorias parlamentares mas da pressão e da mobilização. A confluência de numerosas e variadas forças políticas permitiu tirar Rajoy, mas os interesses comuns podem ter muito pouca trajetória. É preciso levar em conta que se produziu uma mudança a frio, sem que, nem sequer a nível parlamentar, seja o resultado de um giro social à esquerda. O governo de Pedro Sánchez gerou ilusões, mas sua composição deixa muito a desejar em relação às medidas que possa tomar para responder aos graves problemas que vão se acumulando nos anos no qual governou o PP. Por isso, é tão importante para o movimento sindical, como para todos os movimentos, fixar desde o princípio as exigências ante o novo governo.
Há muitos e duros problemas acumulados dos anos no qual governou o PP: reforma laboral, Lei da Mordaça, com mais de 300 sindicalistas processados por exercer o direito de greve ou manifestação, cortes em aposentadorias, um descenso salarial nunca visto, precariedade galopante, etc. Todos e cada um desses problemas têm que estar presentes na pressão e mobilização para que o novo governo responda.
As direções sindicais já começaram a tomar posição. Num comunicado, UGT “recorda ao governo que deve abordar em pouco tempo os grandes problemas que são de sua competência, como a revalorização das aposentadorias, a sustentabilidade do sistema de Seguridade Social, a recuperação do Pacto de Toledo, e combater os lacres gerados no mercado laboral pelas reformas de 2010 e 201, que generalizaram a precariedade, os baixos salários, e o número de trabalhadores pobres. Algumas medidas deveriam abordar-se com caráter prioritário porque não podem esperar, como a derrubada da Lei da Mordaça – para acabar com a censura-, sem esquecer a derrubada da reforma das aposentadorias ou da reforma laboral, que é um elemento-chave para resolver muitos dos problemas e desajustes do mercado laboral”. Em 6 de junho, numa assembleia de ugetistas em Aranjuez, o secretário-geral Pepe Álvarez, declarava que “o que não sejamos capazes de ganhar na rua, vai ser difícil que ninguém nos presenteie”. No dia seguinte, numa entrevista em El Economista dizia que “UGT não vai dar um cheque em branco nem Sánchez nem ninguém”.
A Comissão Executiva de CCOO aprovou uma resolução na qual expressa que “Com a constituição do novo Governo será iniciada uma nova etapa que, por um lado, gera expectativas para todas e todos aqueles que aspiramos a um giro social na ação de governo e, por outro lado, vai ser complexa de gerir. […] De fato, o compromisso de Pedro Sánchez com os PGE do PP e com os termos de Plano de Estabilidade para a Espanha (2018-2021), que é inteligível desde o ponto de vista da emergência política, faz pressagiar poucas mudanças na política econômica. Recordemos que o compromisso de chegar a um superávit de 0,1% em 2021 reduzindo o gasto público até 38% do PIB, supõe todo um programa de ajuste. Dizíamos que estes orçamentos são os da resignação e mantivemos isso”. CCOO exige “abordar modificações substanciais na legislação do mercado laboral, as aposentadorias, a dependência, a igualdade salarial, a saúde e seguridade no trabalho, etc.”.
Na Galícia, a CIG (Confederação Intersindical Galega) que havia convocado uma greve geral na Galícia para 19 de junho, decidiu suspendê-la e convertê-la numa jornada de mobilização com manifestações em 14 cidades da Galícia, para dar ao novo governo uma certa margem e exigir-lhe “uma recuperação real dos direitos nos próximos meses”.
Como o importante são os fatos e não as palavras, será preciso estar bem atentos às decisões do governo e à resposta sindical. De momento, se mantêm as manifestações convocadas por CCOO e UGT para 16 de junho a fim de pedir mais igualdade, mais salários e mais negociação coletiva. Será a mobilização quem poderá converter as ilusões em fatos políticos concretos.
Pressão e mais pressão
Nos últimos meses a tendência da mobilização aumenta. É ainda limitada, mas afeta diferentes setores e territórios e abarca conflitos de diverso tipo. Por exemplo, a luta contra a precariedade, que tem afetado os centros logísticos de Amazon e H&M; aos mal chamados falsos autônomos de empresas como Deliveroo; às monitoras e monitores de centros escolares que se concentraram ante a Junta de Andaluzia para exigir continuidade e jornada completa de trabalho; aos de ócio educativo de Madri protestando pelas subcontratações, ou às equipes de elevadores e ascensores de Madri. Ou os que foram à greve pelo convênio, como no metrô de Málaga, ou as limpadoras e limpadores de Palencia, ou as sub-empreiteiras em Toledo da empresa Airbus. Também os que tiveram de sair à rua para defender seus postos de trabalho como a greve indefinida da Cooperativa Avícola e Pecuária de Burgos. E seguem as ações de proetstos, que já duram meses, das e dos pensionistas que não se conformaram com o anúncio de aumento de suas aposentadorias nos Orçamentos Gerais.
Correios em luta
São só alguns exemplos que expressam essa tendência positiva e que teve sua maior expressão nas últimas semanas na mobilização dos Correios em 7 de junho. Mas cerca de 80% das equipes e nas 60 concentrações e manifestações saíram às ruas ao redor de 30 000 pessoas. Protestou-se contra o corte das partidas orçamentárias de 180 milhões de euros no financiamento para a prestação do serviço posta público em 2017 e 2018, exigiu-se um plano de empresa que permita a expansão na encomenda, o e-commerce e que lhe permita sair das cifras do déficit de 225 milhões de euros (2017-2018). Quase sigilosamente foi-se desmantelando a empresa postal pública, foram suprimido 15 000 postos estruturais na última década, e se impôs um modelo de emprego baseado na eventualidade (35% da equipe), os tempos parciais (22% da equipe), e contratos de dias e horas. Um emprego de baixo custo e condições laborais cada vez mais precárias e um convênio congelado há quatro anos. Os sindicatos denunciam que a redução do pessoal e a supressão de escritórios deixará sem serviço milhões de pessoas e que estão sendo desmantelados os direitos da cidadania ao serviço público postal, com a desaparição de milhares de carteiros e carteiras sem que os poderes políticos estejam fazendo nada para impedir isso, melhor dizendo, para os sucessivos governos do PP esse era seu objetivo.
Se o novo governo não toma decisões urgentes, os sindicatos manterão o calendário de mobilizações: concentrações autonômica em junho e três dias de greve total no último trimestre.
Greve no metal de Cádiz
A alta taxa de acidentes laborais continua sendo um dos principais problemas nas empresas. A precariedade da contratação e a falta de controle e de recursos é um grave risco para a classe trabalhadora. As estatísticas seguem provocando calafrios. De abril de 2016 a março de 2017, produziram-se 492.347 acidentes laborais; entre abril de 2017 e março 2018, 495.347. Os acidentes mortais baixaram de 496 a 475, mas os acidentes graves seguiram subindo, de 3.636 a 3.742.
Em 18 de maio, numa empreitada nos estaleiros da baía de Cádiz, dois operários, de nome Daniel e José Luis, perderam a vida. Houve reação imediata entre os trabalhadores da zona. Em 21 de maio, concentraram-se às portas das empresas. Uma assembleia massiva e emotiva decidia uma paralisação de 24 horas em solidariedade com os companheiros e suas famílias e exigia medidas urgentes contra a precariedade laboral e de controle da saúde laboral. A agitação foi se estendendo e para 13 de junho foi convocada uma greve geral do metal na baía de Cádiz.
É uma mostra do mal-estar existente, da necessidade de reação e de é preciso mudar as leis que propiciam a insalubridade nas empresas, que se concentram em três aspectos: derrubar a reforma laboral, medidas para reduzir drasticamente a precaridade e medidas para o controle da saúde laboral pelos sindicatos e comitês de empresa.
À ofensiva
A mudança de governo é a ocasião para colocar em prática o lema que alguns sindicatos estão defendendo: à ofensiva! Os objetivos estão bastante claros: recuperar direitos, derrubar as leis anti-operárias e antissindicais do PP, recuperar salários e emprego. Sem dúvida que para conseguir isso terá que levar em conta a correlação de forças parlamentares que, tal como dito anteriormente, não parece majoritária, para derrubar a reforma laboral (o PNV se absteve e o PDCat votou a favor). Mas da mesma maneira que parecia difícil remover Rajoy, a situação pode mudar se a pressão na rua cresce, se a ofensiva se torna realidade.
Num artigo publicado em 1 de Maio dizíamos: “Frente ao dilema ‘ou distribuição ou conflito’ há uma certeza: sem conflito não haverá distribuição. Alguém acredita que sem um impressionante nível de mobilização será possível reverter a vergonhosa desigualdade que sofre a maioria da população? […] A conclusão teria que ser óbvia: é preciso dedicar mais tempo para organizar e preparar a mobilização”.
Serve também para as negociações com a Patronal de um acordo de aumento salarial. Segundo declarações do secretário-geral de CCOO, Unai Sordo, “a patronal está nos dizendo que enquanto os dividendos aumentam em 17 bilhões e os lucros em 36 bilhões, e cerca de 80% das pymes estão em lucros, os salários têm que seguir perdendo poder adquisitivo. E como isso é intolerável, não vamos tolerar isso”. A Patronal parece enroscada num aumento salarial em torno de 2%, enquanto os sindicatos demandam cerca de 3% e que os convênios incorporem como salário mínimo 1000 euros mensuais.
É preciso aproveitar o momento político. Se conseguiu tirar o PP, pode-se pressionar o novo governo e fazer mudar de opinião à Patronal. Muitas forças políticas uniram seus votos para acabar com o pesadelo Rajoy. Podem-se somar muitas forças sindicais, sociais, políticas para pressionar, mudar as leis e melhorar a vida e o trabalho de milhões de pessoas. Há uma resposta: à ofensiva!
Artigo originalmente publicado no Portal da Esquerda em Movimento.