“É um discurso fácil para os governos a criminalização dos servidores”

Sâmia Bomfim esteve em Porto Alegre para acompanhar o lançamento da pré-candidatura da vereadora Fernanda Melchionna e foi entrevistada pelo Sul21.

Fernanda Canofre e Sâmia Bomfim 18 jul 2018, 23:37

Quando foi eleita vereadora com 12.464 votos, em outubro de 2016, Sâmia Bomfim tinha 27 anos e acabava de se tornar a mulher mais jovem da Câmara Municipal de São Paulo e a primeira mulher eleita pelo PSOL do maior colégio eleitoral do país. Nascida em Presidente Prudente, formada em Letras pela Universidade de São Paulo, onde trabalhava como servidora pública e era filiada a sindicato, Sâmia já era conhecida do outro lado do Plenário.

No dia 26 de junho de 2016, Sâmia se juntou a ativistas feministas e LGBTs para protestar contra uma sessão convocada pelo vereador Ricardo Nunes (PMDB), que comemorava dois anos da retirada da pauta sobre gênero do Plano Nacional de Educação. O vereador ordenou que o grupo fosse retirado do local. Os seguranças da Casa obedeceram com força física e spray de pimenta. Menos de seis meses depois, ela voltou à Câmara como uma das 10 mulheres eleitas entre os 55 vereadores.

Nesta segunda-feira (16), ela esteve em Porto Alegre para acompanhar o lançamento da pré-candidatura da vereadora Fernanda Melchionna, do seu partido e a mais votada entre os parlamentares de Porto Alegre em 2016, ao cargo de deputada federal. Assim como ela, Sâmia também tentará uma vaga na Câmara federal nas eleições de outubro.

Colocar os nomes conhecidos e a renovação do partido para disputa, segundo ela, foi uma estratégia discutida pelo partido. As vereadoras que o PSOL conseguiu eleger nas últimas eleições devem ajudar a puxar votos. Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, da mesma legenda delas, quinta mais votada, também estaria na lista, se não tivesse sido assassinada em 14 de março. Os autores do crime ainda não foram identificados.

Sâmia conversou com o Sul21 sobre os contextos de São Paulo e Porto Alegre e o que o partido planeja para outubro:

Sul21: Porto Alegre está debatendo o projeto de lei que altera a Previdência Municipal (Previmpa), São Paulo viveu isso há poucos dias. Os contextos que as duas cidades estão vivendo são parecidos?

Sâmia Bomfim: São muito parecidos. Os prefeitos que foram eleitos tanto aqui, quanto em São Paulo, têm um perfil semelhante, são uma renovação dessa direita mais tradicional do PSDB, apostam muito no marketing, mas têm uma agenda neoliberal de privatização, de ataques aos servidores. Eles querem usar como um balão de ensaio, para tentar levar a nível estadual mas, enfim, na disputa presidencial também está em xeque. Esse processo de agora é muito parecido com o que a gente passou entre março e abril, que foi a reforma da previdência dos servidores municipais, que em São Paulo chama SampaPrev. De forma muito semelhante. Também teve greve dos servidores, como funcionalismo é muito grande, tínhamos 120 mil pessoas em frente à Câmara. A correlação de forças favoreceu o movimento e o processo foi suspenso, supostamente, por 120 dias. A proposta do prefeito [Bruno Covas, PSDB, que assumiu depois que João Doria deixou o cargo para concorrer nas eleições federais], quando ele anunciou o recuo, era de que seria criada uma comissão de estudos, com alguns vereadores da Câmara, e que logo depois iria à votação de novo. Só que essa comissão ainda não pode ser formada. Nenhum vereador, mesmo aliado ao prefeito, quer se desgastar com 120 mil pessoas nas portas da Câmara, ainda mais em véspera de eleição. Então, o cenário foi bastante favorável para nós da oposição e para os servidores, para interromper o projeto. Mas ele pode voltar a qualquer momento.

Aqui na Câmara, na semana passada, tivemos um episódio da Brigada Militar barrando entrada de servidores que queriam assistir à sessão, com pessoas feridas. Antes de ser vereadora, tu também tiveste um episódio em que foste expulsa da Câmara de SP. O que achas de quando a polícia precisa ser chamada em situações assim?

Eu acho que isso revela, na verdade, a falência das instituições. Veja, a Câmara de Vereadores, supostamente, é a casa do povo. Serve para estabelecer um diálogo da população com os vereadores, com aqueles que são eleitos, que legislam segundo o direcionamento do público. A partir do momento que você coloca bomba, polícia, repressão deflagrada, mostra que não existe nenhuma disposição de diálogo. Na verdade, isso aqui está completamente fechado, não se preocupa de fato com as demandas das pessoas que estão do lado de fora. Principalmente quando a gente está falando de uma pauta que é tão legítima. A gente está falando, praticamente, de confisco salarial de milhares de trabalhadores e famílias, num momento de crise econômica. Isso tem impacto inclusive na circulação de moedas na cidade. É uma bola de neve gigantesca. Você reprimir a população é dizer que não tem diálogo, é a Câmara abrir mão do seu papel inicial. A gente precisa rever muita coisa, não só os vereadores individualmente, mas a instituição enquanto seu papel social e político. Isso precisa ser revisto, a partir do momento em que trata o servidor, que é o ponto de ligação com o restante da cidade, quem garante que aquilo que a cidade tem de estrutura funcione.

Hoje, na Câmara de Porto Alegre, estamos vendo o Plenário dividido: de um lado os CCs, a favor do governo, de outro, os contrários, que seriam os servidores concursados. Muito se fala de como o funcionalismo municipal seria “culpado” pela crise financeira da cidade. Esse discurso se repete em São Paulo? Como você, que é uma servidora pública, vê essa narrativa?

É um discurso fácil para os governos essa criminalização dos servidores. Colocá-los como culpados pela situação de crise econômica. É fácil porque os servidores, através muita luta conseguiram direitos trabalhistas, estabilidade, mas na verdade é a inversão da régua. Os servidores, que eu chamaria de investimento do ponto de vista de custos, são necessários para que a máquina funcione. Se você abre mão dos servidores, você decreta falência de todo o conjunto de estruturas que foi pensado para atender a população. Segundo, o real problema econômico das cidades, como por exemplo da cidade de São Paulo, é que uma série de bancos, como o Bradesco, Itaú, têm dívidas bilionárias que nunca são cobradas. Semanalmente, chegam projetos de isenção para bancos e para grandes empresas.

Do ponto de vista dos comissionados, que é a disputa que foi artificialmente forjada aqui no Plenário, esses cargos acontecem diariamente, inclusive, como moeda de troca e causando polêmica. Como é que os servidores, que são aqueles que trabalham há muitos anos, que prestaram concurso, que dedicam sua vida a atender a população, vão ser os responsáveis por uma crise econômica, sendo que no ponto de vista orçamentário os gastos são ínfimos perto de toda a máquina pública? Sem contar que tem ainda a lógica daqueles que financiam as campanhas eleitorais, que também são sempre beneficiados. É mais fácil você falar de um trabalhador do que assumir a própria culpa e responsabilidade sobre a condução econômica da cidade. Você administra os números e cria o discurso que quiser para dizer que são os trabalhadores os responsáveis. Infelizmente, acho que tende a piorar. Querem criminalizar tudo que é público, seja os trabalhadores ou o funcionamento da saúde, da educação, da assistência social, a própria PEC do congelamento de gastos tem uma lógica de que tudo que é público precisa acabar, seguindo uma lógica de privatização, de terceirização.

Tu já vivias o outro lado da Câmara, como público, porém há um ano e meio vive o lado de vereadora. Nos vídeos que postas nas redes sociais mostra situações em que tiveste microfone cortado, dificuldade em debater com alguns vereadores. Como tem sido viver o lado de legisladora?

Eu digo que sou uma vereadora, mas que sigo sendo uma militante política. Eu vejo o mandato como um instrumento privilegiado de luta. Privilegiado porque, agora, eles são obrigados a me ouvir. Antes, podiam só colocar a polícia para me bater e, não que isso me fizesse retroceder, mas existiam alguns impactos psicológicos, físicos. É um instrumento importante, porque a gente está aqui dentro, fornece informações aos servidores e a população em geral, dá os combates necessários dentro do Plenário. Eu sigo na postura de militante, por isso, quando tem enfrentamentos como esse, não é nem questão de ter compromisso com os servidores, mas eu sou uma servidora, eu sou uma sindicalista, é inevitável que eu acabe me movendo e me colocando no fogo cruzado.

E esse movimento de ser uma mulher e uma mulher jovem – eu sou a primeira mulher eleita pelo meu partido em São Paulo. Sou marinheira de primeira viagem, a mais jovem da História, feminista, de esquerda, que já estava ali sempre nos espaços quando era discussão de temática feminista ou LGBT, já entrei como uma pessoa estranha ao espaço de poder, à formalidade, aos acordos, às regras do jogo do espaço do Parlamento. Eu estou me acostumando com essa dinâmica do Plenário, mas sempre que possível estou do lado de fora. Vou à manifestação, subo nas galerias, tudo que acontece do lado de dentro, eu mostro do lado de fora. Esses vídeos que eu produzo são parte de uma defesa. Esse vídeo que você mencionou, cortaram o meu microfone, falaram de cassar meu mandato, são muitos instrumentos de coação, de tentar dizer “seu lugar não é aqui, menina, volte para casa”. Por isso que a gente divulga tudo que acontece. Do lado de dentro, eu sou minoria mesmo, a correlação de forças não ajuda, mas do lado de fora a gente é maioria, as mulheres são a maioria, as pessoas que estão indignadas com as dinâmicas da política são a maioria. Quando teve a greve dos servidores isso se expressou. Então, é uma defesa e uma concepção política estar sempre do lado de fora. Se for pra gente ficar aqui, encastelado, perde o sentido de passar por tanto desaforo todos os dias.

A vereadora Fernanda Melchionna, que é do teu partido, foi a mais votada de Porto Alegre nas últimas eleições, nesta segunda lançou a pré-candidatura como deputada federal. Tu também vai se lançar nestas eleições?

Minha grande inspiração ela, inclusive (risos). Eu vou sair para federal também. O PSOL tomou uma decisão importante que é de todas as figuras públicas, sejam as mais tradicionais ou as da renovação do partido, todas vão se lançar. Primeiro, porque a gente tem um desafio que é a cláusula de barreira, que é uma prova de fogo. A gente pode perder fundo partidário, tempo de TV, praticamente, cai na ilegalidade, é uma ameaça séria. É importante que ano que vem a gente tenha uma bancada renovada, feminina, combativa, porque esses balões de ensaio que estão acontecendo a nível municipal vão se aprofundar a nível federal. Se agora tem a Previmpa e o SampaPrev, a reforma a nível federal vai aparecer e vai atingir a todos os trabalhadores, públicos ou da iniciativa privada. A gente tem que ir para as cabeças. É ali que estão os donos do poder, são eles que manipulam o orçamento nacional e ditam o funcionamento das Casas. A gente precisa tentar levar a experiência que a gente tem nas cidades para Brasília, mas nessa mesma política de abrir os gabinetes, de fazer uma política transparente com relação aos movimentos sociais, para tentar unificar. Eu sempre falo, seria muito interessante, eu, Fernanda, Talíria [vereadora em Niterói, RJ], Marielle que seria se não tivessem feito o que fizeram com ela, a gente construir uma experiência coletiva para enfrentar os donos do poder. Quem sabe assim a gente não consegue ter mais forças para enfrentá-los ou para derrotá-los.

Entrevista publicada originalmente no Sul21.


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