Para onde vai o mundo com Trump

Trump é a expressão da decadência da hegemonia dos EUA num mundo cada vez mais caótico.

Pedro Fuentes 3 jul 2018, 17:16

Para onde vai o mundo com Trump e seu ultranacionalismo xenófabo e racisata?

Este texto é uma primeira tentativa de atualização de documentos anteriores do Movimento Esquerda Socialista. Embora esteja assinado por Pedro Fuentes, o mesmo foi debatido com membro da Executiva e outros companheiros da corrente. É preciso tomá-lo como uma primeira aproximação.

A crueldade de superar as crianças dos pais imigrantes que buscam um futuro melhor na fronteira com o México sacudiu o mundo; a ponto da revista Time ilustrar essa selvageria na capa.

Escrevemos um artigo anterior que o caricaturesco, narcisista, demagogo e errático Trump é a expressão da decadência da hegemonia dos EUA num mundo cada vez mais caótico. Trump é isso, mas seria um erro desprezar que essas características psicológicas que há neste personagem que dirige a (ainda) maior potência do mundo, conjugam-se com uma política ultra-direitista que se apoia num nacionalismo imperialista (nada a ver com os nacionalismos dos países atrasados), de supremacismo branco e de perseguição aos imigrantes. Tem polarizado a sociedade estadunidense apoiando-se nos sentimentos racistas e anti-imigrantes dos setores politicamente mais atrasados dos trabalhadores que viram perder seus empregos com a globalização (deslocamento de fábricas) e os setores médios mais atrasados e direitistas. Seu lema de colocar em “América em primeiro lugar” merece várias leituras.

Uma ruptura com a política de consenso

“América em primeiro lugar” é a tentativa de retomar a hegemonia que vai perdendo os EUA pela via de uma política internacional que vai mais além, ou melhor dizendo rompe a política imperialista que vinham seguindo os governos dos EUA na qual primavam certo consenso de políticas “moderadas” com a UE (França e Alemanha, principalmente). Essa política da era Obama procurava recompor os regimes democráticos burgueses cedendo no terreno das reivindicações democráticas: alguns direitos das mulheres, tolerância ao racismo ou os homossexuais. Trump abandonou a desgastada bandeira de país democrático dos presidentes americanos.

Trump rompeu com o G-7, os acordos comerciais com a China e a OMC, o acordo nuclear com o Irã, os acordos climáticos de Paris, a Comissão de Direitos Humanos da ONU, o consenso internacional que havia sobre o status de Jerusalém… Toda essa política consensual era (e agora é) mais frágil, remendos ante a crise mundial, mas davam certo consenso inter-imperialista e com a China. Por exemplo, havia acordo na UE de enfrentar a política de Putin contra a anexação a Crimeia. Era certo consenso instável da globalização neoliberal. Um consenso que tinha também um acordo geral de avançar com a contrarrevolução econômica permanente em todos os países. Para isso, tentava-se limar os conflitos mais agudos regionais e inter-imperialistas.

Trump (como todas as classes dominantes) segue a política de contrarrevolução econômica, mas na política exterior quebrou esse consenso instável.

Une-se ou apoia o mais totalitário e reacionário que há no mundo. No conflito palestino-israelita é sócio do sionismo de direita de Netanyahu que está rompendo toda saída negociada, preparando uma separação unilateral de Israel com seus atuais território ocupados incluindo seus assentamentos. Algo que nem a casta corrupta de Abbas pode aceitar. Apoia incondicionalmente a Arábia Saudita, seu sócio privilegiado na outra parte do Oriente Médio, para atacar a influência do Irã nessa parte do mundo. Seu novo monarca Mohammed bin Salman está levando uma agressão criminosa com sua intervenção direta no Iêmen e está disposto a atacar o porto de Moka o que pode provocar uma situação de fome para 2 milhões de pessoas que dependem desse porto para sobreviver. Apoia incondicionalmente ao governo húngaro de Viktor Orban, o mais racista e anti-imigrantes do Leste Europeu.

Essa trípode (Trumo, Netanyahu, Mohammed bin Salman) vai deixar a Síria nas mãos de Assad. Ao mesmo se pode somar provavelmente Putin, com quem se encontra dentro de duas semanas e que já está em acordo com Netanyahu. Num futuro seguramente Erdogan já que todos têm em comum o autoritarismo e o racismo.

Desta maneira sua política internacional joga mais lenha na fogueira da instabilidade mundial. Markel e Macron não estão oferecendo uma política alternativa e tampouco os democratas nos EUA.

O mundo não está passivo ante estes “novos” líderes

Mas o mundo não assiste passivamente ao crescimento do nacionalismo direitista. Há reações importantíssimas que precisamos olhar em sua dinâmica. O triunfo de Alexandria Ocasio Cortez nas primárias democratas em Nova York, como a onda de greves dos professores nos EUA, a massiva onda de entusiasmo popular com AMLO nas eleições mexicanas na qual resultou vencedor, a greve geral da Argentina, a insurreição nicaraguense contra Somoza, mostram que as lutas dos trabalhadores e as lutas democráticas são também parte desta situação mundial. Parte fundamental dela é a onda feminista que não deixa de alcançar conquistas, como a lei do aborto na Argentina e na Irlanda. Para citar outros exemplos: na Armênia, país vizinho da Turquia, multitudinárias mobilizações impuseram como novo primeiro-ministro Nikol Pasinhyan contra o governo autoritário. No Peru, houve paralisações cívicas em Cusco e no Sul do país. Na França, as paralisações dos “cheminots” (ferroviários) continuam. Ou seja, as lutas democráticas e contra as reformas econômicas não param.

A base social de Trump e os novos movimentos protofascistas

Trump é a figura principal de um novo tipo de políticos e partidos autoritários direitistas que se disseminam na Europa (a ultradireita pró-nazista na Alemanha, Inglaterra, Áustria e Holanda, além da Liga Norte na Itália) e que já estão no poder na Hungria, Turquia, Indonésia e na Itália, neste caso com menos arestas por se tratar de um país inserido na Europa Ocidental.

Estes governos encontram sua base social defendendo um nacionalismo reacionário frente ao fenômeno da imigração de refugiados das guerras na Síria, Afeganistão e Palestina, da violência na América Central em Honduras, El Salvador e Guatemala, do massacre que está perpetrando o governo da Ortega na Nicarágua. Também do narco-Estado do México. E a imigração desesperada de trabalhadores e pobres que tentam fugir em busca de uma vida melhor pelas guerra e a fome que se estende nos países semicoloniais e de desenvolvimento atrasado. No mundo houve no ano passado, 60 milhões de deslocados, refugiados ou imigrantes. Trata-se do 1% da população da população mundial.

A imigração é a fonte de mão de obra barata nos países imperialistas. Segue sendo assim, ainda que agora o processo é mais descontrolado porque aumenta o desespero com a barbárie. Por isso, a imigração, como foram os judeus na Alemanha, é também um pretexto para desenvolver a política nacionalista imperialista e xenofóbica.

Governos dos multimilionários e do capital financeiro

No governo de Trump mais que em nenhum outro os multimilionários se encarregaram da política econômica estadunidense. Levou adiante uma contrarreforma impositiva que os beneficia totalmente, que cria uma maior desigualdade, liquida o serviço de saúde, e erode a edução pública. Está de mão dada com o capital financeiro. O mesmo ocorre na Turquia e os países onde triunfa a ultra-direita. Nenhuma diferença com o neoliberalismo no terreno de favorecer ao capital financeiro e as grandes corporações.

Protecionismo e guerra comercial

A outra cara da “América em Primeiro Lugar” (contraditória com a globalização neoliberal e que reflete suas contradições) é que este ultranacionalismo de Trump leva adiante um protecionismo econômico e de ruptura com os acordos comerciais obtidos pelas grandes potências com a globalização. Desta maneira, agudiza a inter-concorrência das grandes potências ao estado de uma guerra comercial que se choca com a globalização econômica, os interesses das outras potências e mesmo nos EUA. Na questão do protecionismo comercial, Trump está sujeito a mais pressões da grande burguesia e as corporações de seu país, que fazem parte da globalização. Por isso, essa política pode ser mais duvidosa que o terreno político. De todas as formas o beneficiado tanto da política internacional como da econômica é o governo chinês de Xi Jinping que se fortaleceu bastante, tanto no terreno econômico como no político.

Polarização social e política

Estes governos provocam uma polarização social crescente que por um lado provoca enfrentamento entre setores populares e setores da classe trabalhadora, sobretudo os mais atrasados. A ultra-direita nacionalista (como já dissemos) arrasta setores atrasados e a classe operária das metrópoles que perde seus trabalhos, e fortalece os sentimentos racistas e anti-imigrantes do setor de direita da sociedade. Esta certa fratura se dá mais no terreno eleitoral e menos na luta de classes.

Ocorre porque não há no mundo uma alternativa pela ausência de direção, pelo atraso na consciência que faz com que os trabalhadores não atuem como classe operária internacional. Os nacionalismos de direita sempre têm como base de apoio a fragmentação ou divisão da classe por ausência de uma perspectiva estratégica com a qual enfrentar o capitalismo em sua fase da globalização neoliberal. O atual contexto da luta de classes é diferente dos anos 30, quando emergiu o fascismo na Europa. Aquele se apoiava em derrotas dos trabalhadores (Alemanha, Espanha, Itália, França) na atualidade isso não ocorreu, por isso há resistência de massas. O que há é esse vazio de alternativa anticapitalista, mas ao mesmo tempo há um sentimento crescente de solidariedade democrática ante os nacionalismos de rechaço, de lutas democráticas como a onda feminista.

A confrontação está aberta, nada está consolidado como ocorreu nos anos 30. Por um lado, porque além do tipo de governo que seja, há uma confrontação geral contra a agressão econômica aos salários às reformas laborais, etc. E por outro contra o autoritarismo e a reação ultradireitista, que embora não originou ainda alternativas anticapitalistas vai conformando uma resistência e oposição com base no rechaço à direita autoritária.

Nos EUA e em outros países, há polarização crescente. Trump, que começou como um outsider contestado nas fileiras dos republicanos, conseguiu se torar o expoente da direita republicana que ganhou força através deste impulso reacionário. Os líderes tradicionais do Partido Democrata não parecem ser a alternativa. Mas há polarização e busca. Escrevemos há meses que o regime bipartidário estava em crise e que os polos seriam Trump e Sanders. Essa caracterização aparece. Afirmam-se novas expressões sociais ainda atomizadas, e emergem novos candidatas socialistas são por ora parte dessa polarização social crescente no país no Norte. Em 26 de junho, assistimos ao triunfo da candidata de Our Revolution e membro do DSA, Alexandria Ocasio-Cortez, latina de origem porto-riquenha de 28 anos, que derrotou nas internas ao histórico democrata que era o quarto em sucessão deste partido e o delfim de Nancy Pelosi. Um fato do qual fala toda a imprensa dos EUA e mundial. As repercussões foram enormes. O jornal El País da Espanha fala da derrubada dos velhos regimes referindo-se e comparando-a a crise que vive Merkel.

Vimos isso também na Colômbia com Petros, na Turquia com os grandes atos eleitorais do partido laico e os resultados do PHD que com seu líder preso passou a cláusula dos 10% e conquistou mais de 60 deputados.

América Latina neste contexto

América Latina merece uma leitura especial. Aqui há um rechaço menor aos imigrantes e não há movimentos racistas como nos outros continentes. Os venezuelanos que são os que para o Sul pela crise sob o regime de Maduro terminam sendo acolhidos no Brasil, Peru e Argentina. Aqui, os governos neoliberais de direita não têm nenhuma capacidade de ser “nacionalistas”, ou fazer dumping, o que seria progressivo. Pelo contrário, estão em crise também porque o protecionismo de Trump não os ajuda.

O novo fenômeno que se abre no México (ainda que muito difícil que AMLO seja um novo Lázaro Cárdenas), significa uma lufada de ar fresco frente aos velhos regimes que canaliza também o sentimento anti-Trump e talvez também em certo progressivo protecionismo econômico.

No Peru, pelo que parece na última pesquisa, Veronika Mendoza cresce e Keiko Fujimori decai. No Brasil, Bolsonaro, tenta ser uma cópia de Trump e tem elementos similares em sua homofobia, sua misoginia e a posição de armamento. Mas seu programa está longe de ser protecionista ou nacionalista. Está inspirado no neoliberalismo e nas agro-indústrias.

Na Argentina o neoliberalismo de Macri está derretendo. Nesse país, os pontos altos foram a mobilização feminista e a greve geral que coloca a necessidade de construir uma nova alternativa à margem do velho e desgastado justicialismo peronista.

Temos que ver até onde o neo-imperialismo chinês se converte, ante o protecionismo de Trump, no centro não só econômico que já em parte o é, mas também político. Não é uma casualidade que o governo de Xi Jinping esteja convidando para conhecer a China novos líderes e movimentos que surgiram na América Latina.

Onde localizar Ortega e Maduro neste marco?

Nicarágua vive uma situação insurrecional onde há cidades onde o poder está em mãos dos estudantes e o povo como em Masaya. A repressão de Ortega é brutal. Ao mesmo tempo que golpeia e mata os manifestantes, negocia com a burguesia. A continuar a insurreição, a queda do governo estará selada. Maduro e Ortega estão no mesmo caminho de Trump ou Erdogan (salvando as diferenças).

Maduro é uma situação mais complexa; porque EUA quer retirá-lo, mas por outro lado está mais forte que Ortega porque não há uma insurreição popular para tirá-lo. Seu apoio a Erdogan mostra quem é, um regime cada vez mais autoritário que está se consolidando tal como o mostra em seu gesto de ser o primeiro presidente em felicitar Erdogan: “desde Caracas lhe envio um abraço bolivariano e nosso firme compromisso para seguir aprofundando nossos laços de solidariedade e cooperação”.

A unidade de ação contra a direita e a construção de novas alternativas

Frente a estes governos neoliberais em nosso continente ou ultranacionalistas nos países adiantados é preciso fazer unidade de ação ao redor da defesa dos direitos democráticos e, evidentemente, na defesa das reivindicações dos trabalhadores.

Mas esta tática não pode se converter em estratégia. Tanto no terreno das organizações de massas como no político se necessitam novos dirigentes e direções. Assim está ocorrendo na insurreição de massas que enfrenta Ortega, um autocrata no poder. Há nesse país uma unidade entre os novos dirigentes do movimento estudantil, incluindo aí representantes das patronais. Mas a única possibilidade de que o movimento não termine numa saída pactuada ou conciliação com Ortega e seu regime assassino é continuar a insurreição popular e apostar na nova direção que está surgindo como postulam as genuínas correntes de esquerda na Nicarágua. Como na greve geral argentina, há unidade de ação, mas também enfrentamento. Imprescindível para a construção de novas alternativas. E a necessidade de alternativas independentes da velha esquerda ou o chamado progressismo é muito importante também nas eleições.

México, EUA e Nicarágua são pontos-chave em nosso continente. O triunfo do DSA em NYC é algo inédito nesse país; pela primeira vez a esquerda chega à Câmara dos Deputados. Seguramente significará um novo crescimento geométrico do DSA como se sucedeu no triunfo de Sanders. Daí também a necessidade de construir militantes sólidos nesse partido, com posições internacionalistas e marxistas.

No México, seguramente o processo de López Obrador abrirá novas possibilidades ao movimento socialista nesse país. Há em toda a América Latina muito espaço para isso.


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Pedro Micussi