Mitos e verdades no debate da Jovem Pan: Economia
Terceiro episódio de série sobre debate entre a vereadora de São Paulo Sâmia Bomfim com Carla Zambelli.
Estamos encerrando a série sobre os mitos e verdades que rolaram durante o debate no Pânico da Jovem Pan. Sâmia debateu com Carla Zambelli, apoiadora de Jair Bolsonaro. Carla não estava muito preocupada com a realidade dos fatos tampouco com a credibilidade de suas fontes. Vamos ao último tema em que ela faltou com a verdade: economia.
Mito: A dívida pública não é um problema importante para a economia brasileira.
Verdade: Há um senso comum difundido pela ortodoxia neoliberal de que a esquerda “não entende de economia”: faríamos a defesa irresponsável dos serviços públicos sem considerar “como pagar a conta”, recorrendo ingenuamente a uma política econômica que causa inflação e crise fiscal. Mas o que Emílio Surita e Carla Zambelli não esperavam é que Sâmia, assim como qualquer militante do PSOL bem informado, possui sim um programa econômico que aponta a verdade inconveniente de que a dita “responsabilidade” pregada por governos e grande mídia é para com os rentistas – os verdadeiros parasitas da economia nacional. Com eles somos sim “irresponsáveis” porque a nossa prioridade exclusiva é o povo trabalhador.
De acordo com a Auditoria Cidadã da Dívida, em 2017, 40% do orçamento do Estado brasileiro foi gasto para pagar os juros, amortizações e encargos da dívida pública. Apenas com juros gastou-se o equivalente ao orçamento da saúde e da educação juntos. Essa espécie de “corrupção legalizada” tirou quase R$1 trilhão dos cofres públicos e os entregou nas mãos dos bancos, fundos de investimento e grandes credores internacionais. Mas mais importante que o montante de gastos financeiros do Estado é o fato de que remunerar os credores da dívida tronou-se o pilar fundamental e prioridade absoluta da política econômica brasileira desde a ditadura militar. Isso porque a dívida pública é o melhor negócio para quem tem muito dinheiro e quer ganhar mais ainda sem correr grandes riscos ou fazer grande esforço. Investir na produção (ainda que signifique explorar o trabalho alheio) gera emprego, renda e desenvolvimento econômico, mas apresenta algum risco para quem investe, já que é preciso realizar nas vendas o acréscimo de valor produzido, o que nem sempre acontece. Mas aplicar na dívida púbica, além de render muito em “correções” e taxas de juros, é o investimento mais seguro possível já que o Estado paga regularmente e é sempre o ente econômico com menor probabilidade de ir à falência em uma sociedade. Este tipo de investimento aprofunda a desigualdade e o caráter dependente de nossa economia legados pelo nosso passado colonial – e esse é o mais profundo interesse do setor dominante da burguesia brasileira. O governo FHC implementou uma série de mecanismos, mantidos intactos ou mesmo aperfeiçoados nos governos do PT, para preservar esse negócio perverso, como o “tripé macroeconômico” e a Lei de Responsabilidade (sic) Fiscal, que mira a contenção dos gastos sociais para preservar os gastos com a dívida. Nesse mesmo sentido está a Emenda Constitucional 95 de 2016, a “PEC do fim do mundo”, que congela por 20 anos o investimento nas áreas sociais. Outro exemplo é a Desvinculação das Receitas da União, criada por FHC e ampliada por Temer, que permite o desvio de verbas das áreas sociais para outras áreas. Note: por que, seja nas políticas governamentais ou nos discursos da grande mídia, os compromissos com saúde, educação, previdência social e segurança, por exemplo, são sempre relativizados mas o mesmo não ocorre com os tais “compromissos financeiros”, ou seja, pagamento da dívida?
Mito: Os ricos são os que mais pagam impostos no Brasil.
Verdade: Empresários e grandes capitalistas em geral costumam reclamar que a carga tributária excessivamente alta do Brasil é um entrave ao crescimento. Mas esse mito é relativamente fácil de derrubar: faça você mesmo uma pesquisa rápida no Google e irá verificar que, de acordo com absolutamente qualquer agência de pesquisa séria (nacional ou internacional), no Brasil os ricos pagam proporcionalmente bem menos impostos que os pobres. De acordo com a Oxfam, os 10% mais pobres do Brasil gastam em média 32% de sua renda com impostos, ao passo que os 10% mais ricos gastam em média 21%. Essa injustiça se deve a uma série de fatores. Primeiramente, de acordo com a OCDE, quase a metade da nossa carga tributária provém de impostos sobre o consumo. Isto gera desigualdade pois os mais pobres costumam comprometer a maior parte ou toda a sua renda mensal com o consumo, ao passo que os ricos podem se dar ao luxo de gastar apenas uma pequena parte, de modo que, na prática, o imposto sobre consumo torna-se regressivo (inversamente proporcional à renda). Além disso, ainda de acordo com a Oxfam, a incidência média do imposto de renda é progressiva apenas até certa faixa de renda – entre 20 e 40 salários mínimos -, a partir da qual decresce vertiginosamente. Quem ganha 320 salários mínimos mensais, por exemplo, paga uma alíquota efetiva de imposto similar à de quem ganha 5 salários mínimos. Isso corre pois a alíquota do imposto de renda incide basicamente sobre a renda do trabalho assalariado, das aposentadorias e aluguéis – ou seja, o salário do trabalhador – mas não sobre a renda proveniente de lucros e dividendos – o “salário” dos ricos. Para quem ganha mais de 250 mil reais mensais, a isenção de IR pode chegar a 70%, ao passo que para quem ganha de 1 a 3 salários mínimos esse percentual não passa dos 9%. Para piorar, os muito ricos possuem maior facilidade para simplesmente não pagar alguns impostos, seja por meio de elisão (legal) ou evasão fiscal (ilegal). Estas práticas causaram um prejuízo aos cofres públicos, respectivamente, da ordem de R$ 271 bilhões e R$ 275 bilhões apenas em 2016 – o equivalente a um terço do total arrecadado pelo Estado brasileiro naquele ano. A renúncia fiscal para certas atividades econômicas, um caso de elisão, vem sendo muito utilizada desde a crise de 2008 (ainda na Era Lula) para supostamente reaquecer a economia. Entretanto, além de causar um enorme problema fiscal para o Estado e não possuir eficácia comprovada, aprofunda o caráter regressivo de nosso sistema tributário e ainda fere o princípio da isonomia ao favorecer grupos econômicos específicos.
Não é preciso nem mesmo ser socialista para reconhecer que a estrutura tributária do Brasil está errada. As próprias agências capitalistas internacionais, como a OCDE, reconhecem que o imposto regressivo é injusto e deletério para o desenvolvimento econômico. Portanto, da próxima vez em que alguém repetir o velho jargão liberal de que “a carga tributária no Brasil é muito alta”, responda: para quem?
Material originalmente vinculado no Facebook da vereadora.