Por Juliane também

Nossa civilidade está sempre à prova, como em casos como a execução de Marielle e a execução de Juliane.

José Burato 7 ago 2018, 20:47

O desaparecimento da policial Juliane Santos Duarte, desde a madrugada do dia 2 de agosto na comunidade Paraisópolis (cidade de São Paulo) gerou apreensão, indignação e tristeza. Mais um caso de violência que choca a sociedade e que deve nos conduzir a uma reflexão e discussão capazes de nos fazer conscientes acerca da realidade que se esconde por trás da miséria humana que a violência representa.

Falamos de consciência não apenas para a classe política – que tem o dever de pensar, sugerir e realizar medidas transformadoras dessa realidade – mas também para a sociedade que deve participar ativamente da vida política do país. Falamos de consciência inclusive para a categoria policial, que muitas vezes está envolvida nessa violência como agente ou como vítima.

Há cerca de cinco meses perdemos Marielle Franco, vereadora executada friamente no Rio de Janeiro. Marielle, como sabemos, dedicou sua vida em defesa dos Direitos Humanos, em defesa daqueles que, excluídos sociais, sofriam especialmente com a indiferença, ausência e violência de Estado. Marielle foi vítima dessa realidade que ora abordamos.

As notícias veiculadas na mídia informam que Juliane foi baleada e “levada” por quatro pessoas encapuzadas. Não havia sido localizada até esta data, entretanto, chegam notícias de que seu corpo foi encontrado no interior do porta-malas de um veiculo abandonado no bairro Campo Grande, na zona sul da cidade, acabando com nossa esperança de que ainda fosse resgatada com vida. Temos acompanhado esta situação dramática, e nos solidarizamos com os familiares da policial, com seus amigos e com os integrantes da Polícia Militar.

Mas devemos refletir.

A segurança pública é tratada no Brasil como questão de guerra. Tem sido assim desde a ditadura militar: o inimigo interno deve ser localizado e neutralizado (mesmo com a morte). Mas em uma guerra morrem “integrantes” de ambos os lados, além daqueles que não participam diretamente da guerra, como homens, mulheres, crianças que ocupam as áreas de combate, ou seja, as próprias comunidades.

Por que muitos dizem que Juliane não poderia estar em Paraisópolis naquele horário e local? Ouvimos que é por se tratar de local e horário perigoso para agentes de segurança pública, o que confirma que a comunidade é o palco dessa guerra, um território inimigo, um lugar proibido para os policiais. Mas os policiais em grande maioria são pobres e explorados como o restante da populações da periferia, e muitos vivem ou viveram em comunidades pobres.

Essa dita guerra é travada entre pessoas de situações socioeconômicas idênticas. É uma guerra entre pobres. De ambos os lados temos negros e negras, pardos e pardas, brancos e brancas pobres.

A questão da descriminalização das drogas não é tratada com racionalidade, sequer com respeito. Assim, o tráfico de drogas se impõe nas comunidades e gera grande arrecadação que, por sua vez, sustenta diversas outras modalidades de crime. O tráfico recruta seus “combatentes” do seio do povo pobre e oprimido, enquanto o Estado recruta seus soldados da mesma fonte.

A prevenção primária do crime, aquela que trata o problema na raiz, em suas causas, praticamente inexiste. Esta é a razão de comunidades como Paraisópolis serem áreas perigosas aos agentes de segurança pública, pois para as comunidades o Estado representa a indiferença, a ausência, a truculência, a injustiça, a impunidade e muitas vezes a morte.

A prevenção secundária e a terciária, ineficazes, são, em virtude da ideologia de guerra que permeia a segurança pública, as principais armas que o Estado dispõe para o “combate” ao crime: polícias, leis e presídios. A lógica de guerra faz com que muitos acreditem que os problemas da segurança pública podem ser resolvidos com mais polícia, mais armas, mais viaturas, leis mais severas, redução da maioridade penal, mais cárceres e mais gente encarcerada. Dessa forma, o Estado que não faz a prevenção primária, prefere manter uma guerra interminável, recrutando a maioria de seus soldados na mesma fonte em que o crime recruta os seus: a pobreza.

Além disso, a segurança pública é manancial para a política partidária interesseira e falaciosa e, também, para as empresas privadas de segurança patrimonial. Enquanto houver insegurança haverá bandeiras políticas conservadoras defendendo as fórmulas e os “milagres” da repressão, e haverá também terreno fértil para a iniciativa privada.

Esta breve reflexão é apenas uma contribuição ao necessário debate sobre a segurança pública, à inadiável transformação de uma realidade que tem vitimado a população carente e excluída, além dos próprios policiais.

Reiteramos nossa solidariedade aos familiares e amigos da policial Juliane, e também aos policiais do Estado de São Paulo. E apesar de todas as deficiências que a justiça brasileira apresenta, é com ela que ainda contamos. Nossa civilidade está sempre à prova, especialmente diante de fatos como a execução de Marielle e a execução de Juliane.

É justamente em nome da civilidade que pressionaremos o Estado (principalmente a Justiça e a Segurança Pública) para que cumpra seu papel neste caso e em tantos outros que por infelicidade possam ocorrer. Mas é também em nome da civilidade que pedimos para que a população de Paraisópolis seja respeitada e que não seja vítima de sentimentos de revanche, ódio e discriminação. Não nos esqueçamos de que a população de Paraisópolis está no meio de um fogo cruzado, e teme tanto a polícia quanto o tráfico.


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