Influência dos agentes externos na queda de Salvador Allende

Sobre a forma como os agentes externos intervieram no governo de Salvador Allende.

Patrícia Najjar Roque Farah 11 set 2018, 13:45

Este estudo cumpre o propósito de investigar como os agentes externos intervieram no governo de Salvador Allende, resultando na sua deposição e instauração da ditadura. Parte-se da hipótese de que houve influência por parte dos Estados Unidos, Brasil e Cuba, mas a participação norte-americana foi vital para o terremoto político que ali se desenvolveu. O trabalho baseou-se em fontes historiográficas e analíticas, para primeiramente traçar um panorama histórico que discute como a lógica de combate ao Comunismo, presente no período da Guerra Fria, desaguou em intervenções estadunidenses na América Latina. Tratando-se a revolução cubana de um ponto de inflexão na mudança da política norte-americana para a América Latina, que passou a ser marcada por intervenções nos assuntos internos latinos. A via chilena para o Socialismo representava uma ameaça não só para os Estados Unidos, como também para Cuba e Brasil.

Salvador Allende perdeu por três vezes as eleições presidenciais, em 1952, 1958 e 1964, antes de se eleger presidente do Chile, em 1970, como candidato de uma coligação de esquerda, a Unidade Popular. Chegou ao poder pelas urnas, o que representou um marco histórico já que foi o primeiro marxista a realizar tal feito.

Allende assumiu a presidência no dia 3 de novembro de 1970 e as principais medidas de seu governo foram: a nacionalização das minas de cobre, a principal riqueza do país. Como também, a transferência do controle das minas de carvão e dos serviços de telefonia para o Estado, o aumento da intervenção nos bancos e fez a reforma agrária, desapropriando grandes extensões de terras improdutivas e entregando-as aos camponeses.

As nacionalizações e estatizações adotadas pela Unidade Popular também não eram bem vistas pelas grandes corporações norte-americanas. Fatos gravíssimos ocorreram, como por exemplo o assassinato do Comandante em Chefe René Schneider, substituído pelo general Carlos Prats. Ainda, o país fora submetido a um bloqueio econômico informal, o que representou significativa entrave para obtenção de empréstimos internacionais ou bons preços para o cobre, principal produto de exportação. Allende acreditava que o objetivo da medida era sufocar a economia chilena até que um levante das Forças Armadas colocasse fim a “via chilena para ao socialismo”.
Deixando a situação político econômica do Chile ainda mais em ebulição, em setembro de 1972 iniciou-se uma greve de caminhoneiros financiada pela CIA e comandada por Leon Vilarín, um dos líderes do grupo paramilitar neofacista Patria y Libertad. A paralisação impediu o plantio da safra agrícola no país até 1973. Com o apoio dos industriais chilenos, a estratégia era provocar o desabastecimento de artigos de primeira necessidade no Chile.

A partir daí, o clima de tensão foi ficando cada vez mais intenso, com o Movimento da Esquerda Revolucionária de um lado e o direitista Patria y Libertad de outro.
A primeira tentativa de golpe ocorreu em 29 de junho de 1973, por meio de uma aliança entre o Patria y Libertad e os militares chilenos que pretendia tomar o Palácio de La Moneda, numa operação conhecida como El Tanquetazo.
Entretanto, a ação fracassou ao ser descoberta pela inteligência do Exército, então comandado por Prats.

Com isso, o general chegou a pedir a instauração do estado de sítio no país. A solicitação foi acatada por Allende, mas negada pelo Congresso.
Salvador Allende nomeou um antigo militar que acreditava ser de total confiança: Augusto Pinochet. Na madrugada de 11 de setembro de 1973, aviões militares sobrevoaram e bombardearam o palácio presidencial. Lá estava Allende, quase só. Não se dispondo a sofrer humilhações, valeu-se da submetralhadora que lhe fora presenteada por Fidel Castro para pôr fim à própria existência. Estava instaurada a sanguinária ditadura pinochetista.

Dúvida não remanesce que EUA e Brasil atuaram conjuntamente para evitar a propagação dos governos associados com o comunismo na América do Sul, o que possibilitou para os Estados Unidos não tomar uma direção e exercer um imperialismo soft na região.

As relações internacionais da época envolviam a Guerra Fria, que se baseava na contraposição entre o Bloco Capitalista e o Socialista, sendo que a América Latina era percebida como “quintal norte-americano”, servindo como fonte de matéria-prima e de negócios para os estadunidenses.

No caso chileno, a colheita era composta pelo cobre. Os interesses econômicos sempre desempenharam um papel muito importante para os Estados Unidos nas ações que definem sua política externa; e no Chile, como não poderia ser diferente, eles eram intensos e abundantes. “O Chile respondia por 80% da produção Mundial de Cobre, a cargo, na maior parte, das firmas americanas Braden Cooper Co., Anaconda e Kennecott, responsáveis por 75% do total de exportações do país” (BANDEIRA, 2008, p. 99).

Intervenção Brasileira na América Latina

O caso chileno

A ascensão de Allende representava uma exorbitante ameaça para os estadunidenses, que temiam uma aliança entre Allende e Fidel Castro e, para conter esse perigo iminente, contavam com o apoio de seus aliados, o Brasil era um deles, pois colaborou para que os Estados Unidos pudessem atingir seu objetivo. Para Silva (2010), o Brasil interferiu no Chile por meio do aspecto financeiro, no qual empresários paulistas teriam fornecido apoio aos empresários chilenos, como também ao maior jornal do país El Mercurio; e no aspecto bélico, por meio do fornecimento de armas ao grupo Patria y Libertad, grupo este que realizava uma série de ações terroristas contra Allende.

Acrescenta o autor que existia também um interesse por parte do embaixador Câmara Canto, já que ele era um entusiasta no golpe contra Allende. Relata ainda que o diplomata se reunia com o embaixador norte-americano Edward Korry, além de acompanhar detalhadamente as atividades do Movimento de Izquierda Revolucionaria de Chile (MIR), para avaliar qual seria a capacidade de este grupo se infiltrar na guerrilha de Allende, nas forças armadas e na sociedade civil. (BANDEIRA, 2008 apud SILVA, 2010).

Teixeira (2012) também aborda o envolvimento do embaixador brasileiro no Chile, Câmara Canto, e afirma que existe uma série de indícios que levam a concluir que a participação brasileira foi extensa e o embaixador estava profundamente envolvido na tentativa de golpe. Canto tinha um grau de proximidade intenso com os militares e estava intimamente relacionado com aqueles que conspiraram contra a ascensão de Allende à presidência do Chile.

Segundo Teixeira (2012), além da participação do governo, também há evidências de que os setores privados do Brasil auxiliaram no golpe. O autor cita a jornalista Marlise Simons, que entrevistou empresários e políticos brasileiros e relatou que as empresas privadas forneceram capital, armas e conselhos sobre táticas políticas para golpistas. Para Teixeira, a jornalista aponta que os empresários brasileiros que ajudaram a traçar o golpe militar de 1964 no Brasil eram as mesmas pessoas que aconselhavam a direita chilena sobre como lidar com o presidente marxista Allende, e que houve reuniões para aprender a preparar o terreno para os militares. Havia indícios, menciona o autor, de que a experiência do golpe de 1964 no Brasil foi usado como um modelo para os setores civil e militar no Chile.

Um historiador brasileiro entrevistado por Simons comentou que ao presenciar o golpe militar no Chile, ele sentiu que estava vivendo uma cópia do golpe militar brasileiro, de 1964. Finaliza Teixeira, que os relatos da jornalista apontam que até a linguagem dos comunicados militares do Chile, visando justificar o golpe, era idêntica à utilizada no Brasil em 1964.

Teixeira (2012) relata que ainda que a participação brasileira no golpe Chileno foi muito menos documentada do que a estadunidense, é possível perceber que a influência brasileira foi significativa e atuou como combustível para o fogo que se alastrava pela floresta chilena. Um dado muito importante a ser mencionado é a questão do Brasil estar a par do Golpe com certa antecedência, enquanto outros países da América não estavam, como no caso a Argentina e os Estados Unidos. A sequência de indícios que levam a crer que o Brasil atuou de maneira ativa no golpe Chileno envolve o fato de o país ter sido o primeiro a reconhecer o governo militar e, o que deixou o embaixador Câmara Canto satisfeito.

Segundo relatos, assim que o Golpe aconteceu, em 1973, o embaixador deu início a uma série de medidas coordenadas de apoio às novas autoridades, e mandou que se providenciasse o envio de alimentos e medicamentos, além de ajuda política e militar e um crédito de US$ 200 milhões para o Chile. Cinco dias após o golpe, a primeira viagem ao exterior de um funcionário chileno foi para o Brasil. Durante o primeiro ano após o golpe, o Brasil forneceu US$ 150 milhões em ajuda econômica direta ao Chile, mais do que nos Estados Unidos.

Em termos regionais, o golpe chileno, combinado com os golpes anteriores, no Uruguai e na Bolívia, significou o fim do sentimento de isolacionismo por parte do Brasil e a ampliação da zona de influências regionais brasileiras. O autor ainda aponta a satisfação que o governo brasileiro deveria estar sentindo naquele momento, tendo em vista que uma série de obstáculos foi trespassada, com a direita prevalecendo no Cone Sul. Por outro lado, a Argentina, principal concorrente do Brasil para a influência regional, tornou-se cada vez mais isolada, sendo este um dos fatores que contribuíram para o golpe militar de 1976 no país. Na verdade, depois que Allende foi derrubado, a comunicação oficial argentina informou que o Brasil foi “o maior beneficiário” do golpe e manifestaram preocupação com o equilíbrio de poder na região. (TEIXEIRA, 2012).

Para Silva (2010) o Brasil passaria a desempenhar o seu papel de líder hegemônico na América do Sul ao atuar como aliado preferencial dos Estados Unidos. O autor cita um memorando escrito por Vernon Walters[1], no qual relata um encontro entre os dois governantes, Kissinger e ele. Através deste documento pode-se perceber o nível de entendimento que permeou a relação de Richard Nixon e o general Emílio Médici, pois segundo Walters, Nixon ficou muito impressionado com Médici e pelo fato de terem visões similares, sendo assim, rapidamente ambos desenvolveram uma relação de proximidade.

Teixeira compartilha da opinião de Silva no que desrespeito à relação entre Nixon e Médici[2], que talvez atue como uma das evidências mais significativas da participação brasileira como um braço dos Estados Unidos no Chile. Existem documentos estadunidenses, que se referem a uma reunião entre o presidente dos EUA, Richard Nixon, e o então presidente brasileiro Emílio Garrastazu Médici, em dezembro de 1971. O autor aponta que Nixon e Médici se relacionavam muito bem e compartilhavam opiniões similares sobre questões hemisféricas.

O General Vernon Walters serviu de intérprete para a reunião e relatou que Nixon ficou muito impressionado com Médici, os chefes de Estado tinham como objetivo manter um canal de comunicação fora da canais diplomáticos normais. Nixon nomeou conselheiro de Segurança Nacional Henry Kissinger e Médici nomeou o chanceler brasileiro Gibson Barboza. Posteriormente, quando Nixon perguntou a Médici sobre a situação no Chile, o presidente brasileiro respondeu categoricamente que “Allende seria derrubado pelas mesmas razões que Goulart foi derrubado no Brasil”, segundo Teixeira (2012, p. 96). O autor aponta que a parte mais relevante do documento que trata destas reuniões envolvendo Nixon e Médici consiste em uma conversa entre os dois, na qual Nixon indaga Médici sobre sua avaliação da capacidade das forças armadas chilenas para derrubar Allende, ao que o presidente brasileiro respondeu que não só ele achava que as forças chilenas eram capazes, mas também que o Brasil realizava um intercâmbio de oficiais com os chilenos. Sendo assim, Medici acabou reconhecendo que o Brasil estava trabalhando para este fim.

O autor comenta também a predisposição existente entre ambos os chefes de estado para cooperar financeiramente entre si, pois Nixon havia se mostrado disponível para fornecer ajuda econômica ou qualquer outro tipo de ajuda a Médici.

Para Teixeira (2012), EUA e Brasil atuaram conjuntamente para evitar a propagação dos governos associados com o comunismo na América do Sul, o que possibilitou para os Estados Unidos não tomar uma direção e exercer um imperialismo soft na América do Sul. Outras passagens deste documento relatam e reforçam a noção de “imperialismo regional” do Brasil como um substituto na América do Sul para o imperialismo estadunidense durante a Guerra Fria. O que se concluiu a partir deste documento, segundo o autor, é que o Brasil era tido como um país sul-americano que poderia fazer o que os EUA não podia no Chile.

Após a visita do General Médici aos Estados Unidos em 1971, um relatório é emitido, e intitulado de “O Novo Curso no Brasil”[3] no qual o Serviço Nacional de Inteligência Americano pontua:

Brasil irá desempenhar um papel maior nos assuntos hemisféricos e buscará preencher qualquer vazio que os EUA deixa para trás. É improvável que o Brasil vá intervir abertamente nos assuntos internos de seus vizinhos, mas o regime não hesitará em utilizar instrumentos de diplomacia ou realizar ameaças de intervenção com o intuito de se opor a regimes de esquerda, para zelar pelos governos cuja proximidade é maior, ou para ajudar a colocá-los em países como a Bolívia e o Uruguai. Enquanto alguns países podem buscar proteção no Brasil, outros podem trabalhar conjuntamente para resistir às pressões do gigante emergente. (TEIXEIRA, 2012, p. 97).

Silva também aborda a existência de uma linha de comunicação direta entre a Casa Branca e o Palácio do Planalto, fora dos canais de comunicação diplomáticos. Finaliza o autor que Médici tinha o seu próprio Kissinger, um homem no qual ele depositava uma extrema confiança, era ele Gibson Barbosa, que se encarregava de responder aos documentos que Médici recebia, todos à mão. Vale destacar que esses documentos não eram de conhecimento de nenhuma datilógrafa, pois tratavam-se de assuntos extremamente privados e delicados (MEMCON KISSINGER TO NIXON, 1971 apud SILVA, 2010).

Mas a informação sem dúvida mais relevante contida neste documento diz respeito à visão de Médici sobre a realidade do Chile de Allende. Nixon perguntou a Médici sua visão sobre como o panorama político no Chile podia evoluir. Médici respondeu que ‘Allende deveria ser deposto pelas mesmas razões que Goulart fora deposto no Brasil’. Nixon então perguntou se Médici achava que as forças armadas chilenas seriam capazes de derrubar Allende. Médici respondeu que achava que sim, acrescentando que o Brasil estava realizando um intercâmbio de vários oficiais com os chilenos, e deixou claro que o Brasil estava trabalhando para atingir este objetivo. (MEMCON KISSINGER TO NIXON, 1971, p. 5, apud SILVA, 2010, p. 189-190).

Argumenta o autor que a declaração de Médici a respeito do intercâmbio de soldados brasileiros e chilenos não deve ser percebida apenas como uma tentativa de impressionar Richard Nixon, ressaltando o que o Brasil tem feito para contribuir com o golpe, como também uma atuação notável na sociedade civil chilena e nos setores golpistas do exército. Para confirmar ainda mais a participação brasileira, o autor recorre a uma entrevista do ex-embaixador americano no Chile, Edward Korry, na qual o ele afirma que o real apoio técnico e psicológico veio do Brasil. (BANDEIRA, 2003 apud SILVA, 2010).

Silva remete ao conceito de subimperialismo, e para explicar melhor, discorre sobre o contexto histórico vivenciado na época. No período posterior à Segunda Guerra, a maneira pela qual o capitalismo mundial se configurava possibilitava que subcentros de poder político e econômico fossem formados. A ditadura militar brasileira se encarregou de incentivar a expansão das firmas brasileiras tanto na América do Sul como em outras localidades, por exemplo a África. Vale ressaltar que essas firmas pertenciam a empresários norte-americanos. (DREIFUSS, 1981 apud SILVA, 2010).

Este novo cenário do capitalismo mundial, em que algumas economias dependentes do imperialismo hegemônico estadunidense desempenham tal papel intervencionista foi denominado por Ruy Mauro Marini como ‘subimperialismo’. Segundo Marini, o subimperialismo caracteriza-se pela ‘forma que assume a economia dependente ao chegar a etapa de monopólios e do capital financeiro’. (MARINI, 1977 apud SILVA, 2010, p. 191).

O autor aponta que Marini explica o subimperialismo brasileiro como um processo em resposta à revolução cubana, resultante da luta de classes na América Latina. Já no âmbito econômico, o autor verifica o boom que se fez presente na América Latina na década de 1950, podendo ser percebido no Brasil a partir da década de 1970. O que Marini tenta explicar é de que maneira as ações da ditadura militar brasileira determinaram o destino do Chile, e a resposta para isto é o contexto político e econômico vivenciados na época, as ações dos militares respondiam a postulados tanto políticos quanto econômicos. Visando obter maior investimento para a Burguesia Brasileira, o Estado fez o que estava a seu alcance, inclusive incentivou o caos político e econômico para que se desencadeasse a derrubada de Salvador Allende. (SILVA, 2010).

O que se pode concluir a partir do artigo de Silva, é que o Brasil desempenhou um papel significativo não só na queda de Salvador Allende no Chile, mas também no impedimento da ascensão de partidos de esquerda na América Latina. Além de ocupar a posição de aliado preferencial dos Estados Unidos, vigiando, transmitindo informações, fazendo intercâmbio de agentes de inteligência e atuando nos países e regiões prioritárias, segundo os interesses estadunidenses. (SILVA, 2010).

Fidel Castro no Chile de Allende

Aggio (2003) não culpabiliza Fidel Castro de toda a confrontação que viria a se estabelecer no Chile, porém não o isenta também, pois de acordo com ele, a viagem que o primeiro ministro de Cuba realizou ao Chile em novembro de 1971 apresentou uma série de objetivos não revelados e intenções desconhecidas.

Em seu périplo pelo Chile, percorrendo-o incansavelmente de Norte a Sul, Castro visitou mais de uma dezena de cidades e localidades, fez comícios para multidões em espaços públicos abertos e fechados, proferiu conferências em diversas instituições – uma delas, na sede da Cepal –, estabeleceu conversações com representantes de inúmeras organizações da sociedade civil e do aparelho estatal, especialmente de entidades sindicais e femininas, participou de ardentes debates com estudantes universitários e concedeu incontáveis entrevistas a órgãos de imprensa, nacionais e estrangeiros. (AGGIO, 2003, p. 152).

Aggio (2003) enumera as razões pelas quais a visita de Fidel pode ser considerada impactante no Chile, são elas: o convite por parte da Unidade Popular para que ele visitasse o Chile foi para a permanência de 10 dias, no entanto Fidel permaneceu 24 dias no país; o aumento significativo da segurança nas ruas (envolvendo o aumento de agentes cubanos além de chilenos), tudo para respaldar de maneira adequada o chefe de Estado que visitaria o Chile, porém o país estava acostumado com um aparato militar bem mais reduzido; a quantidade pessoas que o receberam, que de acordo com Aggio totalizou 1 milhão.

O autor aponta que uma série de historiadores reconhece a visita de Fidel como um ponto de inflexão para tudo que viria a acontecer no país, definindo se a via chilena para o socialismo obteria sucesso ou não. Porém ressaltam que este não foi um fator decisivo para o rumo que os acontecimentos no país tomaram, ainda que se deva levar em conta a influência que a estadia de Castro gerou, e que consequências isto produziu no cenário Chileno. (AGGIO, 2003).

Aggio (2003) aponta que desde 1920, com Arturo Alessandri [4] a população chilena não se deparava com uma figura tão eletrizante e carismática, com traços pessoais e de personalidade tão vitalizados quanto à de Fidel. Além disto, ao longo de sua permanência no Chile, é importante mencionar que Castro viu explodir um conflito armado no país, que teve início como uma manifestação que se denominou de passeata das panelas vazias, porém posteriormente chegou a resultar em uma série de mortos e no decreto de estado de emergência em Santiago.

Para Aggio (2003), Fidel Castro passou a atuar como um ator político da vida nacional, pois a sua permanência no Chile produziu um efeito inegável, o acirramento das disputas de classes, somado a isso um questionamento acerca da eficácia do sistema político chileno. O autor pontua que o discurso de Fidel no Chile apresentava um caráter persuasivo, que era constituído por meio de perguntas e respostas, em uma linguagem simples, familiar, para que a população pudesse compreendê-lo com facilidade. Era um discurso com o objetivo de mobilizar, ensinar, aconselhar a respeito da situação pela qual o país se defrontava. Acrescenta o autor, que “as características formais do discurso de Fidel, a dimensão política e ideológica do seu discurso define o caráter e as precisas intenções da visita de Fidel Castro ao Chile”. (AGGIO, 2003, p. 156).

A visita de Fidel ao Chile se prolongou aquém do esperado, as suas ações deixavam cada vez mais claro que ele teria vindo para entrar em contato com a esquerda chilena, com o intuito de conscientizá-los de que os fascistas eram os inimigos e que eles deveriam estar prontos para um combate armado, desempenhando cada vez mais o papel de ator político interno ao Chile. (AGGIO, 2003).

Com Fidel, as tensões que já existiam se acentuaram, complicando a convivência política entre as diferentes forças que representavam a sociedade chilena. Não havendo possibilidade de desautorizar as iniciativas e intervenções de Fidel, o governo ficava cada vez mais refém do seu visitante, enquanto se aprofundava o fosso entre as forças de esquerda e as de oposição. (AGGIO, 2003, p. 158).

A via chilena para o Socialismo e o modelo de Cuba se contrapunham cada vez mais, e conforme essas diferenças se chocavam, Castro deixava claro que não acreditava no modelo de Allende e que para que ele pudesse dar certo deveria haver uma radicalização do processo. O autor pontua ainda que em uma das reuniões da Organização Latino-americana de Solidariedade (OLAS) em 1967, Fidel criticou abertamente o modelo do Chile, chamando de mentirosos aqueles que apoiavam a via pacífica. (AGGIO, 2003).

De acordo com Aggio (2003), a ascensão de um modelo de via pacífica para o Socialismo, cuja proposta era extremamente diferente do modelo de Cuba, representava uma grande ameaça para Fidel, além de desconstruir a imagem estabelecida a partir da Revolução Cubana.

Para alguns autores, a chamada via chilena ao socialismo era, precisamente, a antítese do caminho cubano e poderia ser definida, em termos didaticamente negativos, da seguinte maneira: ela não será igual aos processos revolucionários anteriores uma vez que não se utiliza da violência, não rompe com a ordem política existente, não se fundamenta numa forma autoritária de governo e não estabelece o domínio de um partido único. (AGGIO, 2003, p. 159).

Uma diferença marcante que pode ser percebida entre os dois modelos, extremamente divergentes entre si, é que no Chile, o Estado burguês propiciou condições para que os sindicatos e as classes operárias pudessem se organizar. O quadro 1, a seguir, apresenta um modelo construído, de acordo com Aggio (2003), numa entrevista em que o jornalista Augusto Olivares dialogou com Allende e Fidel. É possível visualizar as principais diferenças entre os dois modelos.

Quadro 1 – Principais diferenças entre Salvador Allende e Fidel Castro

Fonte: Luna (1988).

Fidel deixava claro que a revolução deveria partir para o âmbito das armas, e também o seu descontentamento com o direcionamento pacífico que o processo estava tomando. O receio de que uma via para se alcançar o Socialismo diferente da sua triunfasse não era bem aceita por ele, não vislumbrava a possibilidade de um novo caminho revolucionário.

Na noite de 1 de dezembro de 1971, quando eclodiu a passeata das panelas vazias e Allende decretou Estado de Emergência, Castro opinou que esta era uma medida muito branda para, segundo ele, um fato tão grave. E pediu mano dura ao presidente, ao que Allende respondeu por meio de um emissário: ‘Diga a Fidel, com suavidade que aqui no Chile quem resolve essas coisas sou eu, de acordo com meu leal saber e entender’. (AGGIO, 2003, p. 161).

Castro acreditava que o que estava acontecendo no Chile não poderia ser denominado como Revolução, e sim como um processo que é caracterizado como uma fase inicial em que se deveria haver um avanço de fase e de ritmo. Fidel preocupava-se a respeito da maneira pela qual o processo no Chile se desenvolveria até se tornar uma revolução, e por isso ele qualificava o processo chileno como insólito. (AGGIO, 2003).

Fidel atuou no Chile com o intuito de ‘radicalizar’ o processo chileno, possivelmente para fazer do Chile uma base de operações da guerrilha latino-americana, patrocinada por Cuba. Estrategicamente, nessa visita, esse era seu objetivo máximo. Como percebeu que não o conquistaria ou que seria extremamente difícil que isso se viabilizasse, estabeleceu como elemento tático mediador da sua estratégia a ‘invenção’ de uma contra revolução. (AGGIO, 2003, p. 163).

Fidel não conseguiu radicalizar o processo no Chile, mas obteve êxito ao instaurar o pânico, o que acabou ocasionando em uma contrarrevolução. O autor ainda acrescenta que a viagem se estendeu de tal maneira que Fidel só deixou o país no momento em que teve a certeza de que a estratégia política de Allende havia sido afetada.

Para Aggio (2003), ainda que 1971 tenha sido um ano favorável para a Unidade Popular, ele terminou com uma certa instabilidade, pois a partir da visita de Fidel, as palavras fascismo, reação e contrarrevolução tornaram-se recorrentes, e a visita teria ajudado a polarizar a população e radicalizar o processo.

Considerações finais

Os estudos das relações políticas e econômicas entre Estados Unidos e América Latina são essenciais para melhor compreensão da realidade vivenciada atualmente. Obter um melhor entendimento de como a política norte-americana para a América Latina se deu no pós Guerra Fria é importante para entender os acontecimentos subsequentes, como, por exemplo, a ascensão do militarismo. Os acontecimentos que permearam o pós Guerra Fria devem-se em grande parte ao ideário de combate ao comunismo que se fez muito presente. Sendo assim, as políticas voltadas para lidar com a América Latina eram extremamente permeadas por esta ideia de não permitir que o comunismo se propagasse. A Revolução Cubana intensificou este processo e modificou a maneira pela qual os Estados Unidos lidavam com a América Latina, pelo medo de que uma nova Cuba emergisse.

O caso chileno, por tratar-se de um governo eleito democraticamente, o de Salvador Allende em 1970, porém declaradamente marxista, era percebido pelos estadunidenses como uma ameaça ainda maior. O governo de Allende não despertou somente a atenção norte-americana como também a de Cuba e a brasileira. O Brasil atuava com um braço dos Estados Unidos no Chile, com o objetivo de impedir que Allende permanecesse no poder. A atuação brasileira no Chile se deu tanto por meio do aspecto financeiro, no qual empresários paulistas teriam fornecido apoio aos empresários chilenos, como também ao maior jornal do país El Mercurio; quanto ao aspecto bélico, através do fornecimento de armamento para o grupo Patria y Libertad, que realizava uma série de ações terroristas contra Allende. O embaixador brasileiro no Chile, Câmara Canto estava intimamente ligado ao Golpe no Chile, reunindo-se com o embaixador Edward Korry e apoiando grupos revolucionários.

O interesse de Fidel Castro no terremoto político que acontecia no Chile foi marcado por uma viagem que ele realizou ao país em 1971, algo totalmente fora dos padrões diplomáticos para a época, e repleto de intenções e objetivos não declarados. A ascensão de uma nova via para o Socialismo, e com diferenças notáveis do processo político que ocorreu em Cuba, produziam o temor de que a imagem da Revolução Cubana fosse desconstruída. Sendo assim, a visita de Fidel ao Chile teve como escopo radicalizar o processo que ali se desenvolvia, para que a via chilena para o Socialismo se tornasse parecida com a cubana.

É de superlativa importância mencionar que desde o século XVII, os Estados Unidos possuem um caráter expansionista que se deve ao fato da sua convicção de um direito divino à ocupação. Eles acreditam que detêm uma missão especial para a América. Com o Chile não foi diferente, apresentando um histórico de intervenções em outros países da América Latina, como Guatemala, República Dominicana, Brasil dentre outros. As ações norte-americanas se davam por meio de ações encobertas, auxílio financeiro e bélico. No caso de Salvador Allende, estas ações estadunidenses tornaram-se ainda mais notáveis a partir da terceira vez que Allende concorre as eleições presidenciais, momento a partir do qual a máquina de intervenção no Chile fora posta em prática, sendo esta baseada no financiamento e apoio de partidos de direita. Os Estados Unidos começaram a atuar de maneira encoberta no Chile desde 1963, e o Relatório Church relata as influências no país durante esse período até o Golpe.

A despeito da pluralidade de interpretações sobre os atores que participaram na queda de Allende, é possível perceber que ainda que outros atores tenham influenciado no terremoto político que se desenvolvia no Chile, a presença norte-americana foi vital. A atuação dos Estados Unidos fora crucial, tendo em mente que se tratava da potência hegemônica da época, logo seus esforços no tocante a técnicas de investigação, propaganda, armamento bélico, representaram condições sine qua non para a queda do governo de Allende.

Este tema possui exorbitante relevância para as Relações Internacionais, pois nos auxilia a compreender melhor como se dá a dinâmica entre Estados Unidos e América Latina no pós Guerra Fria, marcada por intervenções nos assuntos internos latino-americanos. Abordar o caso do Chile num dos momentos mais marcantes e dramáticos da época, é de superlativa importância para o entendimento de como foi instaurado o regime militar no país. O estudo da América Latina como região, compreender-nos assim como aos nossos vizinhos, é crucial para que possamos propiciar a nós mesmos, e ao mundo, alternativas para os desafios sociais, econômicos e ecológicos que o mundo enfrenta.

Este artigo é uma contribuição pessoal da autora e não reflete, necessariamente, as opiniões da Revista Movimento. Envie-nos também o seu artigo para publicação em nosso site através do endereço redacao@movimentorevista.com.br.


Notas

1 Ocupou o cargo de adido militar-assistente da embaixada dos EUA no Brasil de 1945 a 1948. Subchefe-assistente do Comando Supremo das Forças Aliadas na Europa de 1951 a 1956, foi assistente do presidente Dwight Eisenhower de 1956 a 1960. Em março de 1964 cooperou ativamente com as articulações que levaram à deposição de Goulart. Em 1967 foi nomeado adido militar da embaixada dos EUA na França Em 1972, foi nomeado vice-diretor da Central Intelligence Agency (CIA). Realizou diversas missões no exterior, envolvendo-se na queda de governos estrangeiros não-alinhados com os interesses dos Estados Unidos. Em 1976, pediu demissão do seu cargo na CIA. (VERNON WALTERS, s/d).

2 Memorandum: Meeting with president Emilio Garrastazu Médici of Brazil.

3 N1E 93-72: The New Course in Brazil.

4 Arturo Alessandri Palma é considerado o político mais importante da primeira metade do século XX; teve um papel de liderança como presidente entre 1920-1925 e 1932-1938. (MEMÓRIA CHILENA, 2013).


Referências bibliográficas

AGGIO, Alberto. Uma insólita visita: Fidel Castro no Chile de Allende História vol.22 n.2 Franca, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/his/v22n2/a09v22n2.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2014.

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. A Derrubada de Salvador Allende. Fórmula para o Caos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

LUNA, E. Allende y Castro. Una entrevista para la historia da America Latina. In: ALCAZAR, J. e TABANERA,N. (coord). Estudios y materiales para la historia de America Latina, 1955 – 1990. Valencia: Tirant lo Blanch, 1988, p. 159 -178.

SILVA, Vicente Gil. O papel intervencionista da ditadura civil-militar brasileira na América do Sul. Revista História Social. n. 18, 2010. Disponível em: <http://www.ifch.unicamp.br/ ojs/index.php/rhs/article/view/357>. Acesso em: 22 mar. de 2014.

TEIXEIRA, Carlos Gustavo Poggio. Brazil, the United States, and the South American Subsystem: Regional Politics and the Absent Empire. Chapter five: The United States and the South American Subsystem During the Cold War: The Case of Chile. Lexington Books, 2012.


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As lutas em curso no país demonstram que fortalecer a classe trabalhadora é o único caminho para derrotar a extrema direita
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