Contra o apagão escolar neofascista do capital, uma reforma educativa da classe trabalhadora

Devemos fazer de cada unidade de ensino desse país, um comitê de luta antifascista.

Maycon Bezerra 12 out 2018, 14:18

No Brasil, a negligência em relação às necessidades e aos direitos educacionais do povo trabalhador é um problema histórico que segue muito vivo em pleno século XXI. É bastante revelador que o país tenha construído centros de estudos universitários, para as elites, antes mesmo de construir escolas de ensino fundamental para as maiorias populares. A construção de uma escola pública de massa, que garantiu a universalização do acesso ao ensino fundamental é uma realização apenas dos últimos 20 anos! E ainda assim, trata-se da universalização do acesso a uma escola pública profundamente precarizada, asfixiada pelo estrangulamento orçamentário imposto pelos sucessivos governos, comprometidos com a supremacia dos interesses do parasitismo financeiro sobre o fundo público.

Quanto ao ensino médio, não apenas ainda estamos longe da universalização do acesso, como a marca do último período tem sido o fechamento de salas de aulas e de escolas. Cerca de 30% dos jovens brasileiros, em idade de cursar o ensino médio, estão fora da escola. Apenas no estado do Rio de Janeiro, nos últimos 8 anos, mais de 230 escolas foram fechadas! Apenas em São Paulo, sete salas de aula são fechadas todos os dias! Não é possível fazer referência à crise educacional do país, sobretudo à crise do ensino médio, sem mencionar esses dados e a responsabilidade dos governos neoliberais por esse verdadeiro descalabro.

Nos marcos desse abandono da educação pública, que se converte em desmonte e demolição feita de cima para baixo, e que tende a ser ainda mais radicalizado pelos efeitos da Emenda Constitucional 95 (que congela os investimentos no setor público por 20 anos), é que se vai enfiando goela abaixo da sociedade brasileira o amordaçamento obscurantista da escola e a chamada “Reforma do Ensino Médio”. Trata-se, nesse caso, do nível de ensino que hoje se coloca como principal desafio ao projeto de construção de uma escola pública de massa no Brasil.

A “reforma” que vai sendo imposta pelos capitalistas e seu governo golpista ao ensino médio tem sido muito mal compreendida, principalmente em função da campanha mentirosa de desinformação patrocinada por Temer com dinheiro público, gerando confusão e desarmando a resistência da sociedade. Não se trata de um reforma, mas sim, de um desmantelamento. Sob o argumento falacioso de promover a “liberdade de escolha” do estudantes, o que se prepara – e já se vai executando em algumas redes estaduais pelo país – é um empobrecimento ainda mais intenso da grade curricular e um estreitamento radical da trajetória formativa do ensino.

De modo geral, é possível caracterizar assim os principais elementos contidos na “reforma” de Temer: o ensino médio é dividido em dois módulos de 1 ano e meio cada; no primeiro módulo ocorre um processo de “formação geral”, e no segundo, uma trajetória “especializada”. Nesse primeiro módulo, a maioria das disciplinas são extintas, substituídas por imprecisas “áreas do conhecimento”: as disciplinas de história, geografia, filosofia e sociologia são substituídas por uma “área de conhecimento” de “Ciências Humanas”; as disciplinas de física, química e biologia são substituídas pelo ensino da “área de conhecimento” de “Ciências Naturais”; matemática, português e inglês (inglês!), por sua vez, são as únicas disciplinas preservadas no currículo e poupadas da degola. Quanto ao segundo módulo, se destina a uma trajetória “especializada” do estudante em alguma dessas “áreas de conhecimento” ou em alguma “formação profissional”, que seria realizada em sua maior parte no ambiente de alguma empresa, na prática, como uma forma de estágio supervisionado, na melhor das hipóteses.

Sem entrar nas discussões relativas aos problemas pedagógicos ligados a substituição das disciplinas por “áreas de conhecimento” imprecisas e genéricas – na verdade, substituição essa voltada apenas à redução do quadro docente – o fato a ressaltar é que a lei que sustenta a “reforma” não obriga as escolas públicas a oferecerem mais de uma dessas “trajetórias especializadas” (nem cria as condições para tal) e, além do mais, muitas centenas de municípios pelo país contam com uma única escola de ensino médio, o que tende não apenas a inviabilizar essa suposta ampliação da “liberdade de escolha” dos estudantes em relação às trajetórias formativas, como a impor uma brutal precarização do conteúdo formativo do ensino médio público. Como a “reforma” não impõe a adequação das escolas privadas a esse modelo de (des)organização curricular e pedagógica, o abismo qualitativo entre elas e as escolas públicas submetidas à “reforma” tende a se alargar ainda mais, em favor do privatismo e dos tubarões do ensino.

É preciso enfatizar que o foco primordial dessa “reforma” não é pedagógico, é orçamentário e comercial, e trata de baratear o custo das escolas de ensino médio, sucateando-as. Leva a um aligeiramento precarizado desse nível de ensino, tão decisivo para os desafios que temos pela frente como povo e como nação. Articulada a esse barateamento aparece a opção pela terceirização privatista da gestão das escolas públicas (modelo das “escolas charter”), entregues a “Organizações Sociais” ou empresas privadas que, com seus custos assim reduzidos, podem abocanhar mais livremente os repasses financeiros a elas direcionados pelo poder público. Indo mais longe, aparece já no horizonte também a substituição crescente das aulas presenciais na escola pelo ensino à distância, a última fronteira do projeto educacional da classe dominante: a desescolarização das filhas e filhos do povo trabalhador.

Desescolarização: última fronteira da política educacional do capital

O capitalismo em sua etapa neoliberal, sob a supremacia incontestável do capital financeirizado, degenera – enquanto sistema econômico – em uma forma estatalmente organizada de rentismo, em parasitismo financeiro sobre as famílias, as empresas e sobre o fundo público. Uma forma de pirataria institucionalizada do capital sobre todo o tecido da vida social. Articulado em um movimento histórico com a aceleração intensa da mudança tecnológica e social esse rentismo “financista-monopolista” neoliberal dispensa força de trabalho em quantidades imensas, entre trabalhadores de baixa e alta qualificação; precariza ao extremo os contratos de trabalho e as garantias legais de proteção aos trabalhadores, de modo a ter suporte institucional à superexploração do trabalho em expansão no mundo.

Muitos milhões de trabalhadores em todo os cantos do planeta são transformados em “população sobrante”. São excesso populacional, no projeto burguês de “civilização” para o século XXI. São as massas de trabalhadores subproletarizados ou improletarizados que vivem diferentes experiências econômicas e sociais, como operadores de formas historicamente particulares de economia de subsistência, informal e precária. Uma imensa reserva de trabalho para o capital que não convém, de seu ponto de vista de classe, escolarizar em massa.

Um reduzido complexo escolar voltado a atender as demandas de qualificação do trabalho do capital e da reprodução estatal não exige uma educação escolar pública de massa. No Brasil, essa orientação desescolarizante de política educacional do grande capital vai se afirmando antes mesmo de chegarmos a universalizar o acesso à escola básica. Está no primeiro plano do programa de governo para a educação de Bolsonaro, apoiado por um conjunto cada vez mais amplo e majoritário de setores da classe dominante, a educação à distância desde o ensino fundamental e o homeschooling.

A onda de ocupações de escolas públicas que sacudiu o Brasil em 2015 e 2016, demonstrou que a escola pública é um espaço de agregação, organização e formação democrática da juventude popular, um espaço educativo real, que educa através mesmo de suas mil precariedades. Em sua deriva decadentista e ultrarreacionária, o capitalismo neoliberal tardio e dependente que vivemos não se harmoniza com o princípio da escola pública de massa. O negócio educacional mercantil não depende mesmo da escola, ao contrário, como o demonstra a aliança tirânica das grandes corporações educacionais da EAD e do Homeschooling com a secretaria de educação de Trump, nos EUA. Desescolarizar o povo é desmantelar, além do mais, a categoria social do estudante e da professora, duas categorias em estrutural contradição com o projeto da classe dominante neoliberal, expressa sempre e por toda parte em choques muito intensos.

A combinação entre desescolarização popular e fortalecimento do fundamentalismo religioso, em um contexto de crise econômica e social, não sugere, como momentos constitutivos de uma mesma conjuntura, um sinal positivo para o Brasil. Mas é algo em marcha, que precisa ser detido É preciso defender a escola… pública, democrática, de massa e emancipatória. Qualquer concepção republicana e democrática de país e de nação incorpora a defesa da escola como instância educativa fundamental. A escola pública como lastro social mais importante da ordem democrática.

Educação, emancipação e a classe trabalhadora

Desde Fourier e Saint Simon, passando por Marx, Lenin e Gramsci, o movimento socialista sempre atribuiu um papel decisivo à educação pública na emancipação da humanidade, pela emancipação da classe trabalhadora. A construção de uma sociedade estabelecida na soberania democrática do povo trabalhador sobre a esfera política, social e econômica, depende absolutamente da participação mobilizada e protagonista da massa popular, tão mais à altura dessa tarefa quanto mais capacitada ética, política, estética e cientificamente para o exercício de uma plena cidadania democrática pela educação, centrada na escola pública.

O socialismo é, assim, o herdeiro das bandeiras educacionais da democracia revolucionária jacobina. Escola pública, laica, de massa, obrigatória e científica. O princípio da escola pública obrigatória, duramente atacada pela insólita aliança de liberais, conservadores e teocratas, não vem encontrando defensores consequentes muito além dos socialistas. É preciso, antes de mais nada, afirmar a escola pública como espaço central do processo educativo das crianças e jovens, formando nos valores democráticos de uma ética pública e humanista e numa concepção científica e racional da realidade. Enfrentando os aspectos antissociais, antidemocráticos e obscurantistas do senso comum formado sob a influência combinada da mídia empresarial, do fundamentalismo religioso e da tradição.

A revolução socialista da escola pública que a Rússia bolchevique iniciou em 1918 levou aos primeiros passos da concretização do projeto de uma escola pública de massa articulada à hegemonia social e política da classe trabalhadora. Como aspecto constitutivo de um processo revolucionários de desalienação, voltado a que a sociedade assuma em liberdade o controle consciente de suas forças e, logo, de si mesma, a educação socialista pôs no centro a superação da divisão entre teoria e prática. Planejar e executar, dirigir e obedecer, pensar e fazer; essas dualidades então opostas, na sociedade de classes, deviam ser integradas e postas dessa forma no centro do processo educativo da escola socialista.

Dessa maneira, a experiência educacional soviética articulou de modo revolucionário, baseando-se em uma compreensão marxista da história e da sociedade, o ensino, o trabalho e a luta de classes na escola. Nos marcos da construção socialista, cabia à escola pública formar a nova geração de crianças e jovens, homens e mulheres, enquanto sujeitos capazes de se apropriar cognitivamente do patrimônio fundamental de saberes acumulados pela humanidade e das bases científicas e tecnológicas da produção moderna, bem como também capazes de familiarizar-se praticamente com o trabalho produtivo, a serviço das necessidades sociais coletivas, incorporando nesse processo uma concepção ético-política que faz da plena realização da personalidade individual de cada um e da construção coletiva de uma vida e um destino comum, os dois lados de uma mesma moeda.

A noção e o princípio da educação politécnica pode ser considerado o maior legado da experiência educacional revolucionária da Rússia bolchevique, para uma reflexão atual sobre educação pública sob a perspectiva dos interesses da classe trabalhadora. Consiste justamente na afirmação do trabalho como princípio educativo, da necessidade de superar a oposição entre trabalho intelectual e trabalho manual – entre planejamento e execução -, e também da superação das formas especializadas e unilaterais de formação para o trabalho.

O trabalho, como práxis humana, é assim ser posto no centro do processo educativo. O ensino exclusivamente livresco e intelectualista, substituído por sua articulação prática com o fazer, o realizar. A escola separada da vida social e do mundo adulto, superada por uma escola articulada vivamente com o mundo da produção e da dinâmica social concreta. A educação dualista, com formação intelectual aos filhos dos ricos, e formação estritamente profissional, aos filhos dos pobres, superada por uma escola unitária, tanto de formação intelectual quanto de formação para a prática do trabalho produtivo, e realizada através dessa prática. A escola baseada na disciplina imposta e no silenciamento, superada por uma escola dirigida sob o poder auto-organizado de estudantes e educadores.

Brasil, escola pública e as tarefas presentes

Em meio aos dados alarmantes da precariedade da educação pública no Brasil, a rede federal de educação básica, técnica e tecnológica (mais conhecida como a rede dos Institutos Federais e do Colégio Pedro II) se destaca por sua qualidade. Mesmo tomando-se os resultados avaliativos baseados na perspectiva pedagógica hegemônica, como os resultados do PISA, organizados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a rede federal de educação aparece como uma ilha de excelência. É avaliada com resultados bem acima da rede privada de ensino e, tomada separadamente, alcança resultados similares ao de países como a Coréia do Sul ou mesmo países europeus.

A rede federal está espalhada e capilarizada por todo o território nacional, predominantemente nos rincões do interior e das periferias urbanas do país. Hoje são 38 Institutos Federais, com 562 campi em 521 municípios em todos os estados brasileiros. Somos cerca de 40 mil servidores e centenas de milhares de estudantes espalhados pelo país. Os IFs articulam, além do ensino médio integrado com educação profissional; cursos profissionalizantes stricto sensu de nível médio (desvinculados do ensino propedêutico) ou integrados à Educação de Jovens e Adultos; cursos superiores de licenciatura, engenharia e arquitetura; cursos de pós-graduação em todos os níveis (especialização, mestrado e doutorado); assim como cursos de extensão, à distância e de formação continuada de trabalhadores. Esse arranjo institucional, singular e único no mundo, é, na verdade, uma construção ainda em aberto, sob vários aspectos. A legislação normativa e a ação constituinte dos trabalhadores e estudantes da rede, faz desse conjunto de instituições um complexo extremamente dinâmico.

Na base da construção dessa rede de Institutos Federais está uma orientação educacional politécnica, temperada pelas contradições e limites impostos pelas circunstâncias históricas e sociais concretas sob as quais se deu tal processo. No que se refere à educação básica, núcleo duro da rede, o ensino médio integrado à educação profissional buscou romper com o velho dualismo da educação rica para ricos e pobre para pobres, assim como buscou construir um marco formativo que vai além da especialização profissional restritiva, sem abandonar a perspectiva concreta de que o trabalho sob o capitalismo não pode deixar de ser também mercadoria.

A infraestrutura superior, ainda que desigualmente distribuída; as condições de salário, carreira e trabalho mais favoráveis aos trabalhadores; as condições de formação distintivas e a presença de política efetiva de assistência aos estudantes; formam, em conjunto, as bases materiais para o sucesso da rede federal. De igual maneira, a estrutura institucional democratizante e o entusiasmo modernizante da maioria dos profissionais e estudantes, vinculados a um projeto de educação pública de qualidade orgulhoso de si mesmo, faz dos campi dos Institutos Federais pólos dinâmicos de irradiação democrática nas regiões onde se encontram instalados, ensaiando o papel da escola como centro democrático da vida das comunidades populares, defendido na concepção pedagógica orgânica da classe trabalhadora.

A existência e o êxito da rede federal de educação básica – ainda que com suas contradições – deve servir como suporte às formulações que se desenvolvem no campo democrático da educação brasileira. É certo que nos encontramos em uma situação radicalmente defensiva, mas não podemos nos opor aos projetos de desmonte da escola pública, que partem da classe dominante, sem possuirmos um horizonte mínimo de referência para a reforma da educação pública que avance no sentido das necessidades educacionais do povo trabalhador brasileiro.

Dito isso, é preciso afirmar com a maior clareza possível que estamos diante da emergência de um perigosíssimo projeto neofascista para o país. É uma necessidade absoluta a construção de uma ampla frente única da classe trabalhadora e dos setores populares, capaz de incorporar também a adesão e o apoio do que houver de setores autenticamente democráticos da burguesia, para deter a marcha de Bolsonaro ao poder. Nesse sentido, a nós educadores e estudantes cabe também arregaçar as mangas e cavar as trincheiras da luta pelos direitos políticos, sociais e trabalhistas democráticos de nossa gente. Isso inclui, obviamente, os direitos educacionais do povo brasileiro.

Devemos fazer de cada unidade de ensino desse país, um comitê de luta antifascista. A mordaça obscurantista que querem impor à escola pública deve ser rasgada por nossa iniciativa firme. Nenhum silêncio ou neutralidade nesse momento é aceitável. Atuamos, como profissionais ou estudantes, nos marcos de uma escola pública organizada por lei sob os valores pedagógicos da democracia e o princípio ético da igualdade. Capitulação ao fascismo, mais do que covardia é repugnante traição ao preceitos legais da escola pública brasileira que ainda temos que defender.


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