Parar Bolsonaro, o Trump brasileiro

O candidato protofascista parece romper com os “valores” da democracia burguesa.

Pedro Fuentes 1 out 2018, 21:15

Ainda há incertezas eleitorais no Brasil que deverão ser dissipadas neste primeiro turno eleitoral em 7 de outubro. Levando-as em conta, já há uma certeza: a instalação na cena nacional do Trump brasileiro que tem traços similares às ultra-direitas que apareceram no mundo neste período. Bolsonaro faz parte do processo mundial do crescimento da ultra-direita que tem seu principal expoente em Trump, mas se estendeu pela Europa e outros países. O perigo para o Brasil e a América Latina está colocado.

Bolsonaro é mais do que um fenômeno eleitoral; é uma consequência da grave crise pela qual atravessa o Brasil (crise social, econômica e do regime político). Essa situação está consolidando este personagem que pode ser definido como protofascista ou ultradireitista. É ainda mais perigoso que alguns de seus similares no mundo. Trata-se de um “homem forte” elevado por um setor do povo como um mito ou salvador do país que tem mão dura para acabar com a crise.

Existe uma base social de massas e setores fanáticos que se mobilizam por trás de sua figura, mas o mais perigoso é que seu círculo mais próximo é um setor do exército, das polícias, de todas as forças de segurança, inclusive as privadas. Seus “populares” muito possivelmente ligados a esses setores, já passaram a fazer ostentação pública ameaçadora nas eleições. Contempla-se o quadro com o apoio de um setor da burguesia, que por ora não é majoritário neste primeiro turno. A fração mais consolidada com sua candidatura é a burguesia ruralista, uma vez que agrada a esse setor a liberação do porte de armas.

Para mostrar que as eleições do Brasil se converteram num centro de atenção mundial. O Brasil está na capa da revista liberal The Economist com a foto de Bolsonaro, legendada pela frase “A ameça para a América Latina” que alerta os mercados do risco em apoiar este candidato. Na mesma linha de The Economist, foram o Le Monde, The Guardian, El País, etc. Não por casualidade, mostra o perigo que há no Brasil, o maior país da América pelo que significaria como impacto em todo o continente.

A ruptura com os “valores” da democracia burguesa

Há um tempo estamos escrevendo sobre a crise dos regimes democráticos burgueses e o surgimento do autoritarismo como um aspecto relevante da situação mundial. A crise econômica crônica aberta em 2007-08 acelerou também a crise dos já erodidos regimes democrático-burgueses, que foi a forma predominante usada pela dominação burguesa e dos partidos tradicionais que lhe dão forma. A corrupção endêmica dos políticos associados aos grandes capitalistas completa este quadro. Manuel Castells, um importante especialista da nova comunicação em rede denomina, em seu livro Ruptura, a ruptura como “autodestruição da legitimidade institucional pelo processo político e crise de legitimidade” instalada entre o povo e as instituições dessa “democracia liberal”. “Por isso, pode-se afirmar que é representativa sempre que os cidadãos pensem estar representados. (…) Caso se rompa o vínculo subjetivo entre o que os cidadãos pensam e desejam e as ações daqueles que elegem e pagam, foi produzido o que chamamos crise de legitimidade política: ou seja, o sentimento majoritário de que os atores do sistema político não os representam”.

Polarização

O avanço da ultra-direita tem terreno fértil nesta ruptura que é uma grave ameaça para os trabalhadores e o povo. No entanto, temos que evitar fazer uma leitura unilateral do mundo e do Brasil. Já que a brecha aberta por essa ruptura provoca também a existência de outro polo que não pode ser ignorado na hora de uma análise rigorosa da realidade como pedia Lenin. As mobilizações democráticas de lutas sociais que enfrentam tanto a ultra-direita como a guerra social que leva adiante a burguesia em todos os países não pararam. Se olharmos o planeta, há um ascenso da luta das mulheres, há mobilizações democráticas de massas (a Nicarágua é uma das últimas expressões). E se olhamos o Brasil, vemos as jornadas de Junho e a mobilização democrática das mulheres que derrubaram Eduardo Cunha, o arquiteto do impeachment de Dilma Rousseff. E agora o #EleNão, um movimento espontâneo das mulheres, no qual o coletivo Juntas joga um papel importante de vanguarda do que se transformou numa convocação nacional e mundial contra o sujeito. E porque tampouco podemos deixar de ver que pelas brechas abertas não só surgem personagens da ultra-direita, mas também Bernie Sanders e Jeremy Corbyn, para citar os casos mais destacados da política mundial.

Não podemos deixar de analisar que há uma ala do imperialismo descontente com a política nacionalista e protecionista de Trump (“América em primeiro lugar”) que vem rompendo o frágil consenso mundial existente antes de sua ascensão e que vem aumentando o caos geopolítico e a guerra comercial. Não por casualidade, esta última assembleia da ONU está sendo patética.

Um protofascismo muito perigoso

Se procurarmos fazer uma análise política rigorosa não podemos dizer que se trata ainda de fascismo. Tem evidentemente elementos comuns com o fascismo, mas nos parece que a definição mais adequada é a do protofascismo.

Quais o traços comuns do protofascismo do Bolsonaro com o fascismo conhecido de Hitler, Mussolini ou Franco? Entre as características comuns, o caráter populista, a afirmação de um líder de mão forte ante a crise, o anticomunismo, a defesa dos valores religiosos em negação dos valores democráticos, o sentimento antissistêmico que galvaniza o apoio de setores sociais golpeados pela crise.

Entretanto, existe uma diferença fundamental com o fascismo clássico. Na década de 1930, ele se impôs por meio de derrotas históricas do movimento operário: depois de situações revolucionárias ou pré-revolucionárias, triunfos contrarrevolucionários foram obtidos pela extrema-direta. Na Alemanha, a política sectária do terceiro período da III Internacional, sob o comando de Stalin, desperdiçou a situação revolucionária aberta; a posterior recusa do Partido Comunista em fazer uma frente única com o Partido Social-Democrata possibilitou a vitória do nazismo. Na Itália, Mussolini ascendeu após a situação revolucionária aberta em 1921 e 1922 com as ocupações massivas de fábricas ter sido esmagada. Na Espanha, Franco venceu a Guerra Civil contra a frente antifascista. No mundo de 2018, não podemos identificar uma derrota histórica do movimento de massas. Há derrotas parciais, muitas delas por falta de combate em batalhas não disputadas, mas o movimento de massas não está golpeado como naqueles países. Voltando ao Brasil, a dependência brasileira do imperialismo não pode criar um líder protecionista, como Trump, ou um líder nacionalista, como Hitler. Bolsonaro combina seus traços fasicstas com uma política econômica extremamente liberal de total submissão do país ao imperialismo. Nem no Brasil nem no mundo, o punhado de corporações que dominam a economia mundial embarcaram num projeto deste tipo.

Na caracterização do proto-fascismo, não podemos nos esquecer do problema da ausência de uma direção alternativa face à crise do capitalismo, além das insuficiências do movimento operário como classe internacional. Isso debilita a unidade das classes trabalhadoras como classe internacional na luta contra a far-right. Esta divisão contribui para que setores da classe média e dos trabalhadores se desloquem para a órbita destes movimentos proto-fascistas.

Diferenciar o proto-fascismo do fascismo é necessário para levar adiante uma política contra esse nosso grande inimigo. Primeiramente, esta clareza nos mostra que há reservas acumuladas na luta contra este perigo, não confundindo o movimento de massas, mostrando suas reais forças para combatê-lo e determinando as melhores armas nesta luta. A prova maior disso é que o #NotHim é muito mais do que um movimento defensivo.

O Trump Brasileiro

Também é útil comparar Bolsonaro com outros personagens da far-right mundial, especialmente com Trump, ressalvadas as enormes diferenças existentes entre a maior potência do mundo e um país que pretendia ser subpotência.

Há pontos comuns nos dois processos. Nos EUA, a reação conservadora teve como pano de fundo a crise econômica, o terrorismo e a imigração, fatores também determinantes no crescimento da far-right na Europa. No Brasil, além da crise econômica e do esgotamento do regime da Nova República, outro fator decisivo foi a insegurança (ler o artigo de Israel Dutra) que vem provocando o aumento gigantesco de assassinatos da população civil, atingindo um número superior aos de muitas guerras.

Por que o proto-fascismo no Brasil aparentemente está se tornando algo muito perigoso e pode-se cristalizar? Se compararmos com os EUA, o Brasil tem menos gordura econômica e reservas democráticas (que nos EUA são conquistas de duas revoluções democrático-burguesas). O Brasil atravessa uma crise muito forte e possui menos reservas democráticas. Vale acrescentar que, diferentemente do restante do Cone Sul, o final do regime militar foi negociado e os militares não foram julgados. Por isso, não são iguais as reservas acumuladas nas lutas democráticas no movimento de massas como nesses países. No Uruguai e na Argentina, torturadores e apologistas da ditadura não possuem espaço na opinião pública. Embora haja no Brasil um sentimento democrático amplo, este não tem a contundência dos outros países. Não por acaso, os militares e Bolsonaro podem defender a ditadura e as forças de segurança contam ainda com remanescentes do período militar.

Há condições para pará-lo

O resultado das eleições será importante para solucionar algumas incertezas. Mas, de qualquer maneira, vença ou perca Bolsonaro no segundo turno, este personagem e o movimento que o acompanha sobreviverá por bastante, como ocorre em todos os países onde as ideias autoritárias crescem. No Brasil, criaram-se boas condições para enfrentar Bolsonaro. A ponta de lança deste movimento democrático está na manifestação multitudinária convocada pelo movimento feminista que cada dia ganha mais força. No segundo turno, este movimento democrático significará o voto no Haddad; temos que ser parte desta unidade de ação em defesa da democracia sem depositar nenhuma confiança na capacidade do governo do PT em pará-lo ou derrotá-lo. A mobilização permanente continuará sendo a nossa principal arma contra o proto-fascismo.

Artigo originalmente publicado no Portal da Esquerda em Movimento


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 12 nov 2024

A burguesia pressiona, o governo vacila. É hora de lutar!

Governo atrasa anúncio dos novos cortes enquanto cresce mobilização contra o ajuste fiscal e pelo fim da escala 6x1
A burguesia pressiona, o governo vacila. É hora de lutar!
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi