A Itália chocou com o icebergue

Uma Comissão moribunda ameaça um governo populista, que já se sabe que vai responder em fanfarra.

Francisco Louçã 2 nov 2018, 15:59

Escrevi aqui que os focos de instabilidade na Europa estão na Itália, mas também em França (o Presidente mais rapidamente impopular pode ser vencido por Le Pen, em maio) e na Alemanha (com a lenta desagregação da direita clássica e da social-democracia). Estamos agora a assistir a uma conjugação de todos estes focos: uma Comissão moribunda ameaça um governo populista, que já se sabe que vai responder em fanfarra, e um Conselho dominado por governos frágeis teme as eleições mais do que tudo. A UE arrisca-se a uma crise por gosto próprio.

A culpa da Itália

Em 2015, a Comissão puniu a Grécia com austeridade para evitar a contaminação. Contra a Itália a coisa fia mais fino. Primeiro, porque desta vez é parte da direita europeia, afinal a Liga esteve no Governo com Berlusconi e era parceira do PPE. Por isso, o Governo de Roma, e Salvini em particular, beneficiam do efeito popular de um choque com um “inimigo externo”, que a Comissão lhe oferece, e, portanto, gere a crise sabendo que tem poder real sobre Bruxelas. Depois, porque a dimensão da economia italiana pode gerar uma perturbação de grandes proporções, que ninguém parece querer evitar mas que todos parecem temer.

Em substância, a Itália pode alegar que o seu Orçamento, agora rejeitado pela Comissão, consagra um défice de 2,4% e que o da França é de 2,8%, não tendo havido com isso o menor incómodo. Mas “la France c’est la France”, como disse Juncker num momento de franqueza. Acresce que a França esteve em “défice excessivo” desde 2009 até 2018, sem que nenhum ano tenha corrigido as contas, e até se propõe agravar o défice em 2019.

Não é só a França ou a Itália que não cumprem as regras. Durante a recessão, entre 2009 e 2012, quinze dos estados da zona euro estavam em procedimento por défice excessivo, o que foi utilizado pelas autoridades europeias para imporem programas de austeridade e de privatizações. Ora, não foram impostas sanções a nenhum deles (a multa, no caso italiano, poderia chegar a 3,4 mil milhões de euros).

O mercado é um bicho assustadiço

O risco para Itália não parece vir de sanções eventuais. Elas começariam com um procedimento por défice excessivo, já se sabe que é uma decisão lenta, exigiriam um alto grau de confronto mas, uma vez aprovadas, não teriam regresso possível. Tudo um disparate e ao Governo dá jeito elevar a tensão.

O risco é outro, é o dos mercados. As Bolsas italianas já caíram 13% num mês e a diferença entre os juros da dívida italiana e alemã é o mais alta desde 2013. Os credores estão com medo de uma Itália que tem a terceira maior dívida do mundo. A contaminação é evidente, o Nasdaq teve a maior queda desde 2011. A finança exigirá por isso recompensas na reciclagem da dívida e é aí que está o perigo de efeito-dominó em toda a Europa.

Joseph Stiglitz, que desde há anos argumenta que a próxima crise do euro começará em Itália, dado que “é um sistema concebido para falhar” e sugeriu mesmo a sua saída da moeda única, com a criação de uma segunda moeda legal no país. Há várias hipóteses para essa moeda para contas internas, e uma delas é que se baseie em obrigações garantidas por receitas fiscais futuras, sendo convertível em euros, o que não aumentaria a dívida mas melhoraria a procura agregada, contrariando a recessão. Acho que a solução não funcionaria, dado que o Estado não teria controlo efetivo sobre a moeda, mas que se discutam soluções de urgência que estão fora do menu tradicional, isso já é revelador de que mergulhamos em território desconhecido. Não há volta atrás.

Artigo originalmente publicado no jornal “Expresso” a 27 de outubro de 2018. Reprodução da versão publicada no esquerda.net.


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Camila Souza