A luta anti-imperialista é a prioridade para o continente africano

O desenvolvimento do capitalismo guarda grande intimidade com a África desde seus primórdios.

Gilvandro Antunes 26 nov 2018, 14:53

O continente africano é, sem sombra dúvida, uma mistura da imensa riqueza e dos enormes problemas contemporâneos da geopolítica mundial. De acordo com a lista divulgada pela Revista Global Finance Magazine, sediada em Nova Iorque, em março de 2017, dos 15 países mais pobres do mundo, 14 ficam na África. O estudo leva em conta o PIB per capta, corrigido pelo poder de compra e o IDH da ONU. Ou seja, dentro do sistema capitalista de economia global coube à África, sobretudo à subsaariana, uma posição caudatária que a coloca em uma posição de extrema dependência econômica e política. O desenvolvimento do capitalismo teve uma intimidade muito grande com a África desde seus primórdios. Primeiro como rota comercial de trocas de mercadorias, segundo como rota entre a Europa e a Índia, terceiro como fornecedora de escravos para a nova rota comercial a partir do novo continente americano. E é no terceiro ponto que residem os maiores problemas do continente. Em 3,5 séculos de escravidão negra, estima-se que 12 milhões de pessoas negras tenham vindo acorrentadas em navios negreiros, dessas, 5,5 milhões tiveram como destino o Brasil. Desses, cerca de 12% ou 600 mil morreram antes de chegar à costa brasileira devido às péssimas condições das viagens transatlânticas, de acordo com os dados do site Slave Voyages. Calcula-se que Portugal transportou 5,8 milhões de escravizados e que a Inglaterra 3,3 milhões. Para além da análise da crueldade intrínseca ao regime escravocrata, o posicionamento do continente africano como “fornecedor” de “mão-de-obra” escrava dentro da divisão internacional do trabalho do incipiente capitalismo colocou essa região integralmente no papel subordinado à acumulação primitiva. Assim, a escravização negra no continente americano foi parte fundamental da acumulação de capital nas metrópoles europeias e até mesmo nos Estados Unidos, pois a drenagem do excedente do trabalho escravo ia diretamente para os bancos, empresas comerciais que emprestavam dinheiros para a nova grande indústria que se desenvolvia no velho continente.

O fim da escravidão na segunda metade do século XIX, com a abolição no Brasil e em Cuba, não diminuíram os problemas africanos na divisão internacional do trabalho. A África negra seguiu ocupada por nações europeias, a Conferência de Berlim entre novembro de 1884 e fevereiro de 1885 resultou na formalização da dominação das potências europeias. Sob o pretexto de libertar a África da escravidão, haja vista que ainda havia esse regime em muitos países do subcontinente saariano, e de levar o desenvolvimento civilizatório, os países mais industrializados da Europa dividiram o mapa africano de acordo com seus interesses políticos e econômicos. A partir da Conferência, os países africanos passariam formalmente a colônias de exploração. Com a segunda revolução industrial os países passaram a economias de enclave voltadas para o mercado internacional. Vejamos: um continente castigado pela escravidão agora passa a ser um enclave onde o capital exportado pela metrópole é absorvido de forma monopolizada para que este supra única e exclusivamente as necessidades da demanda metropolitana que fazia uma corrida imperialista que culminou na primeira guerra mundial. Para isso, milhões de famílias foram expulsas de suas terras, o acesso à água se tornou ainda mais escasso, etnias semelhantes foram separada e etnias distintas foram forçadamente unificadas. As tribos, Cidades Estados que aderiam se tornavam subordinadas. Já as que resistiam eram massacradas. Exemplo disso foi a dominação belga na região do Congo, atual República Democrática do Congo, onde os regimes do rei Leopoldo I e, posteriormente do seu filho, Leopoldo II foram marcados por uma sádica crueldade. Calcula-se que 10 milhões de congoleses foram assassinados em 30 anos, 50% da população estimada em 20 milhões antes da dominação belga. O domínio dos Leopoldos no Congo foi seguido de escravidão e amputações para aqueles que se recusavam como mostra a imagem abaixo.

 


Foto do livro do escritor polonês Adam Hochschild, O Fantasma do Rei Leopoldo

Assim, a África se torna um enclave do capitalismo europeu. O pouco de infraestrutura que havia nos países eram exclusivamente para o escoamento da produção colonial, sobretudo de minérios e metais preciosos. O argumento civilizatório foi só um pretexto para legitimar uma dominação sangrenta exercida por países como Inglaterra, França, Portugal e Bélgica. Para se ter uma ideia, em Angola, os portugueses mantiveram o regime de trabalho forçado até 1962 de acordo com Paulo Fagundes Visentini em seu livro As Revoluções Africanas: Angola, Moçambique e Etiópia.

Com o fim da Segunda Guerra houve um aumento da pressão pelo fim dos regimes coloniais na África e na Ásia. Ocorre que, na grande maioria destas colônias, a saída dos colonizadores significou a fuga repentina de capitais, destruição de infraestrutura e retirada de técnicos que, em sua imensa maioria era de brancos estrangeiros ou de brancos filhos de estrangeiros. Mas, mesmo a duras penas, a África conquistou sua independência das mais variadas formas. Algumas delas com revoluções como é o caso de Angola e Moçambique entre outros. Muitos desse países, como também é o caso de Angola e Moçambique, logo após suas independências e 1975 e 1974 respectivamente, entraram em sangrentas guerras civis que eram reflexos diretos da guerra fria protagonizada pelos Estados Unidos e União Soviética. Os processos de independência não foram reflexos da guerra fria, mas a influência sobre os países recém libertados refletiam um mundo econômica e politicamente bipolar. De modo que as forças que buscavam um maior distanciamento das ex-colônias e autonomia de um novo desenvolvimento nacional buscavam ajuda da URSS e de Cuba e as forças que estavam ligadas a saídas pactuadas com as ex-metrópoles buscavam refúgio no apoio dos EUA. Em Angola e Moçambique foi assim, logo após suas independências ocorreu a guerra civil. No primeiro, as forças do Movimento Popular pela Libertação de Angola, que contou com o apoio de mais de 16 mil soldados cubanos se confrontou com a UNITA liderada pela burguesia colonialista angolana e com suporte direto do regime racista da sul-africano. No segundo, a Frente de Libertação de Moçambique lutou por quase vinte anos com a Resistência Nacional Moçambicana em um quadro semelhante a Angola.

Ocorre que as guerras civis na África, fruto de uma divisão territorial que representou unicamente os interesses do imperialismo colonial europeu e dos interesses da guerra fria, aumentaram ainda mais os problemas de muitos países. Em Moçambique e em Angola, a tentativa de regimes socialistas não foram bem sucedidas, embora a experiência tenha sido válida. O que restou ao final de todo esse processo de dominação e resistência foi a tentativa de muitos países africanos buscarem algum grau de autonomia frente ao capitalismo global em sua forma neoliberal. Todavia cabe ressaltar que a África nunca aceitou a dominação de forma passiva, os massacres contra a população civil foram o reflexo de tentativas de resistência contra um invasor bem melhor armado e um território descentralizado onde para dominar um lado, o colonizador comprava o outro. Aliás como ainda é recorrente.

Crise Humanitária na África e o Drama dos Refugiados

No continente africano residem boa parte dos conflitos armados do mundo. Esses conflitos, por sua vez, geram uma enorme massa de refugiados que transitam entre as fronteiras, muitos deles percorrem de 4 a 6 países até encontrar refúgio. De acordo com os dados da Cruz Vermelha Internacional, de cada 6 crianças, uma vive em áreas de conflito. A pior situação dos refugiados é a dos que vivem nos campos sob confinamento. Nesses locais a carência é extrema o espaço é pequeno e a ajuda é demorada. No campo de refugiados de Maratane, região de Nampula, norte de Moçambique, a ACNUR-ONU dá 7 quilos de milho para cada pessoa. Essa é a única alimentação que chega. Para se comer algo diferente, ou se planta em uma terra extremamente árida, carente de água e de sementes ou se espera por alguma ajuda do terceiro setor. A fome e a sede é uma realidade cotidiana dos campos de refugiados, bem como todo o tipo de violação dos direitos humanos. Parte dessa responsabilidade é da ONU, parte dos governos locais, parte é da negligência da sociedade (que muitas vezes sequer sabe da existência dos fatos). O maior Campo de refugiados do mundo é no Quênia, Dadaab, com capacidade para 90 mil habitantes, hoje ele abriga cerca de 400 mil pessoas, em sua maioria somális. Na região de Lunda Norte, Angola, neste momento milhares de congoleses se amontoam na fronteira tentando entrar nos campos de refugiados de Dundo e Lovua. Ainda que a situação tenha se estabilizado em Lunda Norte, segue péssima, de acordo com relatos do Serviço Jesuíta para Refugiado, SJR.

É preciso entender o refugiado, sobretudo o africano, como um reflexo direto do entrelaçamento do capitalismo monopolista penetrado em economias de enclave e uma burguesia local que possui conflitos étnicos ou religiosos com outros grupos. Exemplo mais nítido disso foi o genocídio em Ruanda de 1994. Ruanda se tornou independente da Bélgica em 1962, mas durante o período colonial a Bélgica estimulou a divisão dos dois principais grupos étnicos do país: os hutus e os tutsis. Os tutsis eram a minoria, mas possuíam a maioria da riqueza, a criação de gado e o enclave do café. Em 1962, a maioria hutu toma o poder, expulsando dirigentes tutsis que retornam armados em 1993. Em 1994, estimulados pela principal rádio do país, hutus saem armados com o apoio de exército e a chancela do governo. Estima-se que de abril a julho de 1994 de 700 mil a um milhão de pessoas foram assassinadas. Cerca de 90% das mulheres da etnia tutsi foram estupradas, após o genocídio, milhares de crianças nascidas desses estupros foram brutalmente assassinadas.

Por conta dos interesses do capital monopolista em áreas de subdesenvolvimento extremo, uma massa humana é forçadamente deslocada de suas terras; mulheres chegam extenuadas com crianças subnutridas, muitas vezes seus maridos e filhos ficaram lutando ou morreram na guerra; alguns dos soldados têm 12 anos de idade ou até menos.

O aprofundamento da crise do capitalismo em sua fase neoliberal tende a aprofundar a fome e o desemprego. Desse modo, os conflitos tendem a se agudizar seja na forma de racismo, seja na forma de conflito religioso, seja de quaisquer outras formas. O medo e a insegurança despertará ainda mais o ódio.

De nossa parte, temos que seguir denunciando o imperialismo, mobilizando e politizando as pessoas. A África é um continente com inúmeras belezas, parte fundamental dessa beleza está em seu povo valente, simpático e que, às vezes de forma incompreensível a nós, demonstra uma forte esperança em futuro melhor nos sorrisos de homens, mulheres e crianças.

Viva a África, berço da humanidade!


Bibliografia

GENRO, Tarso – Moçambique Rumo ao Socialismo, ed. Movimento, 1982, Porto Alegre.

IANNI, Octávio – Escravidão e Racismo, ed. HUCITEC, 1978, São Paulo.

VISENTINE, Paulo Fagundes – As Revoluções Africanas, ed. UNESP, 2012, São Paulo.

Artigos

United Nations – https://news.un.org/pt/news/region/africa

Jesuit Refugee Service – https://jrs.net/stand-with-refugees/

Comitê Intenacional da Cruz Vermelha – https://www.icrc.org/pt/onde-o-cicv-atua/africa/republica-democratica-do-congo

Slave Voyages – http://www.slavevoyages.org/

Global Finance – www.gfmag.com/global-data/economic-data/richest-countries-in-the-world?page=5


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