Declaração da IV Internacional sobre a Nicarágua

Organização socialista sai em defesa do povo nicaraguense contra o governo de Ortega.

Diante da crise social e política da Nicarágua, solidariedade às demandas populares e contra a repressão orteguista!

A Revolução Popular Sandinista

A Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) nasceu como uma “organização vanguarda” com uma orientação anti-imperialista e revolucionária, quando estabeleceu em seu Programa Histórico (1969), “capaz da tomada do poder político (…) estabelecendo um sistema social que acabe com a exploração e pobreza que nosso povo tem sido submetido em sua história”.

Quando foi derrotada a ditadura de Somoza em julho de 1979, a FSLN contava com um amplo respaldo das maiorias sociais e tentou sentar as bases objetivas e subjetivas de um projeto revolucionário de caráter socialista, não sem grandes desafios a ser enfrentados num país de uma economia altamente dependente e uma profunda desestruturação social, sem mencionar a contrarrevolução que os Estados Unidos promoveriam nos anos 80 e que seria determinante nesta etapa do sandinismo. A Quarta Internacional imediatamente celebrou a derrubada de tal ditadura e implicou a fundo na solidariedade com o movimento revolucionário popular.

Conscientes de que as transformações econômicas e sociais seriam paulatinas, a FSLN impulsionou uma Junta de Governo de Reconstrução Nacional onde estavam representados o bloco sandinista e a burguersia. Proclamou-se assim que os princípios da revolução eram a economia mista, o pluralismo político e o não-alinhamento, como as estratégias necessárias no curto prazo.

No longo prazo, o Programa Histórico da FSLN seria o marco geral a ser desenvolvido, embora não realizado em sua totalidade, deixando dúvidas importantes em relação à emancipação das mulheres (em particular, deixando intactas as leis restritivas de aborto que só permitiam a interrupção da gravidez em caso de perigo de morte da gestante) ou as reivindicações do campesinato, assim como erros gravíssimos como o respeito à dívida externa contraída pelo somozismo e a aplicação de políticas monetaristas no final dos anos 80. Não obstante, a partir de 1988, os líderes sandinistas introduziram um ajuste estrutural que degradou as condições dos pobres sem afetar os mais ricos. Estas políticas se pareciam bastante com as condições que habitualmente impõe o FMI e o Banco Mundial, enquanto ao mesmo tempo, sob pressão de Washington, ambas as instituições suspenderam a ajuda às autoridades sandinistas. Tais políticas de ajuste foram muito criticadas por certas tendências no interior da FSLN, já que carregavam sobre as costas das classes populares o esforço do ajuste.

De todos os modos, o Programa incluía também a construção de um Governo Revolucionário que permitisse a plena participação de todo o povo, tanto a nível nacional quanto local, o respeito aos direitos humanos, a liberdade para organizar o movimento operário-sindical na cidade e no campo, liberdade para organizar agrupamentos campesinos, juvenis, estudantis, feministas, etc. Expropriram-se latifúndios, redistribuiu-se a terra e formaram-se sindicatos e associações camponesas. Também houve a nacionalização de fábricas, edifícios e demais ativos da oligarquia somozista.

Durante os onze anos seguintes, generalizou-se o ensino, abriu-se a universidade às classes populares, foram criados programas de assistência socia e pôs-se em marcha um sistema de saúde de caráter universal e outros serviços básicos e foram lançados os Comitês de Defesa Sandinista (CDS) para organizar a população dos bairros.

A FSLN também estabelecia uma política tributária justa, direitos laborais e justiça social histórica para a Costa Caribe, em razão da exploração e discriminação para com os povos indígenas originários. Tratava-se, pois, de um programa rumo ao socialismo que preparava as condições materiais para isso, com posições táticas e estratégicas que, apesar das dificuldades do contexto e da ameaça do imperialismo estadunidense, abria novas promessas de ruptura com o sistema hegemônico.

No entanto, a reforma agrária não foi suficientemente longe: as expropriações se centraram principalmente nos ativos da família Somoza e seus aliados, e salvaguardou os interesses dos principais grupos capitalistas e das famílias mais poderosas, que certos líderes sandinistas queriam converter em aliadas ou companheiras de viagem. Além disso, em lugar de dar prioridade às explorações pequenas e medianas, a FSLN rapidamente criou um setor agrário de cooperativas estatais, que não concordava com as atitudes da população rural, partes da qual foram atraídas pelos contrarrevolucionários da Contra.

A autoorganização e o controle operário não foram fomentados o suficiente. Parte da direção da FSLN havia sido formada em Cuba nos anos 60 e 70, a qual, sob a influência da URSS stalinizada, estava promovendo algumas organizações populares em marcos muito controlados e limitados. Como resultado disso, as massas não puderam participar plenamente de sua emancipação.

A traição ao Programa Histórico da FSLN e o estabelecimento de um regime corporativista autoritário

Quando a FSLN foi derrotada eleitoralmente em 1990, a nova situação internacional favoreceria a direita, a restauração capitalista na Europa Oriental deixou a Nicarágua sem aliados internacionais. Mas também começava a prevalecer certo desânimo pelo rumo que estava tomando o processo revolucionário. Nas bases sandinistas havial mal-estar pela burocratização e verticalismo da Direção Nacional da FSLN, quem elegia os membros dos CDS, cargos sindicais, quatros territoriais e mandos intermediários. Progressivamente, a ausência de democratização nestes órgãos levou ao desenvolvimento de uma direção sandinista burocratizada que gozava de privilégios que contrastavam com a realidade das grandes maiorias que faziam sacrifícios econômicos e sociais em nome da revolução.

Quando os principais comandantes da Direção Nacional, cargos públicos e quadros médios se apoderaram de terras, cafezais, mansões, fazendas, automóveis e outras propriedades do Estado – que a revolução recuperou em nome das grandes maiorias, no que popularmente ficou conhecido como “la piñata”-, este mal-estar se aprofundaria. Os argumentos apresentados pelo comando era o de evitar que o inimigo se apropriasse do que tanto sangue havia custado, mas isso não foi suficiente para explicar para a população o enriquecimento pessoal da então incipiente burguesia sandinista.

Posteriormente, sob Daniel Ortega, a FSLN adotou uma atitude que oscilava entre o compromisso e a confrontação ante o governo da União Nacional Opositora (UNO) de Violeta Chamorro. O Diretório Nacional da FSLN, controlado majoritariamente pela corrente Esquerda Democrática de Daniel Ortega, apoiava as lutas contra as privatizações, por um lado, enquanto a Assembleia Nacional apoiava o governo de Chamorro que as levava cabo, por outro lado.

No final dos anos 90, Ortega pactuou com o Partido Liberal Constitucionalista (PLC) de Arnoldo Alemán, que era presidente desde 1997, numa sorte de coexistência com a direita mais conservadora e corrupta. Estas eram “amizades perigosas” para um projeto revolucionário. No entanto, foram muito benéficas para a FSLN de Daniel Ortega e para o PLC de Alemán, que haviam obtido distintos ganhos com tais pactos. Isso se comprovou com o apoio a Ortega por parte do PLC ante a denúncia de abuso sexual de sua enteada Zoilamérica Narváez. E, anos mais tarde, quando a Alemán, que havia sido sentenciado a 20 anos de cadeia pela corrupção galopante de seu governo, foi permitido que cumprisse a pena sob prisão domiciliar graças aos homens que Ortega havia colocado no poder judicial, até que o Tribunal Supremo anulou a pena em 2009 durante a presidência de Ortega.

A reforma da Lei eleitoral do ano 2000, promovida por deputados sandinistas e liberais também foi outro produto do pacto Ortega-Alemán. A reforma permitiu que a presidência e vice-presidência da República fosse obtida com um mínimo de 35% e que superaram aos candidatos do segundo turno por uma diferença de cinco pontos percentuais. Esta Lei Eleitoral permitiu a Daniel Ortega, que carecia de apoio eleitoral suficiente desde 1990, ser eleito em 2006 com 38,07% dos votos.

Estando na oposição, o grupo parlamentar sandinista votou em 2006, em acordo com os deputados conservadores, uma lei que proíbe totalmente o aborto. Fizeram isso como parte do pacto com a direita que lhes permitiu voltar à presidência da república no final de 2006. E foi sob a presidência de Daniel Ortega- que se negou a revogar a lei – quando tal proibição foi incluída no novo código penal que entrou em vigor em 2008. Essa proibição não permite nenhuma exceção, nem sequer quando a saúde ou a vida da gestante correr perigo, ou quando a gravidez for resultado de um estupro.

Este movimento acompanhou o progresso experimentado na consolidação de outras amizades perigosas: desta vez, com um antigo adversário da FSLN, o Cardeal Miguel Obando y Bravo, a quem Ortega reincorporou à vida pública como Presidente da Comissão de Reconciliação, Paz e Justiça, uma instância que velaria pelo cumprimento dos acordos com os desmobilizados de guerra. Aqui se iniciaria outra relação de favores entre a FSLN de Ortega e os poderes fáticos. A fim de ganhar os votos dos conservadores, Daniel Ortega casou-se com Rosario Murillo na Igreja antes das eleições de novembro de 2006, com o Cardeal Obando oficializando o ato.

Também foi a partir do regresso de Ortega ao governo que a FSLN formalizou os acordos com a COSEP, estabelecendo uma aliança entre estes dois setores, apresentada como um espaço de concertação tripartite, entre governo, o setor privados e os sindicatos. No entanto, a participação dos sindicatos seria testemunhal, já que foram cooptados pelos interesses do partido da FSLN, ou seja, dos Ortega-Murillo, como evidenciaram os posicionamentos da Central Sandinista de Trabalhadores (CST) em casos de lutas dos trabalhadores frente a grandes empresários, como a família Pellas, ou ante os acordos sobre o salário mínimo. Assim, pouco a pouco, desde a formulação de leis até as negociações salariais, a economia política nicaraguense estaria a serviço dos interesses do grande capital nacional. Entretanto, um pacto desta natureza não pode ficar restrito ao grande capital nacional, pois sua própria dinâmica leva ao capital transnacional, em particular à indústria extrativista e, sobretudo, à megamineração. Em tudo isso, subjaz a lógica neoliberal imperante na região: a canalização de recursos públicos para investimentos privados, a externalização e privatização de serviços, isenções e benefícios fiscais para o capital, etc.

O Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos foi adotado em 22005. Se o grupo parlamentar da FSLN, então na oposição, votou contra sua ratificação em outubro de 2005, logo depois em 2006, os parlamentares da FSLN apoiaram uma série de leis que permitiam confirmar as condições impostas pelos EUA. Além disso, uma vez no poder a partir de 2007, o governo de Daniel Ortega não tentou em absoluto derrubar este acordo de livre comércio com a superpotência estadunidense. Isso constituiu um giro a mais na orientação da FSLN pois, anteriormente, havia acusado ao governo do presidente Enrique Bolaños de submeter a Nicarágua aos interesses econômicos de Washington. Outros tratados de livre comércio foram aprovados com o apoio da FSLN: um tratado com Taiwan (que entrou em vigor em 2008), algo que concerne a América Central com o México (2011) e outro entre a América Central e a União Europeia (2012).

Em 2006, a Nicarágua era beneficiária de uma alívio da dívida no marco da Iniciativa de Países Pobres Altamente Endividados – o FMI cancelou 206 milhões de dólares da dívida nicaraguense. Quando Ortega retornou ao governo em 2007, o programa do FMI já havia terminado e o Fundo não viu necessidade alguma de assinar outro, já que considerava sustentável a dívida da Nicarágua. O governo Ortega insistiu, entretanto, na implementação de um novo programa com o objetivo de atrair investidores estrangeiros. Finalmente, o FMI aceitou, pedindo ao governo que aprofundasse as políticas neoliberais levadas a cabo pela direita e que aplicasse uma austeridade fiscal com o fim de obter um superávit fiscal primário.

Consequentemente, as instituições de Bretton Woods não têm nada a reprovar o governo nicaraguense. O FMI constata “o êxito que teve a Nicarágua em manter a estabilidade macroeconômica” (março de 2016). Na última visita de seu pessoal técnico (fevereiro de 2018), este organismo declarou que “o resultado econômico de 2017 estava acima das expectativas e que a perspectiva para 2018 era favorável”. No que respeita ao Banco Mundial, elegeu o momento preciso de abril de 2018, quando o governo Ortega acabava de anunciar medidas neoliberais em relação à Seguridade Social, para lhe felicitar por suas acertadas políticas econômicas. Em outras palavras, Nicarágua funcionou dentro das diretrizes que estes organismos impõem à região.

Tudo isso foi possível com um controle majoritário da Assembleia por parte da FSLN. Além disso, em novembro de 2013, Ortega introduziu uma iniciativa de Lei de Reforma Constitucional, na qual se incluía a proposta de eleger o presidente com “maioria relativa” dos votos, independentemente da porcentagem alcançada, e permitir a reeleição presidencial indefinida. Atualmente, a FSLN de Ortega tem o controle absoluto da Assembleia, com 71 deputados de um total de 92.

Porém, restam duas grandes traições da FSLN a seu Programa Histórico que precisam ser mencionadas. A primeira é a desmobilização e destruição do tecido organizativo de base e dos grandes movimentos sociais, cooptados em sua maioria pelo regime. Isto se dá através de um controle em distintos níveis, desde o normativo legal, com a eliminação da eleição pela subscrição popular e pelo controle exercido através dos Conselho do Poder Cidadão (CPC), formas verticais de organização que perseguem o controle dos cidadãos para os propósitos de poder do casal presidencial.

A outra traição é aos direitos humanos das mulheres que, com a proibição total do aborto, a reforma da lei de violência machista, a perseguição ao movimento feminista crítico ao regime, a impunidade frente a anos de abuso sexual a Zoilaamérica, etc., está questionando todo o sistema político e social levantado em torno do Orteguismo. Em 2012, depois de uma importante campanha das organizações de base de mulheres que remonta à época da revolução, a Nicarágua introduziu a Lei 779 que atua contra a violência de gênero. Em particular, eliminou o requisito anterior de mediação nos casos de abuso. Esta disposição foi o resultado de uma campanha progressista, mas houve também uma campanha reacionária contra si, impulsionada pela hierarquia católica, que a qualificou de “anti-família”. Isto resultou em que lei fosse seriamente debilitada pela emenda que reintroduzia a mediação obrigatória 15 meses depois de que fosse aprovada pela primeira vez, sem resistência alguma por parte da FSLN.

Frentes de luta feminista e de base operário-campesina. A repressão estatal como resposta.

Chegados a este ponto, está demonstrado que o Programa Histórico da FSLN, comprometido com os direitos e igualdade entre as pessoas, é contraditório com a deriva tomada pelo Orteguismo. Dentro de todas as frentes abertas de luta, foram os movimentos de mulheres, críticos ao governo, que não deram trégua na denúncia sobre as mudanças na lei 779, que reduz os feminicídios ao âmbito das relações de casais heterossexuais ou que inclui a mediação com agressores como mecanismo de resolução de conflitos. Ou seja, a lei foi vilipendiada, como o são os corpos das mulheres nicaraguenses expostos a estas leis ou manifestando-se nas ruas por seus direitos.

Outras frentes se localizam na luta contra o extrativismo e há distintos exemplos dos conflitos entre a acumulação de capital e sustentabilidade da vida mesma, derivado da incompatibilidade que o extrativismo tem como motor de um desenvolvimento que não beneficia as grandes maiorias, nem as comunidades que sofrem seus efeitos negativos, como se viu em Rancho Grande ou Mina El Limón. Em ambos os casos, ante a organização comunitária e a mobilização, a resposta foi a repressão. O mesmo se sucede com projetos mineradores, hidrelétricos e de agronegócios.

Mas, de todos estes projetos que são uma ameaça para as comunidades e o meio ambiente, há um que teve uma mobilização generalizada, nacional e internacionalmente que Ortega não pôde ocultar: trata-se da construção de um canal inter-oceânico que propõe dividir em dois o país e a região, desde o Mar do Caribe até o Oceano Pacífico, atravessando o Oceano Pacífico, atravessando o Lago Cocibolca, principal reserva de água doce da América Central. Neste caso, a resposta tem sido a perseguição, repressão estigmatização dos movimentos sociais.

À vista de tudo isso, o Governo, que serve os interesses do capital privado (seja o da propriedade capitalista local “tradicional”, burocrática ou estrangeira), não só atua reprimindo o povo em favor das transnacionais, mas que também é cúmplice da destruição do meio ambiente culpado de violações generalizadas dos direitos humanos.

Abril de 2018 e a mobilização popular contra o regime: o orteguismo cruza o Rubicão.

Onze anos se passaram desde o regresso de Ortega ao governo, um tempo no qual se acumulou suficiente descontentamento social como para que dois acontecimentos detonassem a explosão de abril de 2018: a inação do Governo frente ao incêndio da Reserva de Índio Maíz e a proposta de reforma do Instituto Nicaraguense de Seguridade Social (INSS). Esta reforma cortaria o montante das pensões em 5%, limitaria a indexação das pensões em relação com a taxa de inflação e introduzido cortes nas pensões futuras de aproximadamente um milhão de assalariados que poderiam chegar a alcançar 13%.

A explosão social se refletiu na mobilização nas ruas de várias cidades nicaraguenses e fez colocar o olhar da comunidade internacional na Nicarágua e o descontentamento popular contra o regime.

Em 18 de abril, as manifestações e protestos surgiram espontaneamente e de forma pacífica em cidades de referência, como León ou Manágua e foram imediatamente repelidas de forma violenta por parte do Governo. Distintos informes dos DDHH referem-se a grupos organizados pró-governamentais ou “forças de choque” recrutados desde as Juventudes Sandinistas, além de polícias antidistúrbios. Este uso desproporcional da violência alimentou os protestos e as mobilizações de 19 de abril através dos chamados “autoconvocados”: trata-se de jovens, estudantes, trabalhadores, etc., que organizaram tomadas de ruas e cidades através dos “trancamentos” e que pouco a pouco foram se estendendo pelo país a cidades como Masaya, Granada, Matagalpa, Rivas e Estelí, somando a outros coletivos e movimentos. Desde esse dia, o governo de Ortega-Murillo continuou com a repressão policial e militar e, em especial, com a atuação de grupos paramilitares, que dispararam indiscriminadamante contra a população. Tais grupos estão mascarados, fortemente armados e operam com total impunidade, a plena luz do dia e junto às forças policiais. Isso põe de relevo que atuam com total acrodo do regime.

Em 22 de abril, dada a grande participação nas manifestações, Ortega cancelou a reforma do INSS. Em 24 de abril, o Governo acedeu a iniciar um Dialógo Nacional com um grupo de manifestantes e outros atores sob a Alianza Cívica pela Justiça e Democracia, composto por organizações da sociedade civil, estudantes, campesinato e inclusive o setor empresarial, e com a Igreja Católica como mediadora, com o objetivo de resolver o conflito. Então, os movimentos sociais já tinham claro suas demandas para estabelecer o diálogo: não haveria negociação sem o cessamento da repressão, a garantia de justiça e reparação pelos manifestantes assassinados nos dias anteriores e a saída da dupla Ortega-Murillo do poder, como um objetivo que não era negociável. Desde a demanda dos movimentos sociais se tratava, pois, de negociar uma transição pós-Ortega. Não obstante, depois da insistência sobre estes pontos, o Governo decidiu suspender a mesa de diálogo. Para a mobilização social, continuar a negociação nesse contexto tivesse significado um reforço do Orteguismo e seu regime repressivo.

Ao mesmo tempo, se deu uma rápida resposta das instituições do Estado para legitimar a repressão, por exemplo, com a promulgação da Lei Antiterrorista, que criminaliza e persegue perfis específicos de líderes dos movimentos sociais. Milhares de pessoas exiladas e mais de 400 pessoas mortas dão conta do ponto sem retorno no qual derivou o regime, que inclusive chegou a expulsar organismos nacionais e internacionais de direitos humanos, inclusive a própria ONU. Depois do uso massivo do terror para reprimir e intimidar a população, o governo recuperou o controle das ruas em meados de julho. Desde então, várias centenas de pessoas, tachadas de “terroristas” pelo governo, foram presas e seguem na cárcer, sem que fossem respeitados seus direitos – não se permite às associações de direitos humanos se aproximar das prisões, nem aos advogados de alguns dos detidos. Alugns deles foram intimidados e torturados para que forçar falsas confissões confirmariam a afirmação de que o governo enfrenta um complô para ser derrotado pela força.

Como resultado da repressão, amplos setores da população foram suficientemente infimidados como para não tomar parte em manifestações de rua. Entretanto, foram organizadas muitas manifestações, mas não reuniram tantos participantes como em abril de 2018. Foram organizadas e sua diversidade é ampla: Articulação de Movimentos Sociais e Organizações da Sociedade Civil, Aliança Cívica pela Justiça e pela Democracia, Movimentos estudantis, Movimentos 19 de Abril (por todo o território nacional), organizações de base comunitária, Mães de Abril, Comitês de Presos Políticos, Movimentos de Mulheres e redes feministas, coletivos LGBTQI, Universidade, sindicatos e associações gremiais independentes… Mas há um consenso em que Ortega e Murillo deixem o Governo e a necessidade de reconstruir o sandinismo sem Ortega.

Mas todas estas organizações também são contrárias às ingerências externas que buscam uma saída ao conflito para conseguir um “Orteguismo sem Ortega”; ou seja, a manutenção de uma estrutura clientelista que salvaguarde os interesses econômicos do capital nacional e transnacional. Daí que um dos principais desafios atuais de todos os movimentos, seja o debate e os consensos dessa transição, seja o roteiro e quais atores como o COSEP, atualmente chave para a saída de Ortega-Murillo, não suponha uma ameaça para um projeto social e econômico emancipador.

Neste ponto sem retorno, o regime se aproveita da retórica antiimperialista para apresentar uma tentativa de “golpe de Estado brando” como se deu em outros países da região. O antiimperialismo ortodoxo atual fica reduzido a um panorama útil para se legitimar na esfera internacional, mas que reduz a ingerências externas um conflito com profundas e complexas raízes na realidade nacional. Internamente, beneficia somente a um grupo de pessoas o suficientemente privilegiadas como para não sofrer os piores reflexos do regime que construíram na Nicarágua.

Mas Ortega e seus seguidores não podem provar esta suposta tentativa de golpe de Estado. A maior parte das manifestações não utilizaram métodos terroristas. O governo não pode provar a implicação de mercenários estrangeiros. Nenhum setor do exército foi denunciado por Ortega por apoiar a ideia de um golpe e, em última análise, o exército se manteve do lado do regime até o momento.

Ante os fatos aqui expostos, é simplesmente falacioso buscar as equivalências de golpes de Estado brandos no caso da Nicarágua. É igualmente irresponsável defender que as mobilizações atuais se reduzam a feitos vandálicos de alguns grupos, ou que os direitos humanos, e em especial das mulheres, sejam objetos de negociação ou moedas de troca para qualquer sociedade. Ainda menos se cabe para uma sociedade que um dia aspiramos construir como esquerda revolucionária. Também é falacioso apresentar o governo de Ortega como um governo socialista ou de esquerda, dadas as políticas implementadas durante estes últimos onze anos a favor do capital – como mostra o apoio do FMI, do Banco Mundial e do grande capital a Ortega, assim como o apoio de potências capitalistas, o imperialismo dos EUA inclusive, até que a repressão se tornou bastante forte a ponto de seguir apoiando publicamente o regime. Nenhum povo tem que se conformar com menos que as aspirações mais nobres de liberdades, democracia, justiça social e direitos humanos que tenha alcançado, neste caso, sintetizados nos ideais sandinistas. A lógica do mal menor acaba sendo o caminho mais curto em direção ao mal maior!

Por tudo isso, a IV Internacional, que se localizou desde o princípio junto à solidariedade com a Revolução Sandinista, não duvida em apoiar os setores de esquerda e democráticos da resistência, a rebelição e o poder popular contra o atual regime orteguista e em se solidarizar com os setores que lutam por refundar um sandinismo anticapitalista, democrático e respeitoso dos direitos humanos que seja capaz de desembaraçar-se do despostismo neoliberal e repressivo que está esmagando as classes populares nicaraguenses.

Abaixo a repressão dos movimentos populares nicaraguenses! Libertação imediata dos presos políticos!

Pelos direitos das mulheres! Aborto legal já!

Abaixo o regime corrupto de Ortega-Murillo!

Contra qualquer tipo de interferência imperialista nos assuntos internos da Nicarágua! Pelo direito do povo da Nicarágua, América Central e além de tomar seu destino em suas próprias mãos!

Pela refundação sandinista! Rumo a uma alternativa ecossocialista ao modelo extrativista exportados e o sistema capitalista, que implica uma ruptura que requer o maior grau de democracia e auto-organização!

Articularemos estas reivindicações numa campanha internacional de solidariedade com as vítimas da repressão na Nicarágua.

Bureau Executivo da IV Internacional

28 de outubro de 2018
Amsterdã

Reprodução da tradução publicada pelo Portal da Esquerda em Movimento


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