Governo Doria, racismo e a importância do 20 de novembro

A saída para a segurança pública, para uma sociedade mais justa e igualitária passa obrigatoriamente por desmontar o racismo estrutural. Por construirmos uma sociedade socialmente justa, em que a vida humana seja prioridade.

Mônica Seixas 17 nov 2018, 15:49

Depois de um ano e três meses à frente da prefeitura do município de São Paulo, João Agripino Doria chega ao Governo do Estado — com sua aspiração à presidência da república frustrada em um jogo sujo de poder que incluiu traição a seu padrinho político Geraldo Alckmin, o projeto catastrófico da ração humana, a tentativa de emplacar a reforma da previdência dos servidores (SAMPAPREV) e o pacote de privatizações que mais configurou um aval para empresários comprarem o patrimônio público da cidade a preço de banana.

O prefeito, que iniciou sua gestão se auto intitulando “João Trabalhador”, mostrou que a passagem pela prefeitura se tratava de um trampolim para sua carreira política. Sua péssima “gestão” à frente da capital lhe custou altos índices de rejeição entre os paulistanos, o que fez com que no município de São Paulo Doria terminasse a eleição quase 17% atrás do seu oponente, Marcio França.

Infelizmente, o coronelismo e conservadorismo dos interiores, somados à influência do PSDB nessas regiões e a uma associação artificial e oportunista de Doria a Bolsonaro, muito pautada numa agenda política de ataque às liberdades e aos direitos, conseguiram elegê-lo para o Governo do Estado, dando uma sobrevida ao lobista bilionário na política.

Em grande parte, as eleições de 2018 foram marcadas pelo discurso de ódio e pelo preconceito. É nesse cenário que Doria encontra no governo Bolsonaro uma base para o avanço de seu projeto de “tolerância zero” na segurança pública. Coerentemente com isso, o governador eleito recém-anunciou para ocupar a Secretaria de Segurança Pública do Governo do Estado o general João Camilo Pires de Campos, alegando que sob sua gestão “a polícia vai atirar para matar”, como isso já não fosse uma infeliz realidade nas periferias.

Hoje São Paulo está entre os estados com a maior proporção de mortes por policiais sobre o total de crimes violentos, e pesquisas sobre segurança pública nos mostram que a polícia que mais mata é também a que mais morre, apesar de policiais e vítimas terem a mesma origem social.

Essa postura do Poder Público sinaliza a intensificação da guerra aos pobres e, sobretudo, aos negros, no Estado de São Paulo. Não podemos ignorar que a maioria dos policiais, pelos baixos salários recebidos, pertencem às camadas mais baixas da sociedade, assim como os infratores. Às vezes moram no mesmo bairro. E entre os que morrem vítimas da violência do Estado, que não sabe lidar com as violências sociais (as exclusões ao consumo, a fome, o desemprego a cultura do estupro ou a drogadição), a esmagadora maioria é de pessoas negras e jovens, cerca de três vezes mais do que qualquer outro perfil nos índices.

O novo governador, fanático das privatizações apoiadas em ilegalidades aberrantes, também convidou para a Secretaria de Justiça o desembargador Paulo Dimas, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo que estará incumbido de estreitar as relações entre Executivo e Judiciário. Vale lembrar que se aproximam tempos de ainda maior criminalização dos movimentos sociais. Além disso, essa indicação é especialmente preocupante tendo em vista a proposta de Doria de privatizar e entregar a administração penitenciária à iniciativa privada, ponto de encontro entre sua política liberal na economia e autoritária na administração social.

As iniciativas de Doria estão intimamente conectadas ao extermínio do povo negro, historicamente criminalizado, assassinato ou esquecido nas celas do Estado. No país que criminaliza a pobreza, que encarcera a juventude negra e onde um jovem negro é morto a cada 23 minutos, a sinalização de avanço do policiamento ostensivo e de privatização dos presídios promete ampliar a violência social, colocando os negros na mira desse confronto.

Outro ponto de encontro entre a política conservadora e autoritária de Doria e o racismo se dá no campo da educação. Ao defender, ao lado dos fãs de Bolsonaro, o projeto “Escola sem Partido”, na prática é feita uma defesa do que podemos chamar de “Escola com Racismo”.

Sabemos que entre os avanços conquistados no último período pela comunidade negra, uma parte deles está no campo da educação, seja no acesso a ela, com as cotas, ou no conteúdo do ensino, com a conquista do direito à nossa memória com a lei que prevê o ensino da história e cultura afro-brasileira, africana e indígena nas escolas, lei que ainda precisaria ser devidamente implementada.

O cerceamento do pensamento crítico, do contraditório, das diferentes interpretações dos fatos históricos e sociais é a agenda da retomada do silenciamento que pretende nos levar de volta ao esquecimento e à marginalidade.

Estamos a 8 meses da morte de Marielle Franco e até agora não temos nenhuma palavra do poder público sobre quem matou ou mandou matá-la. Ela, que denunciava a violência policial, foi vítima do Estado racista e genocida Brasileiro. Qualquer governante que reproduza essa lógica acaba sendo conivente com esse e todos os crimes que diariamente assassinam o povo negro.

Tentaram calar Marielle, pois achavam que essa seria uma forma de calar a todos nós, mas enquanto a maior parte da população encarcerada for negra, enquanto as taxas de feminicídios continuar a crescer entre mulheres negras, enquanto a nossa cultura for criminalizada e invisibilizada, enquanto continuarmos a ocupar subempregos e nossos corpos forem objeto de lucro para este Estado racista, não nos calaremos!

A branquitude parece ter chegado ao limite do que está disposta a negociar e isso se expressa no resultado dessas eleições. Mas resistência é nosso sobrenome. Resistimos até aqui.

A saída para a segurança pública, para uma sociedade mais justa e igualitária passa obrigatoriamente por desmontar o racismo estrutural. Por construirmos uma sociedade socialmente justa, em que a vida humana seja prioridade.

Por isso no dia 20/11, às 13h no vão do MASP em São Paulo, estaremos todas e todos juntos na XV Marcha da Consciência Negra.

Por justiça para Marielle, pelo direito a viver com dignidade, sermos respeitados e realmente livres.

Link do evento: https://www.facebook.com/events/726627521047572/


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