Reforma da previdência: projeto de Bolsonaro é mais cruel do que se esperava

A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) analisa a proposta de reforma da previdência do governo Bolsonaro.

Sâmia Bomfim 20 fev 2019, 20:27

Em meio à grave crise das laranjas deflagrada por Gustavo Bebianno e Jair Bolsonaro, o Presidente da República apresentou hoje a sua proposta de Reforma da Previdência ao Congresso Nacional. A inépcia de Bolsonaro para governar é tão surpreendente quanto a crueldade da proposta. Além da criação da idade mínima e do aumento do tempo de contribuição, a reforma é especialmente draconiana com professores, trabalhadores rurais e com o funcionalismo público. Mas o aspecto que mais explicita a crueldade da medida são as novas exigências para o recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a pessoas com deficiência e idosos em condição de pobreza extrema, além dos cortes nas aposentadorias por invalidez. Em outras palavras, os mais pobres serão os mais prejudicados. Chamou a atenção também o fato de que os militares, que ocupam oito gabinetes na Esplanada dos Ministérios, a princípio ficaram de fora da proposta, ao contrário do que prometia o governo. Já o regime de capitalização – a mais grave ameaça à Previdência Social – ainda não foi formalizado, mas segue presente nos anúncios do governo. As centrais sindicais já iniciaram o processo de mobilização para resistir a esse retrocesso. A classe trabalhadora deve entrar em cena para imprimir esta derrota crucial ao governo.

Idade Mínima e Tempo de Contribuição

A Reforma da Previdência prevê criar uma idade mínima para aposentadoria de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. Além disso, seria criado um “gatilho” que permitiria, a partir de 2024, aumentar essa faixa a cada quatro anos na razão proporcional ao aumento da expectativa de vida média da população. Entretanto, a expectativa de vida média da população, usada como argumento para a criação da idade mínima, ignora as desigualdades de nosso país que fazem com que os mais pobres tenham expectativa de vida menor do que a média da população. Em Parelheiros, bairro da periferia de São Paulo, por exemplo, a expectativa de vida da população não ultrapassa os 60 anos. Isso significa que, de acordo com as novas regras da Previdência, as pessoas dessa região teriam que trabalhar até morrer.

Para os professores, a idade mínima seria de 60 anos, ou seja, igual para homens e mulheres, e com tempo de contribuição mínimo de 30 anos para ambos, o que significa um aumento de 5 anos no tempo de contribuição para mulheres. A idade mínima para trabalhadores rurais também seria igual entre homens e mulheres: 60 anos. A proposta também prevê aumentar o tempo de contribuição dos trabalhadores rurais de 15 para 20 anos, igualando-os aos trabalhadores urbanos apesar do caráter extenuante de seu trabalho.

Além disso, a reforma aumenta a exigência sobre o tempo de contribuição para que se possa usufruir da aposentadoria integral (respeitado o teto do INSS) e diminui o valor dos benefícios. O tempo de contribuição mínimo de 20 anos daria acesso a apenas 60% da aposentadoria. A cada ano a mais de contribuição, o beneficiário teria direito a mais 2%. Portanto, só teria acesso pleno à aposentadoria aquele que contribuísse por no mínimo 40 anos! Para piorar, o valor das aposentadorias seria menor do que o atual pois seria calculado a partir da média dos rendimentos durante 100% do tempo de contribuição e não apenas sobre a média dos 80% dos rendimentos mais altos, como ocorre hoje em dia. A mesma regra se aplica a aqueles que se aposentam por invalidez. Ou seja, aquele que se aposentar após ter sofrido um acidente, por exemplo, poderá passar a viver apenas com 60% do que ganhava anteriormente – em outras palavras, terá seu rendimento diminuído quase pela metade justamente no momento em que passa maior dificuldade. 

Para os funcionários públicos, há a previsão de confisco salarial generalizado como ocorreu em São Paulo com a criação do Sampaprev. Os entes federativos que alegarem déficit financeiro e atuarial deverão aumentar a alíquota de contribuição do servidor para no mínimo 14% em no máximo 180 dias.

Os mais pobres serão os mais prejudicados

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é um salário mínimo pago pela Seguridade Social a idosos (pessoas com mais de 65 anos) e deficientes em situação de miséria, ou seja, cuja renda familiar per capta não supere ¼ de salário mínimo.Bolsonaro quer elevar em 5 anos a idade necessária para se receber o BPC no caso dos idosos. Entre os 60 e os 70 anos, o idoso receberia apenas R$ 400. Além disso, mais um critério seria criado para que o idoso possa ser considerado em condição de miséria: seu patrimônio não pode ultrapassar R$ 98 mil. Ou seja, aquele senhor ou senhora que foi abandonado pela família, trabalhou a vida toda na informalidade e não pôde contribuir, e hoje vive numa pequena casinha de cômodo único de sua propriedade, poderá perder seu sustento. 

Já o abono do PIS/PASEP é uma espécie de 13º pago aos que ganham até 2 salários mínimos. Bolsonaro quer reduzir esta faixa concedendo o benefício apenas a aqueles que ganham até um salário mínimo. Além disso, o benefício passaria a valer apenas para aqueles que trabalham com carteira assinada há pelo menos 5 anos e não seria pago aos beneficiários do BPC.

A reforma exclui também a possibilidade de se acumular benefícios – como aposentadoria e pensão por morte, por exemplo. O beneficiário poderia reter100% apenas do benefício de maior valor. Dos demais ficaria apenas com uma proporção limitada a dois salários mínimos.

Para piorar, há a Medida Provisória 871. De acordo com o governo, ela visa “combater as fraudes” do sistema cancelando benefícios especiais (como aposentadoria por invalidez) que seriam indevidos. Mas, na verdade, ela representa uma verdadeira caçada aos portadores desses direitos. Servidores do INSS estão sendo coagidos pelo governo a cortar o máximo de benefícios possível, numa corrida produtivista para ver quem retira mais direitos. 

Existe déficit da Previdência?

Há anos todos os principais veículos de imprensa repetem cotidianamente que a Previdência Social é uma espécie de cupinzeiro que cresce desenfreadamente corroendo o orçamento do Estado brasileiro. Como a mentira que é repetida muitas vezes torna-se verdade, até o mais consciente dos trabalhadores pode começar a se perguntar: “será que não é a hora de fazer um sacrifício?” Não. O suposto déficit da Previdência é calculado por meio de uma distorção dos dados do orçamento brasileiro e de uma compreensão convenientemente equivocada da essência do nosso sistema de seguridade social.

A Previdência Social no Brasil baseia-se no princípio da solidariedade. A geração atual (os ativos) contribui para que a geração passada (inativos) receba seus benefícios, assim como poderá contar que as gerações futuras garantam suas aposentadorias. Da mesma forma, mesmo aqueles que permaneceram longos períodos (ou até mesmo a vida toda) no desemprego ou informalidade – e que, portanto, não puderam contribuir para o sistema – possuem a garantia de que receberão o mínimo para sobreviver quando se aposentarem. Além disso, a Previdência Social compõe, junto com a Saúde e a Assistência Social, o sistema de Seguridade Social. O fundamento básico desse sistema é garantir que todo brasileiro ou brasileira esteja protegido contra qualquer infortúnio social (seja a velhice ou algum acidente, por exemplo). Este é um dever do Estado cumprido por meio dos vários impostos que pagamos, inclusive, mas não apenas, a alíquota do INSS. Em um país tão marcado pela desigualdade, miséria, desemprego e informalidade, este é o único sistema capaz de garantir o mínimo de dignidade a todos.

Durante anos, o Orçamento da Seguridade Social foi superavitário. Portanto, nossa Previdência Social não é, por essência, deficitária. A queda desse orçamento nos últimos anos deve-se ao ritmo lento da economia e principalmente ao aumento da informalidade (o que tende a se agravar com a Reforma Trabalhista). Mas, na verdade, mesmo o conceito de “déficit” é estranho ao nosso sistema. Esse termo faz parte do vocabulário de contabilidade das empresas privadas. Mas, como já foi explicado, eles possuem naturezas completamente distinta uma vez que, como explicado, a Previdência é baseada no princípio da solidariedade. É de se supor que, considerando a alta taxa de informalidade e pobreza da população brasileira, o benefício dos inativos supere a contribuição dos ativos sendo necessário o aporte do Estado que provém de outras fontes de arrecadação. Caso esse degrau seja alto demais, deve-se mirar no aumento da arrecadação por meio da geração de empregos formais, não no corte dos direitos dos inativos pois isso compromete a garantia de sua dignidade.

O que o governo pretende fazer em seguida, após estraçalhar a Previdência Social, é substitui-la pelo regime de capitalização, em que cada trabalhador individual faz uma pequena poupança em um banco privado para que possa usufrui-la quando se aposentar. Em um país como o Brasil, em que a maioria das pessoas mal recebe o suficiente para seu sustento, que dirá para poupar, a adoção do regime de capitalização seria desastroso. Soma-se a isso a volatilidade do mercado financeiro, em que bolhas de bilhões em investimentos podem se tornar vento da noite para o dia, e têm-se uma combinação explosiva.

Derrotar a Reforma da Previdência é a tarefa prioritária dos trabalhadores brasileiros atualmente. Se vencermos, colocaremos por terra o projeto mais ambicioso do governo ultra reacionário de Bolsonaro. Todos os esforços de nosso mandato estarão empenhados nessa luta.


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