O Haiti segue em convulsão

Já há sete mortos nos confrontos de rua, além de estradas fechadas e bloqueios em bairros e favelas da capital Porto Príncipe.

Gilvandro Antunes e Israel Dutra 5 mar 2019, 16:43

Enquanto os olhares do mundo se voltavam para o cerco intervencionista do Imperialismo na Venezuela, a imprensa tem noticiado que há uma nova convulsão social no Haiti. Relatos da France-presse dão conta de que já há sete mortos nos confrontos de rua, além de estradas fechadas e bloqueios em bairros e favelas da capital Porto Príncipe. O motivo central dos protestos é a corrupção envolvendo o desvio de dinheiro do programa Petrocaribe, acordo entre Haiti e Venezuela para abastecimento de petróleo subsidiado ao país centro-americano. Os protestos levaram o governo a ter que cancelar o carnaval, marcado para primeira semana de março, em Gonaives.

O alvo dos protestos é o presidente Jovenel Moise, eleito a dois anos. Dados da oposição falam em um desvio de U$ 2 bilhões em um país onde 60% da população vive abaixo da linha da pobreza. Outro elemento forte da crise política que vive o Estado haitiano é o encarecimento do custo de vida. Com uma inflação ascendente de 15%, há uma pressão para uma grande valorização do dólar o que, por sua vez, causa terrível impacto em um país que importa quase tudo o que necessita. Mas quem são os atores que estão na linha de frente contra o governo Moise? Após duas décadas de forte instabilidade política, isto inclui o período de ocupação militar da ONU sob a batuta brasileira,nos anos Lula, não é tão fácil identificar todos os grupos políticos de forma tão nítida. Importante ressaltar que tal ocupação foi um laboratório para a nova política que repressiva chegou à intervenção militar no Rio de Janeiro.

Seus programas são um tanto quanto indefinidos e suas alianças frágeis refletem a conturbação geral em que vive o Haiti. Os informes de quem está no local, sobretudo brasileiros ligados a ONGs, falam que há grupos armados ligados à oposição, há os grupos armados chamados de Bases, que controlam parte de Porto Príncipe, sobretudo as favelas, e estudantes. Mas a verdade é que desde o dia 07 de fevereiro milhares de pessoas vem tomando as ruas da capital, exigindo a renúncia imediata do presidente e de seus ministros. Os protestos mais violentos arrefeceram, mas as mobilizações tendem a voltar à medida que a escalada inflacionária que resulta na subida de preços de bens de primeira necessidade tende a se agravar. Além disso, a crise na Venezuela tende a diminuir os subsídios sobre o fornecimento de petróleo, encarecendo os combustíveis e pressionando ainda mais os preços para cima. A fragilidade da economia haitiana é um misto entre crise e sua extrema dependência externa; 20% do orçamento é composto por ajudas provenientes do exterior e 25% do PIB por remessas de haitianos que vivem fora do país. Tentativas substanciais de mudança desse quadro esbarram na postura do governo de Jovenel Moise, uma vez que este não dá indícios de que vá tomar um tipo de conduta radicalmente diferente em relação à administração do país, mantendo o Haiti numa espiral de dependência, corrupção e miséria. Todavia, no dia 18 de fevereiro, o governo foi obrigado a recuar parcialmente apontando, em discurso de seu porta voz na televisão, para a investigação da corrupção no programa Petrocaribe, redução dos gastos com a equipe de governo (leia-se mordomias dos políticos ligados ao presidente) e aumento do salário mínimo. Caberá ao povo haitiano seguir mobilizado para garantir a efetivação dessas promessas. Mas acima de tudo seguir mobilizado para que sua luta evolua para a defesa de um programa popular que tire o Haiti da miséria, da corrupção e da dependência externa.

A questão é que o Haiti tem passado por convulsões sociais ao longo de sua história. As mobilizações mais recentes se deram em 1986 com a derrubada da ditadura de 30 anos dos Duvalier, primeiro com Papa Doc e depois com o seu filho Baby Doc. Em 1990 o povo haitiano elegeu o padre progressista Bertrand Aristides que um depois foi derrubado por um golpe militar. Aristides voltou em 1994 e depois se reelegeu em 2001. Entretanto, em seu segundo mandato, Aristides fez um governo antipopular, corrupto e repressivo, abortando qualquer retomada da luta por um Haiti livre e com desenvolvimento autônomo. O fim do governo Aristide foi marcado por uma forte instabilidade econômica e política, onde o país foi basicamente dominado por grupos armados que agiam de forma violenta em um misto de atitudes de gangues e paramilitares. Isso foi um prato cheio para uma intervenção militar liderada pelos Estados Unido e a França que depois transferiam para a ONU a intervenção sob a coordenação brasileira.

Em 2010, o país passou por um forte terremoto que vitimou 200 mil pessoas e destruiu a pouca infraestrutura reconstruída após anos de conturbação. Tudo isso agravou ainda mais a dependência externa e a incertezas quanto ao futuro do Haiti. Outra questão é o questionável papel desempenhado por diversas ONGs em solo haitiano, para se ter um exemplo, só 20% das doações levantadas pelas ONGs após o terremoto de 2010 havia sido aplicado imediatamente e 80% ficaram em bancos norte-americanos rendendo juros, cerca de US$ 600 milhões. Em 2017, cerca de 300 ONGs foram proibidas de atuar no Haiti.

Por fim, o povo haitiano segue se mobilizando contra a corrupção e a miséria. As pessoas de lá sabem que seu futuro será desastroso nas mãos da casta política que rapina o país e sabe também que muitas ONGs enriquecem com a pobreza do seu povo. Em que pese a situação que muitas vezes parece caótica o povo haitiano tem em suas raízes a coragem de escravos que se tornaram revolucionários vitoriosos na luta pela independência o que, de forma mais do que legítima, lhes rendeu o nome de Jacobinos Negros na obra de C. L. R. James.


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