One of us: AOC e a política de quem não teme vencer

Documentário “Virando a Mesa do Poder”, da Netflix, apresenta os bastidores das campanhas de quatro mulheres progressistas ao Congresso dos Estados Unidos em 2018.

Isaque Castella 14 maio 2019, 14:37

Vencedor do prêmio do público na competição de documentários estadunidenses no Festival de Sundance, realizado no início do ano, Knock Down the House, da diretora Rachel Lears, tem como fio condutor a trajetória pré-eleitoral da ex-garçonete Alexandria Ocasio-Cortez. Candidata pelo 14º Distrito de Nova York à Câmara dos Representantes dos EUA, ela surpreendeu a todos ao derrotar o veterano Joseph Crowley, desafiado nas prévias democratas pela primeira vez em 14 anos, e, em seguida, se tornar a mais jovem deputada a ocupar o cargo.

AOC, todavia, não estava sozinha navegando contra a corrente. Sua campanha foi parte de um projeto coletivo, que abarcava outras jovens lideranças progressistas por todo o país, sobretudo femininas, como Amy Vilela, de Nevada, Cori Bush, pelo Missouri, e Paula Jean, na Vírgina Ocidental, cujos percursos são acompanhados pelo documentário. O desejo de enfrentar a poderosa elite política do partido Democrata as conectava. Preocupadas menos com as dicotomias esquerda vs. direita, Democratas vs. Republicanos, essas figuras se propuseram a representar as pessoas comuns diante da velha política, dos grandes interesses corporativos e do poder do dinheiro sobre a vida da cidadania.

No contexto do coração do capitalismo mundial, a ousadia de enfrentar Wall Street, encabeçada inicialmente pelo movimento em torno da candidatura de Bernie Sanders à Presidência, logo rendeu aos novos candidatos antissistêmicos rótulos bastante característicos do período de “caça às bruxas” nos EUA, no auge da Guerra Fria, conhecido como Macarthismo.

Entretanto, nada disso foi suficiente para abalar a coragem da nova geração de representantes políticos. Em uma fala do filme, Vilela chega a dizer que a repercussão de sua candidatura implicou na tentativa de seus oponentes de descredenciá-la. “Marxista” foi um dos termos que mais ouviu durante a campanha, sem sequer saber o que isso de fato significa.

Infelizmente, AOC foi a única das protagonistas a obter o êxito eleitoral, o que ela própria considerava improvável em face da pesquisa isolada existente, a qual colocava seu adversário 30 pontos à frente. A surpresa de Ocasio ao vencer as prévias conseguiu superar a de seus apoiadores, aos quais ela só não queria decepcionar. A cena da comemoração do resultado em um bar é uma das mais marcantes de “Virando a Mesa do Poder”, quando a representante do Bronx fica paralisada diante da tela com a transmissão de sua vitória.

Com pautas e propostas bem definidas, aliadas à natural simpatia e à firmeza de suas colocações, a jovem política rapidamente se converteu em um fenômeno para além das fronteiras estadunidenses. Já considerada por muitos como uma das mulheres mais influentes do nosso tempo, AOC precisa ser inspiração para nós, progressistas, também no contexto brasileiro.

A falta de um projeto claro e inovador, enquanto uma das principais mazelas contemporâneas do campo das esquerdas no Brasil, tem sido responsável pelo atraso de qualquer experiência mais radicalmente democrática. Diferentemente do que ocorre com muitas de nossas candidaturas mais promissoras, dispostas apenas a demarcar um campo progressista em um cenário de prevalência do neoliberalismo, Ocasio-Cortez esclarecia, a todo tempo, e concretizava, na prática, o seu sentimento no sentido de que não tinha ingressado na disputa com objetivo outro que não o de ganhar.

Se o panfleto de seu concorrente democrata só falava genericamente do combate ao governo de Donald Trump, a quem citava por inúmeras vezes, AOC se apresentava ao eleitorado com uma agenda propositiva e de materialização do enfrentamento necessário. Respondendo à saída dos EUA do Acordo do Clima de Paris, ela propunha um programa energético-ambiental calcado no mote da energia 100% renovável. Hoje em dia, se destaca com o que chama de Green New Deal, seu carro-chefe na atuação parlamentar.

Em um debate televisivo com Crowley, retratado pelo documentário, Alexandria questiona o oponente quando este não apresenta claramente o que fazer com relação ao que chama de advento do “fascismo” no país. Com uma oratória privilegiada e espontânea, a novata colocou a demagogia do veterano contra a parede. Se fazendo entender de modo imediato, AOC conquistou os eleitores pela rapidez com que oferecia soluções e comentava assuntos que o “protocolo” geralmente imposto aos candidatos nos EUA não permitia.

É preciso tomarmos o exemplo de Ocasio e de novas lideranças políticas integrantes do que alguns têm chamado de “nova esquerda”. Talvez essa seja a forma a partir da qual seja possível promovermos novamente o encantamento das pessoas com a política, que esteja a serviço das demandas dos cidadãos comuns, atrelada aos anseios de uma nova geração de lutadoras e lutadores que reivindica mais participação e mais proteção social. Diante do desmonte neoliberal dirigido às políticas do bem-estar, mais do que resistir, sempre à reboque do campo pseudo-liberal-conservador, temos a necessidade de perdermos o medo de vencer.


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