Breves considerações sobre o que parece ser o maior escândalo democrático-institucional do Brasil pós-88

Isaque Castella comenta as revelações de The Intercept.

Isaque Castella 12 jun 2019, 15:33

Diante da gravidade dos fatos veiculados peloTheIntercept, envolvendo procuradores da república e um ex-magistrado, no âmbito da conhecida Operação Lava Jato, a última coisa da qual o campo democrático eprogressista no país precisa é alimentar suas rusgas internas. O momento pede a mais ampla unidade e as mobilizações do dia 14 precisam contestar integralmente o atual governo.

No último domingo (09), reportagens do TheIntercept divulgaram ao grande público mensagens secretas da Lava Jato, sinalizando possível relação promíscua entre integrantes do Ministério Público Federal e o ex-juiz federal Moro na condução de ações penais da supramencionada operação. Em face dessas revelações, faz-se mister destacar que:

1) Aprofunda-se a crise das instituições democráticas no Brasil

Se a legitimidade dos Poderes constituídos e, em especial, do Executivo e do Legislativo, têm sido colocada em xeque diante de episódios recentes da conjuntura política brasileira – como um processo impeachment com bases jurídicas frágeis, uma escalada de violência política, a divulgação de enormes esquemas de macrocriminalidade entre agentes públicos e atores da iniciativa privada –agora também o Judiciário passa a ser protagonista na novela da crise institucional, bem como uma instituição essencial ao Estado Democrático, a saber, o Ministério Público.

Defendo que não se trata de uma crise da democracia em si, mas a de um modelo democrático liberal-estatal-representativo, cujas bases parecem estar se corroendo em todo o mundo, haja vista o descompasso, ou o que a ciência política espanhola tem chamado de desafección, entre os titulares da soberania popular, aqueles que os representam e as instituições ditas democráticas.

2) É necessária uma ampla investigação dos fatos trazidos à tona pelos documentos divulgados, com o pedido de afastamento dos envolvidos dos cargos públicos que ocupam

Para garantir a independência e a seriedade das investigações, o Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, deve deixar seu cargo, de modo que a Polícia Federal, instituição submetida ao ministério ocupado por ele, possa exercer suas atribuições legais investigativas sem qualquer suspeita. Do mesmo modo, os procuradores federais precisam se afastar do exercício de suas funções. Frisa-se que somente após o devido processo legal e com a observância dos direitos fundamentais, deve-se formar juízo final de valor.

3As eleições de 2018 parecem ter sido maculadas pelas ilegalidades do processo (que deve ser anulado) que resultou em condenação criminal, responsável, em momento posterior, pela retirada de um dos principais candidatos do pleito

É público e notório que Luiz Inácio Lula da Silva, condenado pelo juiz Moro no âmbito da Lava Jato, tendo sua sentença confirmada pelos desembargadores do TRF-4, e, portanto, impedido de concorrer às eleições pelas restrições da Lei da Ficha Limpa, despontava como principal candidato à Presidência da República para o pleito de 2018. Ainda não parece republicano que o juiz responsável por sua condenação tenha, posteriormente à eleição do concorrente Jair Bolsonaro (PSL), assumido um ministério nesse governo. Ademais, é fato que Bolsonaro se beneficiou de uma operação policial e judicial questionável para ascender ao poder, o que levanta todas as dúvidas sobre a legitimidade do processo eleitoral.

4) O escândalo revelado por TheIntercept enfraquece a legítima luta contra a corrupção, em lato sensuno Brasil

Defender o enfrentamento à macrocriminalidade deve ser uma bandeira de todo cidadão comprometido com o interesse público e de todos os partidos no espectro ideológico, independentemente de suas filiações. Infelizmente, a desmoralização da Lava Jato poderá nos conduzir a um déficit democrático, uma vez que, em que pese a existência de arbitrariedades e ilegalidades, essa operação, que se desdobra em diversos âmbitos, foi responsável, pela primeira vez na história do país, a desvendar os esquemas ilícitos de criminosos do colarinho branco, os quais sequestram a coisa pública para o atendimento de seus interesses privados. Não se pode deixar de reivindicar a importância da condenação de Eduardo Cunha e de outras figuras políticas graúdas do Rio de Janeiro.

5Os progressistas brasileiros não podem cair na armadilha de instaurar a verdadeira “caça às bruxas” em suas fileiras diante da janela de oportunidade política aberta contra os adversários reais

Chega a ser absurda a forma como figuras públicas da esquerda brasileira, coerentes e firmes na necessária luta contra a corrupção, têm sido ilegítima e desproporcionalmente atacadas por posicionamentos distorcidos. Foram vários aqueles que defenderam que a Lava Jato deveria ir até o fim, doesse a quem doesse, sem seletividade e preferência partidária, desnudando todos os esquemas ilícitos envolvendo agentes públicos e privados. Assim se posicionaram o próprio Lula, Fernando Haddad (candidato do PT à Presidência em 2018 e ex-prefeito de São Paulo), Chico Alencar (ex-deputado federal do PSOL) e também Luciana Genro (fundadora do PSOL e candidata à Presidência em 2014). 

Contudo, é incômodo perceber que apenas a última tem sido alvos de ataques machistas e das mais completas deturpações justamente por aqueles que se dizem comprometidos com a democracia e a igualdade. A deputada gaúcha, assim como a grande maioria dos brasileiros, “confiou” que as instituições democráticas e seus agentes, assim como determina a Constituição, agiam regularmente em suas atribuições, sem, todavia, depositar qualquer espécie de confiança absoluta e mitológica nos indivíduos em si propriamente envolvidos na Operação Lava Jato. Comemorou, de fato, quando notórios corruptos foram presos após processos criminais embassados em provas cabais. Nunca foi a favor ou fechou os olhos para quaisquer abusos ou irregularidades na condução das investigações e das ações penais.

6) 14 de junho é dia de lutar contra o governo de Bolsonaro em sua integralidade

Inicialmente convocado como uma greve geral em defesa da educação (sofrendo com os absurdos cortes) e contra a Reforma da Previdência de Guedes, a qual ataca, sobretudo, os direitos dos mais vulneráveis sem qualquer debate amplo com a sociedade e, notadamente, com os setores mais atingidos, o dia 14 também precisa ser momento de contestação à própria deturpação democrática que levou Bolsonaro à Presidência da República. 

Além da denúncia à sua política econômica e educacional, deve-se exigir a imediata exoneração do ministro Moro. O apontamento do caráter antidemocrático e ilegítimo do governo também é urgente!

Em suma, precisam ser reivindicações dos setores democráticos e progressistas no próximo período:

– Abaixo os cortes na educação;

– Abaixo a Reforma da Previdência de Guedes e Bolsonaro;

– Justiça para a vereadora Marielle Franco: quem matou e quem mandou matar Marielle e Anderson?

– Ampla investigação dos procuradores federais e do ex-juiz Moro pelos documentos divulgados pelo The Intercept, com a saída destes dos cargos que ocupam;

– Lula Livre;

– Basta de corrupção!


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Pedro Micussi