Ernest Mandel e a Quarta Internacional
Uma reconstrução histórica da relação do teórico belga com o movimento socialista internacional.
“Eu tinha quinze anos quando fui formalmente admitido. E era um momento interessante, pouco depois da conferência de fundação da Quarta Internacional” (Ernest Mandel)
Ernest Mandel nasceu em 1923, na Bélgica, filho de um dirigente sindical socialista. Incorporou-se muito jovem ao movimento revolucionário, praticamente com o início da Segunda Guerra Mundial, o que para ele, implicava num duplo risco, pois era de origem judaica, e a Bélgica foi um dos primeiros países a ser invadido pelos nazistas.
Ainda adolescente, se incorporou à seção belga da IV Internacional. Mandel foi aprisionado pelas tropas nazistas e enviado a um campo de concentração, do qual conseguiu escapar durante a Segunda Guerra Mundial.
Mandel participou da reorganização da IV Internacional na Europa no período final da Segunda Guerra. No segundo Congresso Mundial da IV Internacional , em 1948, coube a ele a redação de alguns documentos em que os países da Europa Oriental, ocupado pelas tropas russas e nos quais o capital havia sido expropriado, eram caracterizados como “ Estados operários deformados” , o que provocou fortes debates e a saída de alguns setores, como os grupos inglês de Tony Cliff, e a atual “Lutte Ouviére”, de Arlette Laguillier.
No III Congresso Mundial, em 1951 , o principal dirigente da IV, Michel Pablo, impôs a concepção de burocracia soviética como “um fato revolucionário objetivo”, prevendo a iminência de uma Terceira Guerra Mundial entre a URSS e o Imperialismo na qual caberia os trotskistas apoiá-la.
Apesar de Mandel ter apresentado um documento sobre o stalinismo, a chamada “10 teses”, afirmando que este só poderia ser revolucionário nacionalmente, por exemplo, na Europa Oriental, não internacionalmente, alinhou-se à fração pablista majoritária. Sua posição centrista, o levou a isso, cuja vitória provocou a crise e a dispersão da IV Internacional a partir de 1953, dando início a uma sistemática de cisões.
Nos anos seguintes, Mandel se destacaria como o principal teórico e dirigente dessa corrente, que adotaria sucessivamente os nomes de Secretariado Internacional e, a partir de 1963, Secretariado Unificado da IV Internacional.
Foi responsável pela teorização de um novo período de desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, ou o chamado neocapitalismo, e pela política de apoio e formação de grupos foquistas na América Latina, o que levaria o SU a fracassos espetaculares com a ruidosa desfiliação do PRT-ERP argentino do SU em 1973.
Após a greve geral francesa de maio e junho de 1968, Mandel foi proibido de ingressar em território Frances durante vários anos. As mesmas medidas foram adotadas pelos governos dos EUA, Austrália, Suíça, as Alemanha Federal e Oriental: Mandel , como dirigente trotskista mais conhecido mundialmente, simbolizava aos olhos da burguesia imperialista e da burocracia stalinista, o perigo de que a onda revolucionária de 1968 e sua crise em consequência, a crise conjunta do imperialismo e do stalinismo desaguasse na construção e potencialização do partido mundial da revolução socialista: a IV Internacional.
Ernest Mandel foi não somente o principal ou um dos principais teóricos da Quarta Internacional, mas também um dos maiores economistas marxistas da segunda metade do Século XX. Pensador e militante, durante toda a sua vida não deixou de associar estreitamente a teoria e prática, a reflexão e a ação revolucionária. Além de seus trabalhos científicos e teóricos, ou suas intervenções políticas imediatas. Mandel também escrevia trabalhos de caráter educacional, com um estilo muito claro, simples e pedagógico.
Na Bélgica , Mandel e a fração troskista foram expulsos do Partido Socialista Belga , onde realizavam um experiência “ entrista” desde o início da década de 1950, como produto das resoluções do III Congresso Mundial da IV Internacional, fundando então o Partido Socialista Operário da Bélgica , que continuou publicando o conhecido jornal La Gauche.
Mandel se desempenhou durante longo tempo como assessor da central sindical belga, e também como professor de economia, tendo sido diretor do Centro de Estudos Políticos da Universidade Livre de Bruxelas.
Definindo prioridades
Mandel, esteve no Brasil no mês de maio de 1993, a convite da Unesp e participou de uma série de atividades, entre elas, um debate promovido pela CUT/São Paulo, onde proferiu uma palestra no sindicato dos bancários, tratando de um tema sobre as alternativas políticas e econômicas naquele período, um ano antes das eleições presidenciais de 1994, no qual Lula, perde para FHC no primeiro turno a partir do advento do Plano Real.
Essa palestra proferida por Mandel, tratou de um tema “ Definindo prioridades” , que vinte e seis anos depois continua importante! Na verdade um programa mínimo, se aplicado naquele período. Porém, com a chegada de Lula e da Frente Brasil Popular ao governo do Brasil em 2002, este programa não foi aplicado.
O PT estabeleceu um governo de conciliação de classes, com alianças espúrias no Congresso Nacional com uma direita corrupta e fisiológica para obter maioria dos votos na Câmara e no Senado.
Com a crise econômica de 2008, que teve como epicentro os dez maiores conglomerados financeiro e produtivo dos EUA, tais como( Lehman Brothers, o Washington Mutual, o Thornburg Mortage, a General Motors e a Crysler) que foram varridos do mapa como parte do processo de liquidação de capital fictício sem precedentes na história.
Uma crise econômica em escala mundial que derrubou todas as bolsas de valores do mundo. Crise essa que Lula chamou de marolinha. Mas que chega ao Brasil tendo seu epicentro em junho de 2013.
Que aprofundou a recessão e juntamente com as denuncias de corrupção pela operação lava-jato, contra o Lula e o PT as chamadas pedaladas fiscais levou a queda de Dilma Rousseff, e ao golpe encabeçado por Temer.
Com a profunda recessão que levou a mais de 13 milhões de desempregados, esta proposta apresentada por Mandel em 1993, hoje fica ainda mais distante da realidade, a partir de mudança de regime e da eleição de Bolsonaro.
Se não vejamos:
“Vamos agora descrever o que implica esta alternativa econômica e social. Vou focalizar o problema de forma muito concreta, não utilizando nenhuma fórmula ideológica. Estamos discutindo sobre comida, saúde, casa e não ideologia ou retórica.
O primeiro aspecto tem a ver com a formulação dos objetivos, pois esta opção de organização econômica significa e que as massas populares determinarão, através de mecanismos democráticos, as prioridades para a utilização dos recursos relativamente escassos. Mas conhecendo a reação de assalariados, camponeses pobres, mulheres, ou ecologistas, a pouca probabilidade na grande maioria dos países de que objetivos totalmente diferentes daqueles que vou enumerar sejam, escolhidos pelo povo. Quais vão ser os objetivos prioritários mais prováveis?
Primeiro, eliminar a fome. Hoje calcula-se que existam no mundo quase um bilhão de pessoas passando fome.
O segundo objetivo é dar casas com um mínimo de conforto, para todas as pessoas. Essa é uma tarefa titânica aqui no Brasil, que implica em eliminar as favelas e condições desumanas em que vive grande parte da população das grandes cidades.
Terceira prioridade: garantir saúde a todos de maneira igual e sem pagar. Não se pode excluir ninguém, pois as conseqüências serão desastrosas para toda a humanidade. Novas epidemias estão se desenvolvendo e podem infectar uma boa parte da humanidade, nas próximas décadas se esta questão não for resolvida.
A quarta prioridade é a eliminação do analfabetismo. Esta é um pré-condição absoluta para os demais objetivos; não se pode resolver um problema complexo de reorganização industrial ou econômica se a grande maioria dos homens e mulheres não um nível de cultura mínimo.
Quinta prioridade: dar terra a todos os camponeses que não a tem. Isto está intimamente vinculado à primeira prioridade, porque não é verdade que há muita gente no mundo e não temos possibilidade de dar comida a todos. A possibilidade de resolução da fome tem como condição que todos aqueles que desejam trabalhar a terra, possa fazê-lo livremente, com dedicação, com iniciativa, não trabalhando para o latifundiário.
Sexta prioridade: eliminar a violência, a repressão massiva contra as camadas populares, contra os camponeses que ocupam terra, contra os operários que fazem greve, contra gentes que faz manifestações nas ruas sem armas.
Finalmente, a sétima prioridade: eliminar totalmente o desemprego sem redução de salários. Isso exige, uma redução importante na duração da jornada de trabalho.
Temos, pois, uma série de prioridades. É possível acrescentar uma ou outra como assegurar transporte público com conforto e regularidade ou lutar contra a deterioração do meio ambiente. A questão é estabelecermos 5,6,7,8 prioridades, mas não cem, pois isto implicaria em não se ter nenhuma prioridade. E eu não sei de nenhum caso no mundo em que a maioria dos trabalhadores dirá que é mais importante construir edifícios de luxo do que acabar com a fome. É pouco provável que as pessoas digam isso.
Não é suficiente fazer a lista das prioridades. Isso ainda é muito abstrato. Temos que precisá-las de modo muito concreto em cada país, de acordo com suas características.
Aqui no Brasil, pode-se fazer este trabalho de definição de prioridades e de planejamento de programas um ano e meio antes que o companheiro Lula, seja eleito, e não depois. Teríamos um governo com planos preparados de antemão e que pode começar a colocá-los em prática desde o primeiro dia de sua posse. Um governo que priorize o atendimento das necessidades mais urgentes dos milhões de trabalhadores, camponeses e pobres do país. Isto é, digamos, o primeiro aspecto da política econômica alternativa” ( Ernest Mandel)
Neste artigo de Mandel analisa a dimensão internacional sobre conjuntura nos países da América Latina, e do mundo, caso no Brasil este programa fosse aplicado pelo PT e a FBP:
“A dimensão internacional: – Há um mito que afirma que os EUA controlam toda a economia e a política mundiais. Isso é absolutamente falso. Há muitas contradições entre as burguesias; muitos setores da economia mundial não são controlados pelos EUA. Concretamente um governo de esquerda num país como o Brasil terá possibilidades de negociar e obter recursos no resto do mundo explorando de forma consciente as contradições interimperialistas em escala mundial.
Evidentemente, a oposição a um governo de esquerda, mesmo muito moderado, será internacional. Acredito que se formará uma grande coalizão das forças conservadoras do mundo para impedir que neste país nasça uma solução que conteste a inevitabilidade do domínio do mercado. Mas existem no mundo formidáveis aliados potenciais. Vamos tomar dois elementos importantes nesta discussão: a luta contra a fome e a luta contra o desemprego. Se um governo de esquerda dirige-se aos sindicatos europeus para dizer: “nós estamos a curto prazo acabando com o desemprego. Vocês concordam com isso? Vocês concordam que nosso governo deva ser perseguido por isso? Vocês também não querem acabar com o desemprego?”, o eco dessa luta não será zero. Imaginem vocês se um governo de esquerda no Brasil se dirigir a todos países da América Latina, da África, da Ásia e disser aos habitantes desses países: “ nós estamos eliminando a fome a curto prazo, vocês concordam que nosso país seja sacrificado por causa disso? Vocês não desejam colaborar conosco neste esforço? E a resposta será na minha opinião, moderadamente positiva.
Haverá pressões, fortes pressões, mas o Brasil não é a Nicarágua. O Brasil é um grande poder industrial e econômico . Apesar de ser um país do Terceiro Mundo, o Brasil tem como oferecer aos trabalhadores e camponeses pobres do mundo, especialmente com um programa de emergência como o que nós expusemos aqui. Se o governo brasileiro disser: nós não temos que ser castigados por eliminarmos a fome e o desemprego, isso teria repercussões. Se isso for verdade, terá um eco formidável no mundo. A classe trabalhadora internacional pode estar cética sobre a necessidade do socialismo, mas não é cética sobre a necessidade de eliminar a fome e o desemprego. Isso interessa a centena de milhões de pessoas. Eu não sou contra o discurso ideológico, a educação política. Ela é necessária. Mas o essencial não é a educação política, nem a retórica, mas a realização prática”. (Ernest Mandel) “
Falar de Mandel, é necessário, falar um pouco da Quarta Internacional segundo o que escreveu Michael Lowy, sociólogo, nascido no Brasil e formado na Universidade de São Paulo. Atualmente é diretor de pesquisas emérito do CNRS (Centre National de La Recherche Scientifique) de Paris, autor de várias obras publicadas no Brasil e dirigente da IV Internacional:
“A Quarta Internacional foi fundada em 1938, numa reunião clandestina não muito longe de Paris, por iniciativa de Leon Trotsky (nesta época exilado no México) e seus companheiros. Participaram deste encontro histórico militantes de vários países e continentes, entre os quais um brasileiro: Mário Pedrosa.”
No texto escrito para a Revista Socialismo ou Barbárie, às portas do século XXI, Manifesto Programático da IV Internacional, publicada no Brasil pelos Cadernos de Em Tempo da Democracia Socialista, Michael Löwy, introduz o texto: “O que é e para que serve a Quarta Internacional?
Neste texto histórico Löwy, explica o que a Quarta Internacional não é, e elenca quatro pontos:
- Não é uma corrente que pretende ter o monopólio da verdade ou o dom da infalibilidade. Reconhece ter cometido erros, busca corrigi-los e aprender de outras tradições e experiências – ao mesmo tempo em que acredita na sua capacidade de aportar uma contribuição importante e mesmo única: a experiência acumulada de mais de 50 anos de internacionalismo, a memória coletiva de um século e meio contra o capitalismo e o imperialismo.
- Não é uma seita de pentecostais que responde a todos os problemas que responde a todos os problemas atuais com citações da Sagrada Escritura de Lenin ou Trotsky. Ao contrário, acredita na necessidade de enriquecer o pensamento e a ação marxista-revolucionária com os aportes da ecologia, do feminismo e de muitos outros movimentos sociais – que exigem, sem dúvida, importantes revisões no acervo tradicional do movimento operário e na própria teoria marxista. E busca integrar em sua reflexão as críticas da Rosa Luxemburgo aos bolcheviques, ou as análises da Escola de Frankfurt sobre a modernidade.
- Não é um “partido mundial” verticalmente centralizado, sob a direção de um Birô Político Internacional habilitado a ditar a cada seção nacional a suta tática e a sua estratégia. Na realidade funciona de maneira bastante (talvez mesmo excessivamente) descentralizado, com ampla autonomia local, e unificada mais por um certo consenso democrático que por uma disciplina orgânica rígida.
- Não é uma organização que pensa se transformar, por simples credenciamento e expansão, em uma Internacional Revolucionária de Massas.
Löwy, ainda neste texto/programa, explicita claramente para que serve a Quarta Internacional neste fim de século XX? , e insiste:
“Se acreditamos que os grandes problemas da humanidade em nossa época – a ameaça da catástrofe ecológica, a crise econômica mundial, a dívida do ‘terceiro mundo’,a reconstrução da Europa Oriental – exigem respostas planetárias, em oposição radical a lógica do sistema capitalista, é evidente que necessitamos, hoje mais do que nunca, de um centro mundial de reflexão e de ação desse tipo.
Dizemos ‘reflexão e ação’ porque os dois são, do ponto de vista marxista, inseparáveis: uma teoria desvinculada da práxis,da experiência ativa do combate político e social,é incapaz de responder aos desafios da realidade.”
Ao contrário da III Internacional que foi um exemplo único na história de uma Internacional revolucionária com influência de massas voltada para ação revolucionária, segundo Löwy, as forças da Quarta Internacional, são limitadas e seus recursos são poucos, mas nem por isso ela deixa de ser um vetor precioso e insubstituível no resgate e na renovação do arsenal marxista revolucionário, como um elo frágil, mas dinâmico, entre o passado e o futuro da democracia socialista.
Mandel um expoente do Secretariado Unificado da IV Internacional!
“ 1936 foi um momento foi um momento crítico para mim e meu pai. Duas coisas aconteceram ao mesmo tempo, a Guerra Civil Espanhola e os processos de Moscou.” (Ernest Mandel)
Ernest Mandel , judeu,marxista, comunista e trotskysta como ele mesmo expressava seu ativismo e sua profissão de fé, inicia muito novo com quinze anos seu ativismo político na casa de seu pai, na clandestinidade, pouco depois da conferência de fundação da IV Internacional.
Em entrevista realizada em 1979 para revista inglesa New Left Review por Tarik Ali , republicada depois de sua morte. Um ano depois da , em 1995,Em Tempo, o homenageia com este momento em que ele, descontraidamente, falou sobre sua juventude. Mandel revela ao entrevistador:
“Tarik Ali: Sua militância política teve início quando a guerra começou?
Mandel : Muito antes disso. 1936 foi um ano crítico para mim e meu pai. Duas coisas aconteceram ao mesmo tempo , a Guerra Civil Espanhola e os processos de Moscou . O movimento operário em Antuérpia e na Bélgica jogou um papel muito importante. A Guerra Civil Espanhola desencadeou uma tremenda onde de solidariedade. Eu lembro bem das manifestações de Primeiro de Maio de 1937. Havia talvez cem mil pessoas nas ruas, e as pessoas voltando das Brigadas Internacionais na Espanha e coletando dinheiro. Eles foram recebidos com uma ovação que eu nunca vou esquecer. Antes da Campanha de Solidariedade ao Vietnã, foi o maior evento internacional que nós já tivemos na Bélgica. Então houve os processos de Moscou, que foram um tremendo choque para meu pai. Ele tinha conhecido pessoalmente vários os réus do primeiro julgamento do Comintern. Radek era um dos principais réus do segundo julgamento. Meu pai ficou mais furioso do que é possível descrever, e imediatamente organizou um comitê de solidariedade aos acusados dos processos de Moscou. Ele entrou em contato com um pequeno grupo trotskyista de Antuérpia. Eles se reuniam em nossa casa e eu me tornei, aos treze anos,um simpatizante troskyista – não um membro por que nossa organização não podia admitir uma criança de treze anos em suas fileiras. Mas eu estava presente às reuniões,ouvindo, e era considerado um jovem brilhante, então eles não se opunham a que eu ouvisse. Eu tinha quinze anos quando fui formalmente admitido. E era um momento interessante porque isso foi pouco depois da conferência de fundação da Quarta Internacional.”
Tarik Ali – Quando foi isso?
Mandel – 1938. A Liga Socialista da Juventude dos Estados Unidos, a organização jovem do SWP, enviou um homem chamado Nettie Gould para s falar sobre a conferência de fundação. Ele viajou por vários países da Europa Ocidental, para dar um informe sobre a conferência de fundação e explicar o trabalho do SWP. Ele veioa a Antuérpia e à nossa casa. Eu acho que foi depois dessa reunião que eu fui admitido como aspirante. Havia então um certo vácuo, provavelmente o período mais difícil em nosso país. Em 1939 todos tinham certeza de que a guerra iria eclodir. Nós estávamos muito isolados. Distribuímos um panfleto nas ruas principais de Antuérpia – não era um modo inteligente de atuar, por causa do clima.”
O inicio do ativismo Revolucionário
Foram nessas circunstâncias que Ernest Mandel ainda muito jovem inicia o seu ativismo: Guerra Cilvil Espanhola, os Processos de Moscou , a ascensão de Hilter e a eclosão da Segunda Guerra Mundial.
Os processos de Moscou, pode ser considerado uma das maiores monstruosidades de Stalin para aplastar toda a velha guarda Bolchevique que juntamente com Lênin, fizeram a maior revolução operária e camponesa da história da humanidade.
Através de três processos foram julgados e condenados os principais dirigentes da Revolução Russa de 1917. Todos que ameaçavam a liderança de Stalin, foram acusados de traidores da revolução e consequentemente de contra-revolucionários. Trotsky, que estava no exílio, foi condenado à morte como “agente do imperialismo”.
Uma campanha de ataques e calúnias se iniciou contra aqueles que apoiavam Trotsky. Os processos de Moscou, uma farsa repugnante levaram aos bancos dos réus em 1936, os líderes Zinoviev, Kamenev, Smirnov além de mais dez dirigentes que foram “julgados”, condenados e assassinados.
Os segundo e terceiro processos em 1937 e 1938, condenou à morte os líderes Bukharin, Rikov e outros dirigentes bolcheviques. Entre o segundo e terceiro processo, serão fuzilados o marechal Tukhachevsky e mais sete generais do Exército Vermelho. Esse massacre paralelo aos “Processos” abrangeu todos os antigos opositores e suas famílias, 90% dos quadros superiores do Exército Vermelho,todos os dirigentes da polícia política antes de Ekhov,a maioria dos comunistas estrangeiros refugiados na URSS emigrados .
Os dirigentes do movimento pró- IV Internacional foram alvos centrais da perseguição Stalinista. Em fevereiro de 1937, Leon Sedov com 29 anos, o filho mais velho de Trotsky, foi internado em Paris para uma cirurgia de apendicite e morre em circunstâncias misteriosas,depois de operado por um médico russo. Alguns meses depois em julho, Erwin Wolf, que tinha sido secretário de Trotsky na Noruega, foi seqüestrado e morto em Barcelona. A poucas semanas antes da Conferência de Fundação da IV, em julho de 1938, Rudolf Klement, secretário do birô Internacional , foi assassinado em Paris.
Contra o Nazismo e o Stalinismo
“Fui preso pela primeira vez,consegui escapar da prisão. Fui capturado uma segunda vez em que fui pego fui levado para a Alemanha” (Ernest Mandel)
Na entrevista histórica de Tarik Ali com Mandel, na New Left Review o dirigente da SU IV Internacional, relata como foram os momentos da ascensão do nazismo e o assassinato de Trotsky por Ramom Mercader a mando de Stalin:
“Mandel – O exército alemão invadiu a Bélgica no dia 10 de maio, e as operações militares terminaram com a capitulação de 28 de maio. O país foi ocupado e nas primeiras semanas a desorientação era total. Henri de Man, o líder do Partido Socialista permaneceu primeiro ministro assistente. Ele capitulou perante os nazis. Ele fez um chamado público para colaborar com a ocupação.Parte do aparato sindical o apoiou. O Partido Comunista publicou um jornal legal. Por causa do acordo Stalin-Hitler, eles estavam preparados para submeter-se à censura nazista. Então soubemos do assassinato do Velho, do assassinato de Trotsky. Os jornais belgas publicaram por volta de 21 de agosto. Imediatamente uma das figuras legendárias do Comunismo Belga, camarada Plk, que tinha sido membro fundador do partido, membro do comitê central nos anos vinte e que tinha se tornado um trotskista, um oposicionista de esquerda, veio à casa de meu pai. Ele estava chorando. Ele tinha conhecido o Velho pessoalmente. Outros vieram também. Havia sete ou oito pessoas que diziam todas a mesma coisa. A única forma de responder ao assassinato era imediatamente retomar a organização, mostrar a esse assassinato sujo, que ele não podia simplesmente suprimir idéias e que ele não podia acabar com uma corrente de resistência. Nós decidimos reconstruir a organização e enviar pessoas para outras partes do país.”
A Resistência contra o Nazismo
“Eu tinha quinze anos quando fui formalmente admitido. E era um momento interessante, pouco depois da Conferência de fundação da Quarta Internacional”
Ainda na entrevista realizada por Tarik Ali, Mandel relata como se deu seu ativismo e as suas prisões e deportação para o campo de concentração do nazismo:
“Tarik Ali: Isso foi feito clandestinamente?
Mandel: – Isso era totalmente clandestino. Nós descobrimos que os camaradas de Bruxelas estavam pensando exatamente nos mesmos termos. Em duas semanas montamos o esqueleto de uma organização. Começamos a publicar nosso primeiro jornal clandestino no final do ano de 1940. Nós montamos uma pequena gráfica, e tudo isso começou a funcionar bastante bem, dada as circunstâncias. Havia uma pequena organização ilegal e nós tivemos uma boa resposta em bairros operários porque, num certo sentido, nós tínhamos o monopólio. O Partido Comunista não estava de modo algum identificado com a resistência. Os social-democratas eram, mais ainda, identificados com a colaboração. Eu tenho que acrescentar que a resistência não era tão popular. A maioria das pessoas pensava que os alemães iriam vencer a guerra. Eles eram, no melhor dos casos, eles queriam estar do lado dos vitoriosos.
Tarik Ali: Vocês estavam isolados?
Mandel: – Depois do inverno as coisas mudaram. A derrota dos alemães na frente da Inglaterra teve algo a ver com isso. A experiência do inverno foi muito amarga, muito dura. As rações de alimentos eram muito pequenas, e então havia muito descontentamento entre os trabalhadores. As primeiras greves foram deflagradas em março. Então o Partido Comunista começou a mudar. Não é verdade que eles esperaram até o ataque à União Soviética. Assim que eles viram alguma movimentação massiva, eles agiram cautelosamente para não ficar completamente de fora dos acontecimentos. Eles não queriam nos dar e a outros grupos de resistência um monopólio, porque esse teria sido o preço da paralisia. E é claro que quando aconteceu o ataque à União Soviética, então eles foram decididos. Então a situação ficou mais difícil para nós mas ao mesmo tempo o campo da resistência de massas se ampliou. Eu devo dizer que não tive dúvidas por nem um dia de que os nazistas iriam perder. Posso dizer isso com uma certa satisfação , olhando para trás. Eu era jovem, não muito maduro – muito ingênuo sob vários pontos de vista – mas nunca duvidei por um único dia que os nazistas seriam derrotados. Isso me levou a algumas ações insanas.
A prisão
“Fui preso pela primeira vez, consegui escapar da prisão. Fui capturado uma segunda vez, e escapei do campo. Na terceira vez em que fui pego fui levado para a Alemanha” (Ernest Mandel)
Com a Bélgica ocupada pelas tropas nazistas e com o avanço das perseguições Stalinistas contra os Trotskistas, o ativismo de Mandel e seus camaradas era de grande risco, com a possibilidade de serem eliminados pelos dois lados. Ainda na entrevista a Tarik Ali, ele relata como foram aqueles dias:
“Tarik Ali: Você entregou panfletos para os soldados alemães?
Mandel: – Sim, mas isso não era a coisa mais louca que se podia fazer. Isso estava bastante correto. Quando fui preso pela primeira vez , consegui escapar da prisão. Fui capturado pela segunda vez , e escapei do campo. Na terceira vez em que fui pego fui levado para a Alemanha. Eu estava muito feliz. Eu realmente não compreendia que havia 99,9% de chances de ser assassinado.
Tarik Ali: Porque você era ao mesmo tempo marxista e judeu.
Mandel: – Judeu, marxista,comunista e trotsquista. Havia quatro razões para que fosse assassinado por diferentes grupos, se as coisas podem ser colocadas desse modo. Eu estava feliz por ser deportado para a Alemanha porque eu estaria no centro da revolução alemã. Eu diz simplesmente, ‘ótimo, eu estou justamente onde queria estar’. É claro que isso era completamente irresponsável.
Tarik Ali: E você tentou escapar de novo?
Mandel: – Bem, isso também é uma história maluca. O fato de ainda estar vivo é realmente excepcional. Em um certo sentido, de novo , posso dizer que minha capacidade de visão e análise ajudou – mas isso também não pode ser exagerado, porque também eu tive muita sorte. Mas através de comportamento político e uma atitude correta correta frente a alguns problemas básicos, eu imediatamente estabeleci boas relações com alguns guardas. Eu não me comportei com a maioria dos prisioneiros belgas e franceses, que eram muito anti-germânicos. Eu deliberadamente procurei guardas politicamente próximos. Isso era a coisa inteligente a fazer, mesmo do ponto de vista da auto-preservação. Então eu procurei alemães que fossem simpáticos, que dessem alguma mostra de discernimento político. Eu imediatamente encontrei alguns ex-social democratas, e mesmo alguns velhos comunistas.”
A lembrança do pai
“Tarik Ali pergunta: Seu pai era militante?
Mandel: Nessa época meu pai não era militante. Ele tinha sido militante na época da revolução alemã. Ele tinha fugido da Bélgica para a Holanda na Primeira Guerra Mundial porque não queria prestar o serviço militar. Ele já era socialista de esquerda e tinha encontrado Willen Pieck – que foi mais tarde presidente da Republica democrática da Alemanha – na Holanda. Quando a revolução alemã irrompeu eles foram juntos a Berlim. Ele trabalhou por alguns meses na primeira agência de imprensa da Rússia Soviética em Berlim. Ele conheceu Radek pessoalmente e encontrou várias outras pessoas. E então encontrei em nossa biblioteca uma coleção fantástica de publicações antigas – de livros de Marx, de Lênin, de Trotsky, a correspondência internacional ( Inprecor) daquela época, literatura russa e assim por diante. Ele deixou a política por de 1923. Sua vida estava muito conectada aos altos e baixos da revolução mundial. Quando Hitler chegou ao poder ele teve um choque. Ele estava muito consciente do que isso iria significar para o mundo. Eu lembro- e essa é talvez minha recordação política mais antiga, eu tinha 9 anos de idade, em 1932- da época do assim chamado Papen Putch quando o governo social democrata da Prússia foi derrotado, e o ministro do interior fez essa declaração famosa ou infame “ eu brado diante da violência” . Um tenente tinha invadido seu gabinete e ele perdeu todo poder que tinha acumulado em 14 anos desde 1918. Ele caiu e apenas cinco minutos. Essas notícias apareceram no jornal diário social democrata de Antuérpia, onde morávamos. Meu pai fez comentários muito ácidos. Ele disse que isso iria terminar muito mal: era o começo do fim. Então quando Hitler chegou ao poder alguns dos primeiros refugiados vieram para a nossa casa, também alguns familiares e amigos. Os anos de 1933 a 1935 foram anos terríveis na Bélgica; a crise era profunda era profunda e as pessoas passavam fome. É claro que era muito pior do que hoje, muito pior. A rainha da Bélgica, tornou-se popular simplesmente porque distribuiu pão e margarina para os desempregados. Um dos refugiados que veio para a nossa casa contou, como algo normal, que eles tinham vendido as camas para comprar pão em Berlim. Eram tempos terríveis. Meu pai também passou por períodos ruins, mas nunca tão ruim como isso. Nós nunca passamos fome, mas vimos nosso padrão de vida cair dramaticamente nesse período. Os anos entre 1933 a 1935 foram um pouco menos políticos.”
Conclusão
Vale a pena retomar Michael Lowy: “ Já há vários anos – desde 1933 pelo menos – que Trotsky havia chegado a conclusão que a Terceira Internacional, sob a direção de Stalin e sua camarilha burocrática, havia degenerado e já não era reformável “ por dentro” . Mas só em 1938 – depois dos processos de Moscou, que viram o extermínio, pela política stalinista, da geração dos velhos bolcheviques que haviam dirigido a revolução Russa de outubro de 1917 – é que seus partidários e companheiros de luta se convenceram que era necessário romper definitivamente com uma instituição que se havia transformado em apêndice do Estado Soviético e criar um nova Internacional. A Internacional Comunista foi dissolvida oficialmente por Stalin em 1943. Era “a meia noite no século”, como diz o titulo de um famoso romance de Victor Serge escrito nesta época.
Foi nesse ambiente de devastação da esquerda revolucionária pelo stalinismo e também pela ocupação nazista que praticamente dizimou judeus, ciganos, gays, socialistas e comunistas em toda a Europa, que Ernest Mandel, será testado enquanto ativista marxista revolucionário, e se tornará no futuro, o principal dirigente do Secretariado Unificado da IV Internacional.