Uma noite histórica em defesa da liberdade de imprensa

Memorável, a noite de 30 de julho de 2019 entrou para a história da política brasileira.

Felipe Aveiro e Luiza Sansão 1 ago 2019, 00:15

Quase duas horas antes de o ato começar, as filas para os elevadores da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) já ganhavam a calçada, dobrando a esquina da rua Araújo Porto Alegre com a rua México. Era o prenúncio do que se daria minutos depois, com o nono andar do histórico edifício tomado de gente e a disputa por uma vaga no auditório da entidade, onde cerca de mil pessoas se distribuíram em cadeiras, no chão, encostadas nas paredes, escoradas umas nas outras. Outras duas mil acompanhariam todo o movimento que transbordou o lugar ao longo de três horas, pelos telões que exibiam tudo em tempo real, instalados no saguão que dá acesso ao auditório e na rua. Pelas redes sociais, outras milhares se conectaram ao gigante ato ocorrido nesta terça-feira (30) em defesa da liberdade de imprensa e em solidariedade a Glenn Greenwald e The Intercept Brasil— devido à perseguição e constantes ataques do governo Bolsonaro à equipe de reportagem e, especialmente, ao jornalista norte-americano.

Glenn vem sendo atacado há mais de um mês, desde que teve início a série de reportagens na qual o Intercept, em parceria com a Folha de S. Paulo e a Veja, vem vazando conversas profundamente comprometedoras do então juiz e atual ministro da Justiça Sérgio Moro com os procuradores da Operação Lava Jato, revelando graves ilegalidades na operação. Os mais graves ataques do governo a Glenn e sua equipe aconteceram, quando, na sexta-feira (26), o Ministério da Justiça publicou uma portaria que prevê a deportação de estrangeiros considerados “perigosos” — uma clara provocação e, no dia seguinte, Jair Bolsonaro afirmou que “ele pode pegar cana aqui mesmo, no Brasil”. Ele disse ainda que o jornalista e seu marido, o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), são “malandros” por terem se casado no país e que adotaram duas crianças brasileiras para evitar uma possível deportação.

A gravidade dos fatos motivou a realização do ato histórico que reuniu artistas, intelectuais, magistrados, cidadãos e políticos de todas as matizes ideológicas, movimentos sociais, sindicatos e diversas entidades, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e a Associação dos Juízes pela Democracia (AJD). Participaram personalidades como Chico Buarque, Camila Pitanga, Wagner Moura, Carol Proner, Paulo Betti, Júlia Lemmertz, Humberto Carrão, Teresa Cristina, Marcelo D2, Fernanda Abreu, Pedro Luís, Maria Gadú, Guilherme Weber e Maria Augusta Ramos.

A ABI reafirmou seu papel histórico na defesa das pautas democráticas e populares ao abrir as portas para a realização do ato, que atraiu diversos veículos de imprensa, tendo sido coberto inclusive pelo Jornal Nacional, tamanha a sua potência e a relevância de sua pauta.

Foram exibidos, ao longo da noite, vídeos com mensagens de apoio ao trabalho de Glenn e sua equipe, entre os quais o do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ); do jornalista da Veja Reinaldo Azevedo; jornalistas estrangeiros como a americana Margaret Sullivan, colunista do The Washington Post; o americano James Risen, que já foi articulista do The New York Times e integra o Intercept nos Estados Unidos; a canadense Naomi Klein, autora de diversos livros; e Tucker Carlson, apresentador de televisão e comentarista político da Fox News.

Algumas das personalidades, além de parlamentares e outros representantes partidários do PT, PCdoB, PDT, PSTU e PSOL, fizeram discursos repudiando os ataques de Bolsonaro a Glenn e aos jornalistas do Intercept Brasil e defendendo a liberdade de imprensa. Do PSOL, discursaram a deputada estadual Luciana Genro (RS) e o deputado federal Marcelo Freixo (RJ). “Desvendar os conluios dos poderosos é uma tarefa dos jornalistas corajosos”, disse Luciana.

Outros parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (MES), além dela, participaram do ato, como o vereador de Porto Alegre Roberto Robaina e os três deputados federais Fernanda Melchiona (RS), Sâmia Bomfim (SP) e David Miranda (RJ), que, ao lado dos dois filhos de seu casamento com Glenn, introduziu a fala do marido, momento mais aguardado da noite.

Além de defender enfaticamente a liberdade de imprensa e o direito ao sigilo de fontes, garantidos pela Constituição Brasileira, Glenn destacou o profissionalismo da equipe do Intercept Brasil e ressaltou que o fato de Bolsonaro direcionar os ataques somente a ele e sua família, ignorando os demais autores das reportagens da série “Vaza Jato”, é uma estratégia de personificação com o claro objetivo de atribuir carga político-ideológica a um trabalho jornalístico sério, cuja responsabilidade social e relevância política transcendem posições ideológicas.

O jornalista também lembrou a brutal execução da companheira Marielle Franco e a importância de que sejam revelados os mandantes e a motivação do crime que também resultou na morte do motorista da ex-vereadora, Anderson Gomes. Tratam-se de respostas fundamentais para o combate ao autoritarismo e à violência política no Brasil. “Não vou deixar o Brasil retroceder a uma ditadura”, disse ele, reafirmando seu compromisso com o país onde nasceram seu marido e seus filhos, e onde ele vive há quase 15 anos.

Memorável, a noite de 30 de julho de 2019 entrou para a história da política brasileira. O ato foi um marco da luta democrática e a primeira articulação desta magnitude com a unidade de ação de amplos setores contra o autoritarismo do governo Bolsonaro. Sua forma e conteúdo foram politicamente muito acertados e devem servir de exemplo para as construções futuras da resistência democrática.


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Pedro Micussi