O “marxismo cultural”, fantasma preferido da extrema-direita

Sobre a proliferação do termo a nível internacional.

Marc-Olivier Bherer 17 set 2019, 11:03

Como um termo muda no léxico complotista? É a questão colocada pela expressão “marxismo cultural”, muito difundida pela extrema-direita. Em 2011, o terrorista norueguês Anders Breivik a empregava uma centena de vezes no manifesto publicado para explicar os atentados que ele havia cometido. Em 2017, Rich Higgins, membro do Conselho de Segurança Nacional estadunidense – depois demitido-, publicou uma nota na qual se colocava contra um complô lançado pelo “Estado profundo” com a ajuda dos banqueiros, globalistas, fundamentalistas muçulmanos e membros centristas do partido republicano eleitos querendo impor o “marxismo cultural” nos EUA. Olavo de Carvalho, o mestre pensador de Jair Bolsonaro, chefe do Estado brasileiro, também está numa cruzada contra o “marxismo cultural”.

Mas essa expressão também conhece um uso acadêmico, sobretudo nos Estados Unidos. Nesse quadro, ela designa uma corrente de pensamento inspirada pela obra de Karl Marx, que funda sua crítica da sociedade não apenas sobre uma análise das desigualdades geradas pelo sistema de produção econômica, mas também sobre a alienação que ela engendra através da cultura entendida no sentido largo – as artes, a publicidade, a vida política, as instituições etc.

A fórmula exata de “marxismo cultural” teria nascido nos anos 1970, no seio da esquerda estadunidense, como mostrou o filósofo australiano Russel Blackfor. Segundo ele, o universitário e militante do anti-neoliberalismo Tren Scroyer é o primeiro a emprega-la. Em seu livro Crítica da Dominação: origens e desenvolvimento da teoria crítica, ele analisa a crise da sociedade estadunidense se apoiando em ferramentas conceituais desenvolvidas pela Escola de Frankfurt. Nascida na Alemanha nos anos 1920, essa corrente de pensamento renovou profundamente o marxismo realizando uma crítica radical da sociedade burguesa e de suas manifestações sociais, culturais e políticas. Trent Schroyer, que é um de seus discípulos, se felicita da ascensão dos movimentos de liberação dos negros e das mulheres.

Maquinação

Está aí o laço com o que a direita radical entenderá logo por “marxismo cultural. O termo toma então um valor pejorativo: ele designa a pretensa vontade das disciplinas da Escola de Frankfurt de danificar a cultura ocidental e atacar a sociedade tradicional se servindo para isso do feminismo, da homossexualidade e do multiculturalismo. “Na virada dos anos 1990, enquanto que o comunismo acabava de colapsar, os meios ultraconservadores estadunidenses veem na globalização uma ameaça para o Ocidente cristão”, observa Jérôme Jamin, cientista político e filósofo belga, especialista em populismo. “Eles se inquietam também da ascensão, nos meios universitários, do ‘politicamente correto’ que eles assimilam como um ataque contra a liberdade de expressão tendo por objetivo impossibilitar os discursos que não reconhecem a plena igualdade entre os homens e mulheres, negros e brancos, heterossexuais e homossexuais, etc”, completa. O termo se difunde entre meios extremistas de direita.

A maquinação que alguns imaginam agora obedece a uma lógica maluca: um projeto funesto vai permitir às multinacionais de se enriquecer às custas dos consumidores tornados então passivos pelo esquecimento dos valores cristãos e o igualitarismo propagado pelo “marxismo cultural”, que abandonou os trabalhadores em benefício das minorias. Pat Buchanan, infeliz candidato à eleição presidencial dos EUA sob a bandeira republicana nos anos 1990, popularizou essa ideia de maneira explicitamente antissemita, explicando que os Estados Unidos precisariam do mesmo tanto de vigilância daquela utilizada pelos nazistas em relação aos membros da Escola de Frakfurt refugiados nos Estados Unidos – muitos dos autores desse grupo de intelectuais (Max Horkheimer, Theodor Adorno ou Hebert Marcuse) tinham origem judaica e foram obrigados a fugir da Alemanha nazista para os EUA. 

Para Jérome Jamin, o “marxismo cultural” assim entendido reúne todos os elementos próprios do conspiracionismo, já que “um grupo animado por uma intenção maliciosa é claramente identificado”. “Além do mais, o projeto globalizante que esse grupo perseguiria é apresentado como um perigoso sucesso que nos afasta de uma era de oro desaparecida”.

A raiva e a paranoia que revela a utilização da expressão estigmatizada “marxismo cultural” não impede que alguns comentaristas políticos o empreguem para criticar o politicamente correto. Sua banalização inquieta o historiador estadunidense Samuel Moyn: “Por que empregar um termo que vem da extrema-direita, que faz eco ao judeu-bolchevismo denunciado pelos nazistas? Alguns dos que o empregam já sonham com a violência e não visam somente os judeus, mas também outros grupos, como os muçulmanos”. É notavelmente o caso do autor dos atentados contra mesquita de Christchurch que, em seu manifesto, estima que os “marxistas culturais” são traidores.

Artigo originalmente publicado no Le Monde. Tradução de Pedro Micussi para a Revista Movimento.

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