A morte de Marguerite Derrida e o assustador cenário pandêmico

Psicanalista foi vítima do coronavírus.

Isaque Castella 28 mar 2020, 18:02

Em tempos de pandemia, uma infeliz coincidência: no mesmo ano em que o filósofo da desconstrução, Jacques Derrida, completaria 90 anos, se vivo estivesse, sua esposa nos deixa, acometida por complicações decorrentes do vírus que colocou a humanidade em estado de alerta. Marguerite faleceu no último sábado, 21 de março, em uma casa de repouso na capital francesa.

Conhecida pela tradução de obras de psicanálise de Melanie Klein para a língua francesa e formada na Sociedade psicanalítica de Paris, Marguerite Aucouturier fez jus à sua descendência, tendo em vista o brilhantismo intelectual de vários membros de sua família. Em 1957, se casou com Jacques Derrida, com quem permaneceu até a morte do filósofo em 2004, vitimado por um câncer no pâncreas.

Como nos lembra, no obituário escrito para o portal do Le Monde, a respeitada psicanalista e historiadora francesa Elisabeth Roudisneco, interlocutora de Jacques Derrida na obra “De que amanhã…”, muito difundida e lida no Brasil, Marguerite teve uma contribuição fundamental para o interesse de Jacques Derrida na psicanálise, da qual o magrebino assume o rastro com muita relevância em seus escritos. Destacar esse papel se mostra extremamente necessário, vez que se percebe historicamente uma tendência de apagamento da importância das esposas daqueles que são considerados grandes intelectuais.

Em “o animal que logo sou”, obra derridiana que discuto esse semestre no âmbito do grupo de pesquisas em Jacques Derrida na PUC Minas, o teórico atribui a promoção do esquecimento calculado à filosofia, no qual está implicado inclusive a predominância de homens entre os quadros ditos mais famosos e prestigiados da história do pensamento, desde os primórdios até a contemporaneidade. E essas exclusões engendradas não despropositadamente dizem muito sobre esse conhecimento produzido até hoje e que se encontra na sustentação de uma estrutura social opressora.

Cabe ressaltar que, nesses últimos dias, circulou uma mensagem via WhatsApp sobre o que os filósofos diriam diante da pandemia de coronavírus. Diante do rol de pensadores quase que absolutamente composto por homens, a filósofa estadunidense Judith Butler, muito engajada com o feminismo e com os estudos de gênero, aparece, ao final da lista, denunciando a falta de mulheres entre os ali presentes.

Mas, pensando para além desse conteúdo estrito que viralizou abarcando a relação entre as reflexões filosóficas e a atual pandemia de Covid-19, uma questão parece se colocar de forma muito pertinente nesse momento: qual seria o papel dos pensadores, da academia, da universidade, em face dos novos desafios que um cenário de muitas incertezas e que tende a provocar mudanças sociais significativas nos impõe enquanto sociedade?

A hipótese que me ocorre para dar conta de tal indagação perpassa especialmente a conjuntura política que se apresenta. Acredito que, nas circunstâncias colocadas, se existe um papel para a intelectualidade e para os pesquisadores, de todas as áreas do conhecimento, este diz respeito à afirmação do conhecimento científico crítico, da produção acadêmica refletida e embasada, como um patrimônio ao qual precisamos nos agarrar para enfrentar a desinformação, a ignorância cultuada e um projeto político global calcado na negação da ciência, com todas as ressalvas que tenho a uma concepção dura e restritiva de ciência.

E com tal consideração quero dizer que pensar a ciência hoje significa pensar em um leque amplo e plural de conhecimentos refletida e criticamente produzidos, lançados à contínua possibilidade de desconstrução e aprimoramento, e caracterizados pela fuga da armadilha da verdade universal e dos pontos de chegada. É nesse sentido que a matemática e professora de filosofia Tatiana Roque (UFRJ) recentemente nos lembrou, com preocupação, de uma tendência de um setor intelectual dito progressista da sociedade de rebater os ataques negacionistas à ciência com um apego àquele fazer científico tradicional, ao lugar que o discurso científico historicamente buscou traçar para si mesmo.


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