Covid-19 e a milícia desalmada do capitalismo

A pandemia do COVID-19 tem colocado as vísceras da milícia do capitalismo em franca exposição.

Alexandre Filordi 9 abr 2020, 17:04

Quando Walter Benjamin afirmou que o “capitalismo deve ser visto como uma religião, isto é, o capitalismo está essencialmente a serviço das mesmas preocupações, aflições e inquietações a que outrora as assim chamadas religiões quiseram oferecer resposta”, o filósofo sublinhava o caráter místico, dogmático e idólatra do capitalismo.

Mas também é preciso lembrar que a consolidação das religiões oficiais no Ocidente é marcada pela afirmação do poder unilateral sem dispensar guerras. As cruzadas, as guerras santas, Lutero apoiando os príncipes para perseguir os camponeses, Calvino expulsando de Genebra os “vagabundos” não convertidos, etc. Pelo paralelo benjaminiano, poderíamos afirmar que o capitalismo é uma milícia religiosa.

Milícia é uma associação militarizada que defende interesses próprios, inclusive matando; ameaçar faz parte da obviedade de suas ações. As milícias no estado do Rio de Janeiro são evidentes neste caso. As milícias religiosas como estamos vendo nos dias atuais outro exemplo: templos fechados são lucros cessantes.

A pior milícia, contudo, é a dos detentores dos mecanismos econômicos e sociais exploratórios do capitalismo. Esta milícia, além de seus aparatos militarizados – carros blindados, escoltas armadas, residências-quarteis (vulgo condomínios), sistemas de vigilância, etc. – detém de igual modo os mecanismos exploratórios simbólicos e culturais: é proprietária dos meios de comunicação massivos, portanto, manipula e falsifica a informação; compra políticos que defendem seu interesse; influencia nas políticas públicas conforme a necessidade de seus ganhos; mas também tem acesso à melhor educação, saúde, meio de transporte, alimentação e cuidados vitais, mantendo o ciclo da desigualdade social.

A pandemia do COVID-19 tem colocado as vísceras da milícia do capitalismo em franca exposição. No Brasil, vergonhosamente, não há um mínimo movimento, ainda que fosse emergencial, para suspender o pagamento dos juros da dívida pública aos bancos privados; tampouco uma taxação imediata das grandes fortunas ou cobrança de impostos sobre dividendos – a mística religiosa dos ricos rentistas. Não, nada disso! O que se faz no lugar?

Um governo chantagista, mitomaníaco, covarde, associado a tal milícia capitalista – façamos de conta que esteja associado apenas a esta – inventa mecanismos para suspensão salarial dos pobres trabalhadores brasileiros; normaliza o desemprego em massa, defendendo os patrões; assume a velocidade dos vermes para não despachar logo mecanismos econômicos a recobrir a restrição econômica ao trabalho; lamenta que é difícil governar, quando vê que demandas humanas não são produzidas por robôs de comunicação; não cria nada, absolutamente nada, que pudesse minguar os lucros no lugar de salvar vidas.

A milícia desalmada do capitalismo sempre ganhou musculatura debaixo da aba dos chapéus políticos mancomunados com os interesses do próprio capitalismo, algo tão normal como uma missa no Brasil. É preciso denunciar este jogo sórdido; é preciso denunciar que os empresários que compram seus jatinhos com o dinheiro público do BNDES, a juros que nenhum trabalhador sonha ao se endividar, agora despedem seus funcionários ao léu, pois o lucro é santo! – deixo os nomes à curiosidade do/a leitor/a; é preciso denunciar o cinismo dos que, há bem pouco, enxugavam a máquina do Estado e agora convocam pesquisadores de institutos públicos de pesquisa, diga-se de passagem, padecendo cortes vitais de verbas, para combater o COVID–19, é que uma das armas preferidas desses milicianos é o cinismo.

O COVID–19 denuncia tudo isso. Mas denuncia também: as existências humanas devem estar à frente dos dogmas e dos idólatras capitalistas; o sistema social baseado na doutrina do capitalismo exploratório e desumano, até bem pouco acumpliciado inclusive pela população precarizada, não passa de uma maldição, anátema e farsa.

Os contornos existenciais que importam não são da ordem da mística da religião como capitalismo. Os contornos existenciais que importam são: a frágil carne humana, a fome, o medo de morrer, o desamparo social, o corpo morto proibido de ser velado, a dor, o fôlego que pode faltar, o remédio ausente, a casa sem água e esgoto, etc. O combate ao COVID-19 só passa a ter sentido se igualmente for combatida a milícia desalmada do capitalismo.


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