A uberização do ensino como desvalorização da docência
Professores horistas são seriamente prejudicados durante pandemia.
Antes mesmo do início da pandemia alguns professores já sentiam um efeito terrível da má remuneração e desvalorização da educação: contratos temporários ou seletivos sem garantias e direitos, como horários remunerados para planejamento de aula e correções de trabalho. Contratos que pagam apenas a hora/aula de uma disciplina: carga horária de 60 horas, o professor recebe apenas a aula dada (4 horas por semana/disciplina) e, ao fim do semestre, não há remuneração alguma no período de férias, nem 13º salário, nada. Os efeitos disso vieram mais fortes com a pandemia.
Com as aulas suspensas, esses contratos que pagam apenas a aula lecionada, colocaram os professores horistas em uma situação calamitosa. Muitos, sem ter outra fonte de renda, passaram a não ter renda alguma. É o caso dos professores horistas da Universidade Estadual de Roraima (UERR), que de dezembro de 2019 a julho de 2020, apenas foram remunerados pelas aulas de final de fevereiro e das duas semanas de março.
Com a abertura para a solicitação do auxílio emergencial, alguns professores horistas que se inscreveram para receber o auxílio foram atendidos. Porém, cadastrados como servidores públicos, esses professores horistas agora estão entre os mais de 1.700 servidores de Roraima convocados a devolver o auxílio emergencial de R$ 600,00 e tiveram seus auxílios suspensos.
Um professor horista com mestrado na UERR recebe R$40,60 por hora aula. Uma disciplina com carga horária de 4h semanais rende no final do mês R$ 750,00, ou seja, menos que um salário mínimo por uma disciplina. A situação de desvalorização desses professores vai desde a incerteza de prover as necessidades de suas casas e dependentes a ser convocado pela instituição para prestar esclarecimentos sobre as razões de ter solicitado o auxílio emergencial e, agora, a ter que devolver os valores do auxílio recebidos até o momento.
Nossos professores horistas sempre estiveram sujeitos a essa modalidade de contrato severa e desumana, mas, nesse período da pandemia, vimos a classe ficar desamparada financeiramente. Pelo modelo do contrato, sabiam que não teriam renda nos períodos de férias, mas não durante o semestre letivo 2020.1. No fim das contas, esse modelo de trabalho exime o contratante de qualquer responsabilidade com seus funcionários. São chamados de servidores públicos sem gozar dos direitos inerentes a essa condição, ficando à mercê da própria sorte.
Esse fenômeno que se caracteriza com o sistema de uberização do trabalho é evidenciado quando observamos que os professores horistas arcam sozinhos com todos os riscos de um contrato como esse: não há garantia de salário frente a uma adversidade como a pandemia, não recebe pelos trabalho extra-sala (planejamento, correções de trabalho, orientação de alunos, reuniões de colegiado, etc). A situação é tão desumana que mesmo os professores horistas que não concordam com o ensino remoto, por questões pedagógicas, durante a pandemia precisam se submeter a ele, mesmo vendo graves problemas nesse formato, porque já estão em extrema pressão financeira, emocional e psicológica.
É urgente a revisão desse modelo de contratação dos professores. É necessário que a instituição aprenda com a Pandemia o que tem sido doloroso há muitos anos aos professores horistas: a instabilidade dessa modalidade é desumana. A instituição precisa mostrar à sociedade que a licenciatura deve ser uma interessante e atraente carreira, mas segue na contramão disso quando não valoriza os formadores de novos professores. A lição de casa precisa ser feita, as licenciaturas são os cursos menos procurados nas seleções de vestibular e a lógica é clara: a desvalorização do docente projeta nos alunos um desprezo por uma carreira que é tratada com tanto descaso.