Esboço sintético sobre a dominação colonial portuguesa na África e as lutas por independência

Colonialismo português terminou sob a luta negra e a mobilização dos revolucionários portugueses.

Gilvandro Antunes 10 ago 2020, 20:46

Portugal é conhecido por ser um pequeno país europeu que construiu uma história com grandes pretensões. Atualmente, de acordo com dados da ONU, há 10,28 milhões de portugueses em Portugal e 2,2 milhões emigrados. Totalizando quase cerca de 12,6 milhões de portugueses no mundo. Todavia, mais de 260 milhões pessoas tem o português como língua materna. Distribuídos em quatro continentes: 1- América do Sul, 2- África, 3- Europa e 4- Ásia. A disseminação da língua portuguesa é o resultado de cinco séculos de expansão marítima. De 1415, chegada a Ceuta, à 1543, chegada a Osaka, no Japão os portugueses montaram colônias exploradoras em Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Brasil, Goa (Índia), casta sul da China. A característica no período inicial se deu pela exploração da população nativa, relação política com tribos e cidades Estados locais em busca de especiarias enviadas a uma grande margem de lucro para a Europa. Dessas especiarias, a principal rota, a mais lucrativa e com maior mercado na Europa, era a das Índias Orientais.

Todavia, a partir da segunda metade do século XVI, o açúcar passa a concorrer com a rota das especiarias, sobretudo porque Portugal tinha grande dificuldade manter um número acentuado de rotas em um espaço tão grande com uma população metropolitana bastante reduzida. Além disso, Portugal não possuía um contingente militar considerável nem mesmo dentro da Europa. Aliás, uma das teses para a expansão marítima portuguesa, além da sua localização geográfica e de uma economia feudal fraca, portanto agrícola sem grande importância nos séculos anteriores, foi de que Portugal ficou fora das grandes guerras que assolaram a Europa nesse período. Desse modo, ao perder as principais rotas comerciais do oriente, Portugal volta seus esforços econômicos e expansivistas para a América do Sul, ou seja, o Brasil.

É a partir do clico da cana-de-açúcar que a colonização portuguesa na África vai ter como ponto principal o tráfico humano para a escravização do outro lado do atlântico, pois até então essas áreas tinham servido para a busca frustrada por ouro. O ciclo da cana-de-açúcar perdurou por mais de 200 anos, até o momento da platation centralizada na faixa litorânea do nordeste e sudeste brasileiros ter sido superado pelo açúcar das Antilhas como países da Holanda, Inglaterra e França. Mas mesmo com a perda da hegemonia da produção do açúcar, Portugal seguiu com o tráfico de escravizados negros devido à produção aurífera e de café, prosseguida mesmo depois da independência brasileira em 1822. Ainda que em dados não tão precisos, calcula-se que 12,5 milhões de africanos tenham vindo para o continente americano no período do primeiro ao último navio negreiro saído da África. Desses, cerca de 4,8 milhões vieram para o Brasil. Ou seja, o Brasil foi o maior porto receptor de tráfico de escravizados do mundo. Sendo 2,3, só entre 1800 e 1850. A grande maioria vinda de colônias de exploração portuguesas. Só das regiões de Angola e Congo, entre as margens sul e norte do rio Congo, é calculado um montante de 5,6 milhões para toda a América.

Assim, a estrutura econômica do império português se alicerçava exclusivamente da combinação entre tráfico de escravizados e produção colonial mercantil estabelecida através de plnatations e produção aurífera das minas gerais. Após a independência do Brasil, Portugal segue com suas colônias na África. Mais precisamente Angola, Moçambique, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Timor Leste (Ásia). Entretanto, é preciso que tenhamos a dimensão dessas colônias e seu papel após o fim da escravização e independência do Brasil (fatos não simultâneos). Com o fim do tráfico de seres humanos negros para o Brasil, as colônias africanas perdem sua importância econômica de forma considerável. Em um período de aproximadamente sessenta anos, esses territórios contaram com uma presença branca portuguesa irrisória que compreendia pequenas zonas de observação e proteção militares e poucas fazendas.

É só com a invasão europeia na expansão capitalista imperialista do século XIX que, tardiamente, Portugal retoma de forma administrativa mais incisiva o controle desses territórios. O ápice dessa expansão se deu com a consolidação dessa dominação imperialista através da Conferência de Berlim de 1885. Nessa ocasião, a principais potências da Europa dividiram a África em territórios de dominação, dando a este continente boa parte das divisões geográficas da atualidade. A expansão territorial da Europa sobre a África, culminada na Conferência de Berlim, começou primeiramente com uma expansão de grandes corporações multinacionais privadas sobre as terras africanas, após, garantidas jurídica e militarmente por seus Estados de origem. Desse modo, pode-se ver na dominação da África como uma típica invasão capitalista em sua forma imperialista. Onde a aliança entre grandes empresas, patrocinadas por grandes bancos deram o pontapé inicial de uma grande invasão em busca de matérias primas para a indústria europeia em expansão.

Da parte de Portugal, as pretensões eram grandes novamente, através do que ficou conhecido como Mapa Cor de Rosa, Portugal queria ficar em posse de um corredor terrestre transoceânico que ligava os oceanos atlântico e índico com a união de uma faixa ininterrupta entre Angola e Moçambique. Num primeiro momento as potências europeias aceitaram. No entanto, a Inglaterra se opôs devido a seus interesses na África austral e sua ligação política e econômica com a África do Sul. Mesmo não tendo seu corredor, Portugal foi parte beneficiada pela Conferência de Berlim.

Peculiaridades Portuguesas No imperialismo Europeu na África

A Conferência de Berlim foi o resultado da expansão industrial de algumas nações da Europa já em sua segunda fase e já consolidada suas principais características imperialistas definidas por Lênin, quais sejam a fusão entre capital bancário e industrial originária do capital financeiro e a partilha do mundo. Não obstante, Portugal não era uma potência imperialista típica nos termos definidos acima. Nenhuma grande empresa do Velho Continente era portuguesa, nenhum grande banco possuía sede matricial e Lisboa. As forças armadas portuguesas não eram uma grande potência militar mundial. Além disso, o contingente português nessas colônias era muito baixo, como já mencionado aqui. Então como Portugal ficou com territórios maiores do que a Alemanha, por exemplo?

Em primeiro lugar, Portugal havia permanecido, ainda que precariamente, nesses territórios, reivindicando como seus em todo o período antecedente. Todavia, o principal motivo, era que Portugal servia como jogo entre as principais potências competidoras, de modo que o reconhecimento de Portugal como postulante impunha limites a expansão de outras potências. Afinal, se Portugal se retirasse desses territórios quem ficaria com Angola, Moçambique, Cabo Verde? Quem ficaria com milhares de quilômetros das costas do índico e do atlântico?

Ademais, por não ser uma potência imperialista, os territórios portugueses estariam abertos ao capital das maiores economias da Europa. Não à toa, a extração de minérios de países como Moçambique e Angola, as principais colônias portuguesas, estavam nas mãos da Inglaterra, Estados Unidos e França, bem como a maior parte da infraestrutura como ferrovias e portos como atesta o historiador Perry Anderson na análise dos inúmeros relatórios estatísticos do governo Salazar.

O Ultracolonialismo Português

Perry Anderson, em sua obra Portugal e o Fim do Ultracolonialismo cunhou tal expressão dando-lhe uma característica científico-política do colonialismo português sob a combinação de atraso econômico e um regime fascista. De modo que esta combinação fez com que Portugal fosse a última metrópole a perder suas colônias na África. Dessa maneira, Anderson vê nessa combinação a única possível de explicar porque Inglaterra e França perderam suas colônias antes dos lusos. Para se ter uma ideia, em 1960, Portugal possuía o menor consumo per capta de energia elétrica da Europa Ocidental, a indústria representava somente 24% do PIB. Da mão-de-obra industrial, 1/3 era composto pelo ramo têxtil, onde 82,7% do algodão vinha das colônias, em especial, de Moçambique. das exportações manufaturadas, 35,8% iam para as colônias. De modo que, bem observado por Anderson, as matérias primas da indústria de transformação e de bens duráveis iam para os países imperialistas da Europa e EUA e a produção agrícola majoritariamente para Portugal. Ou seja, Portugal mantinha uma velha dominação colonial pré-industrial de monopólio comercial de produtos de pouco valor agregado com suas colônias. Isso, por seu turno, estabeleceu uma relação de dependência econômico-comercial da matriz lusa com suas terras do ultramar na África.

Desse modo, é perceptível que o fim do colonialismo inglês, francês e belga não abalou suas economias e nem sua posição política, pois para estas era preciso apenas manter relações econômicas de espoliação e vigilância política à distância. De modo a manter os interesses de suas empresas. A tática deveria ser semelhante: de dividir para conquistar, para dividir para seguir dominando. Porém, para Portugal, devido a sua dependência, não era tão simples assim. O outro componente do ultracolonialismo luso era a máxima violência. Nas colônias havia seis tipos de trabalho desumanos que ia dedes o trabalho correcional (para presos), trabalho forçado (quando o trabalho voluntário era insuficiente), trabalho obrigatório (obrigando o trabalhador do campo a plantar algodão, por exemplo, por um preço pré-estipulado pela metrópole), etc. Ainda que o trabalho forçado fosse proibido ser aplicado a mulheres e crianças, relatos de viajantes estrangeiros sobre crianças e mulheres até grávidas trabalhando penosamente na construção de ferrovias era muito comum em plena década de 1960. Assim, ultracolonialismo é a forma primitiva de dominação econômica e coação voltada ao colonialismo português.

Fascismo e Colonialismo

O fascismo português sobreviveu a segunda guerra mundial devido sua posição na mesma. Digamos que o fascismo português e espanhol saíram vitoriosos junto com as forças democráticas. Ademais, as ilhas portuguesas foram muito importantes para a marinha e aeronáutica estadunidenses durante a segunda grande guerra. Estabelecendo, assim, uma grande parceria na defesa colonial por parte dos EUA. É importante salientar que, além da dependência econômica, as colônias africanas eram importantes para a manutenção do discurso fascista salazarista que reivindicava uma grandeza por destino a Portugal. Afirmando que

Portugal e suas colônias, na própria Constituição portuguesa, eram um território uno e indivisível multicultural e multirracial. Entretanto, só aos negros cabia o trabalho forçado, os castigos, a espoliação, a não cidadania.

Por fim, o fascismo português passou um longo período sem grandes contestações internas de modo que pode manter sua dominação colonial sem maiores problemas internos.

A Guerra por Independência das Colônias

Em 1961, eclode a guerra por independência em Angola. De início, o regime salazarista acreditava ser uma guerra rápida pois a esta estava concentrada no norte do país. Entretanto, após alguns reveses, a guerrilha se reorganizou e se expandiu sob a liderança do Movimento por Libertação de Angola (MPLA) sob a liderança de Agostinho Neto. De uma guerra rápida que mostraria o poder e o controle de Portugal sob suas colônias, a guerra de Angola se internacionalizou, chegando ao Conselho de Segurança da ONU e aos periódicos internacionais. Todavia não como quisera Salazar, e sim exatamente o contrário. Ainda em 1961, Partido Africano de Independência da Guiné e Cabo verde (PAIGC) sob a liderança de Amílcar Cabral, a Guiné Bissau trava sua luta por independência. Em 1964, Moçambique entra na sua guerra por independência, fechando o cerco sob o salazarismo, sob a liderança de Eduardo Mondlane em um primeiro momento e depois Samora Machel.

O fato é que as lutas por independência foram uma luta sem volta, internacionalizando- se. No contexto da guerra fria onde Cuba e União Soviética desempenharam um papel importante nessa disputa. O prolongamento da guerra criou um desgaste sem precedentes ao regime de Salazar, edificando uma oposição interna que teve no exército seu ponto principal. Aliás, a oposição dentro do exército levou a uma triunfante revolução em Portugal, qual seja, a Revolução dos Cravos.

O fato é que a guerra por independência das colônias foi fundamental para a criação das condições objetivas e subjetivas para a revolução de abril de 1974, liderada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA). Em uma relação dialética de luta, após sua consolidação, a Revolução dos Cravos foi muito importante para a formalização da independência dos países africanos em questão.

Assim, as ruínas do colonialismo português caíram sob a cabeça do fascismo salazarista. Mas não antes da luta negra e da mobilização dos trabalhadores e militares revolucionários portugueses.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 05 nov 2024

Depois das eleições, combater o pacote antipopular

A luta contra as propostas de austeridade fiscal do governo federal deve ser a prioridade da esquerda neste momento
Depois das eleições, combater o pacote antipopular
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi