“Não vejo nenhum caminho viável para a luta de classes e para o projeto socialista sem uma luta antirracista”
Entrevista com Keon Liberato, dirigente nacional do Democratic Socialists of America (DSA)
O levante antirracista que tomou conta das ruas dos Estados Unidos após a morte de George Floyd representou a maior mobilização popular neste país desde os anos 1960 e iniciou uma enorme onda internacional. No mesmo país que desenvolve um novo e dinâmico movimento socialista, expresso na mobilização pela candidatura à presidência de Bernie Sanders, manifestantes foram às ruas exigindo o fim da violência racista do Estado e de suas polícias, derrubando de estátuas de escravocratas e questionando o racismo estrutural de sua sociedade.
Algumas características chamam a atenção de quem conhece de perto este jovem movimento socialista norte-americano, representado principalmente pelos Socialistas Democráticos da América (Democratic Socialists of America – DSA). A primeira é o ambiente livre e concreto do debate político, no qual a busca pelo rigor teórico está sempre conectada com a necessidade de construção de alternativas. E a segunda é a fixação pela organização da classe trabalhadora, a reflexão permanente sobre como construir organismos de poder entre os trabalhadores e trabalhadoras tanto em seus locais de trabalho como nacionalmente.
As perguntas “como?”, “por quê?” e “isto funciona?” estão bastante presentes no cotidiano deste movimento, que possui um enorme hiato com a tradição socialista revolucionária devido à grande repressão sofrida no século XX, mas que também é muito menos marcado pela burocratização e pelos dogmatismos encarados por esta tradição ao longo das últimas décadas. Muitos destes companheiros e companheiras chamam a si mesmos de “organizadores” antes de “militantes” e não são poucos os jovens que vão ao mundo do trabalho para organizar os trabalhadores. A chamada estratégia rank-and-file, a estratégia de organização da classe a partir dos locais de trabalho, assim como a prática do canvassing, campanha de rua organizada territorialmente que inclui inclusive visitas de porta em porta, expressam o caráter classista e combativo dos novos socialistas estadunidenses
Keon Liberato é um camarada que representa muito bem este espírito. Jovem negro de família imigrante dominicana e porto-riquenha, é uma liderança sindical ferroviária da Divisão de Empregados da Irmandade de Manutenção de Vias (Brotherhood of Maintenance of Way Employees Division – BMWED/IBT) e também membro da direção nacional do DSA, o Comitê Político Nacional (National Political Committee – NPC). Leitor de Paulo Freire e morador da Filadélfia, Keon é hoje também um dos principais formuladores do DSA por uma política para a negritude e suas reflexões recentes combinam a crítica de seu próprio movimento com o apontamento de caminhos para superá-las. Um exemplo de marxista.
Revista Movimento – Olá companheiro Keon, muito obrigado por mais este contato. Você poderia começar se apresentando?
Keon Liberato – Primeiro, quero dizer obrigado por mais uma oportunidade para refletir e compartilhar algumas reflexões sobre o momento político em que nos encontramos e nosso caminho adiante. Meu nome é Keon Liberato, sou membro do caucus[1] Bread & Roses[2], que é um caucus marxista dentro dos Socialistas Democráticos da América. Sou também membro recentemente eleito do Comitê Político Nacional dos Socialistas Democráticos da América.
M – Em primeiro lugar, parabéns por sua eleição ao NPC! É uma ótima notícia! E para continuar: aqui do Brasil, temos acompanhado o levante antirracista nos EUA e já conversamos um pouco sobre este importante processo. Você poderia nos falar sobre ele?
KL – Quero começar com o que vejo como uma relação entre a luta antirracista e a luta de classes. Em minha opinião, a luta antirracista e a luta da classe trabalhadora estão entrelaçadas. Mas temos que deixar claro que assim como uma classe trabalhadora é diversa, também o é a natureza das lutas antirracistas. As forças sociais que se envolvem em lutas antirracistas são diversas em termos de sua classe e de seu interesse de classe. Há, por exemplo, forças liberais pró-capitalistas que estão engajadas em uma luta antirracista, e estão engajadas nessa luta de uma forma mais compatível com as formas liberais ou neoliberais do capitalismo. Estas formas de luta e as demandas em torno das quais se organizam não apoiam necessariamente a construção de um movimento de classe trabalhadora, e não apoiam necessariamente a construção do tipo de projeto socialista que precisamos neste período atual. Às vezes, estas forças liberais, pró-capitalistas, podem se sobrepor às forças da classe trabalhadora em certas questões. Por exemplo, os esforços para erradicar a discriminação no local de trabalho ou no emprego. Tanto a classe trabalhadora quanto as forças pró-capitalistas compartilham o desejo de acabar com o preconceito racial dentro do policiamento e de acabar com a brutalidade policial contra pessoas de cor.
No entanto, o antirracismo liberal é frequentemente tomado como um esforço para reformar o capitalismo, e para fazer o capitalismo funcionar melhor. Por exemplo, enquanto as forças liberais e socialistas reconhecem a existência de disparidades raciais em termos de saúde, saúde pública, educação, emprego e distribuição de riqueza, os liberais veem seu objetivo como uma tentativa de garantir que não haja disparidade entre pessoas de cor e brancos. Ou seja, eles estão preocupados em garantir que a proporção de negros sem assistência médica, bom emprego e sem outras necessidades sociais corresponda à proporção do tamanho [do grupo] na população. Para dar um exemplo, se os negros representam 12% da população americana, então na abordagem liberal faz sentido que 12% dos negros fiquem na pobreza e que 12% fiquem sem certas necessidades básicas, ao contrário da situação atual em que 27% dos negros estão na pobreza. Mas, como socialistas, não queremos simplesmente acabar com a disparidade entre brancos e negros, e brancos e pessoas de cor.
O que queremos fazer é acabar completamente com a pobreza. Queremos bons empregos para todos, queremos respeito e dignidade para todos, queremos saúde para todos, queremos que todos tenham o necessário para viver uma boa vida. Para nós, a porcentagem de pessoas – negros, brancos, etc. – que deveria estar sem assistência médica ou que deveria estar na pobreza é zero. E como socialistas entendemos o racismo como sendo tanto ideológico quanto organizacional ou estrutural. Ideologicamente, racismo significa que a sociedade criou uma forma de compreensão e conhecimento coletivo que implícita ou explicitamente projeta a branquitude ou o europeísmo como o padrão apropriado para medir o desenvolvimento humano positivo. Ao mesmo tempo, ele coloca tudo o que não é branco ou não europeu como aquilo que falta, e os negros são ideologicamente construídos como o oposto polar do ideal branco.
Os negros não são vistos como pessoas que enfrentam problemas em sua vida cotidiana. Eles são vistos como o problema em si e são vistos como um problema que deve ser enfrentado pela sociedade de uma forma ou de outra. A construção ideológica dos negros está profundamente enraizada na cultura de massa, nas representações da vida negra que não expressam as lutas reais e as aspirações dos povos negros. Também faz parte da indústria cultural, na qual capitalistas brancos e, às vezes, capitalistas negros trabalham para controlar as produções culturais que perpetuam essas representações particulares da vida negra.
Dentro das instituições acadêmicas, vemos a ideologia antinegra na forma de ausência de investigação profunda da luta negra, das culturas negras e da vida negra em seus próprios termos. E, claro, vemos isso na forma como políticos, empregadores e policiais retratam os negros como criminosos preguiçosos e uma praga para a sociedade. Bem, o racismo é organizacional, ou seja, é também estrutural. A classe trabalhadora dentro dos EUA e através das Américas tem sido organizada em camadas raciais de exploração e repressão política.
Em outras palavras, enquanto a classe trabalhadora como um todo sofre exploração, a distribuição na intensidade da opressão econômica, da repressão política e da exploração varia entre as linhas étnicas e raciais dentro da classe trabalhadora. As ocupações da classe trabalhadora com as melhores condições de trabalho e a maior estabilidade e proteção dentro do mercado têm sido historicamente reservadas aos trabalhadores brancos, enquanto os trabalhadores negros eram escravizados ou confinados às formas de trabalho mais perigosas e com salários mais baixos.
As ideologias raciais justificavam a organização racializada da classe trabalhadora. Entretanto, politicamente, isto ajudou a promover a divisão dentro da classe trabalhadora. Os trabalhadores brancos frequentemente viam e continuam a ver seu interesse como diferente dos trabalhadores negros. Eles frequentemente trabalham com os empregadores para proteger seus empregos contra os trabalhadores negros, limitando a participação dos negros em certas indústrias e atividades. Agora, naturalmente dentro dos EUA, após a abolição da escravidão, os capitalistas brancos estabeleceram [as leis] Jim Crow[3] para controlar os trabalhadores negros. Hoje, Jim Crow não existe mais, mas o legado da escravidão e da Jim Crow continua por meio da organização da classe trabalhadora. Isto é o que se reflete nas disparidades materiais e econômicas entre os trabalhadores de cor e os trabalhadores brancos.
M – E como você vê a situação da luta antirracista no movimento socialista?
KL – No final, não vejo nenhum caminho viável para a luta de classes e para o projeto socialista sem uma luta antirracista. Também não vejo a luta antirracista ser bem sucedida sem estar enraizada dentro do projeto socialista. Os dois devem estar unidos e, para que a luta de classes produza um movimento de libertação universal, ela deve abranger as lutas de todos os grupos sociais dentro da classe trabalhadora. A luta antirracista deve ser central, pois continua sendo uma divisão central dentro de nossa classe.
O movimento socialista deve desenvolver seu próprio antirracismo socialista da classe trabalhadora. Ela deve estar no centro de nosso trabalho, mas atualmente o antirracismo existe na periferia do projeto socialista. Isto é, os socialistas se mobilizam em torno de grandes expressões explícitas de opressão racial, mas um autêntico antirracismo operário tem que estar enraizado em uma profunda compreensão das lutas históricas dos grupos raciais oprimidos dentro de nossa classe. Isso significa compreender as tradições emancipatórias e os métodos de organização, bem como as lutas espirituais e culturais desses grupos. Significa também desenvolver e organizar a abordagem de uma prática organizacional que permita que essas tradições se enraízem em nosso movimento. Atualmente, a grande maioria das organizações socialistas não o faz. Elas dependem do que consideramos como exigências políticas amplas e universais como um meio de atrair todos os grupos da classe trabalhadora para a luta. O problema não são as exigências, as exigências são boas e são exigências apropriadas. O problema é a abordagem organizativa e a prática organizacional, que muitas vezes favorece as camadas profissionais brancas da classe trabalhadora. Isto, naturalmente, produz um resultado de organizações socialistas de maioria branca.
Dentro de uma sociedade altamente racializada como os Estados Unidos, uma organização majoritariamente branca em si mesma se torna um símbolo para as minorias raciais da classe trabalhadora, pois suas experiências e seus modos de vida particulares não podem ser compreendidos nem podem ser levados a sério pelos ativistas socialistas. A questão, evidentemente, para muitas pessoas de cor é “como uma organização pode ser um instrumento de luta para nossos grupos se eles não constituem pelo menos uma porção representativa de seus membros?” e isto é resultado, evidentemente, de dinâmicas raciais. As dinâmicas raciais das organizações socialistas continuam a se reproduzir, e com isso, uma incapacidade de aprender as lições e desenvolver percepções a partir de grupos de cor da classe trabalhadora. Esta barreira é substancial, mas a grande maioria da base da classe trabalhadora nos Estados Unidos é constituída por pessoas de cor. São também os grupos que têm as visões mais positivas do socialismo e também acreditam na necessidade de uma transformação democrática radical.
Tal transformação é para eles um interesse imediato que é sentido profunda e intensamente. A barreira será difícil de superar, mas não é de modo algum impossível de superar. Mais importante ainda, acredito que é necessário que superemos estas barreiras.
Parte do caminho para fazer isso é direcionar recursos e tempo para o recrutamento, construindo lideranças políticas entre as minorias da classe trabalhadora. Isto implicaria na construção de redes políticas e instituições democráticas populares dentro dos bairros ou áreas geográficas onde as pessoas vivem e onde elas passam seu tempo. Também requer a transformação de nossas organizações trabalhistas de baixo para cima em organizações democráticas de luta de classe militantes.
M – E, nesse contexto, quais são as perspectivas para o movimento socialista americano de hoje? Qual é o papel do DSA?
KL– É uma boa pergunta. Em minha opinião, o movimento socialista americano está atualmente rastejando. Há menos de 10 anos, o movimento não existia de maneira real e tangível, por isso fizemos alguns progressos reais, mas ainda estamos bem atrás de outros movimentos sociais em todo o mundo. Nosso campo do movimento está sem um centro político coerente, e o que temos é uma constelação de organizações socialistas muito pequenas misturadas como fundações de justiça social, sem fins lucrativos, que são organizações não governamentais com ativistas liberais anticapitalistas e de esquerda dentro delas.
Temos, além disso, meios de comunicação populares como a Revista Jacobin, que desempenhou um papel importante ao facilitar o debate de esquerda e a produção popular em massa de ideias esquerdistas nos últimos anos. Temos também outras publicações online como New Politics e uma proliferação de podcasts e mídias de rádio que se desenvolveram como parte do ecossistema de esquerda dos EUA.
Em muitos aspectos, acho que a esquerda americana renasceu algum tempo depois de 2011, após a onda de protestos do Occupy, e vem amadurecendo há anos, sendo alimentada por greves de professores, protestos em massa como o protesto indígena dos americanos nativos Dakota em Standing Rock[4], os protestos do Black Lives Matter e as campanhas eleitorais de esquerda, como as campanhas presidenciais de Bernie Sanders, de Ilhan Omar, Rashida Talib e Alexandria Ocasio-Cortez. Suas vitórias eleitorais e suas campanhas, assim como sua liderança no congresso, energizaram a esquerda. Mas o movimento socialista aqui nos Estados Unidos ainda não tem suas próprias pernas, nós estamos apenas rastejando. Ainda não estamos de pé, por enquanto. E isto está diretamente ligado ao que quero dizer quando falo sobre a questão da construção do poder através de organizações da classe trabalhadora a partir do nível local.
Para estarmos de pé, o movimento socialista deve desenvolver um centro político. O que quero dizer é que precisamos de nosso próprio instrumento político, que possa reunir os diversos projetos de justiça social e os movimentos sociais menores em um projeto unificado e dinâmico do movimento socialista. Nos Estados Unidos, os socialistas muitas vezes apelam para um partido político da classe trabalhadora. Muitas vezes tenho a impressão de que este partido é uma organização eleitoral, mas o que precisamos é de um partido ou de um instrumento que participe de eleições, mas que tenha um papel primordial de desenvolver estratégia política, programas, táticas e instituições de massa que organizem as pessoas da classe trabalhadora – no dia-a-dia, é claro.
Tal instrumento facilitará o desenvolvimento de redes de organizações políticas democráticas de massa através das quais as pessoas comuns passariam por transformações políticas através do trabalho de desenvolver coletivamente soluções anticapitalistas para as preocupações diárias. Estas organizações poderiam servir como centros de educação política, compartilhamento de informações e de chamados através dos quais os socialistas recrutariam pessoas da classe trabalhadora para o instrumento político. Esta organização democrática de massa será também os órgãos de mobilização de massa para a luta de classes.
Em minha opinião, o DSA poderia se tornar o instrumento político de que precisamos. No entanto, ainda não está lá. O DSA, os Socialistas Democratas da América, tem um número de membros. Temos mais de 17.000 membros, o que não é muito comparado com organizações socialistas do passado nos EUA, que tiveram mais de um milhão em algum momento, mas é bastante grande em comparação com todas as organizações socialistas atuais.
Também tem o caráter democrático necessário que queremos ter em nossas organizações, mas o DSA também é limitado por três fatores principais, dois dos quais são comuns à grande parte do movimento socialista de esquerda neste país. O primeiro é que o DSA, embora mais diversificado do que talvez tenha sido há uma década, ainda é esmagadoramente branco e insuficientemente enraizado na base da classe trabalhadora em nosso país. Como mencionado anteriormente, em uma sociedade altamente racializada, como os EUA, uma organização majoritariamente branca envia uma mensagem às minorias raciais da classe trabalhadora de que suas experiências e seus modos de vida particulares não serão compreendidos, nem serão levados a sério pelos ativistas socialistas.
Tal avaliação pode ser injusta, mas é o que é e, em certa medida, sem a presença significativa de pessoas com experiências diferentes, essas experiências estão ausentes de uma organização. A segunda questão que devemos tratar no DSA é que devemos aprender a nos engajar no debate de princípios e na luta interna de uma maneira que nos fortaleça em vez de nos derrubar. Há momentos em que os camaradas dentro da organização lançam ataques políticos de formas que não estão fundamentadas. Por outro lado, há camaradas que temem uma liderança política.
Em uma democracia, devemos ter um debate rigoroso, informado e fundamentado. Também devemos tomar decisões, e devemos ser capazes de colocar todos os nossos esforços para agir. Esta cultura política é diferente para muitos ativistas, com exceção dos sindicalistas. A realidade é que muitos de nós da esquerda fomos socializados em uma cultura política liberal onde nivelamos a democracia com todos fazendo o que acham que melhor para si, sem consideração pelo coletivo.
Mais uma vez isto não é particular ou exclusivo do DSA, é uma característica geral da esquerda norte-americana e da cultura política dos EUA dentro desta geração. Mas acho que isto está mudando e é algo que seremos capazes de superar. Finalmente, o DSA deve passar por uma mudança na estrutura organizacional. O DSA é muito descentralizado, precisamos ter uma orientação nacional mais forte e um modo mais nacional de fazer nosso trabalho político. Fazer isso pode nos permitir coordenar melhor nossos recursos e nossas forças para ter um maior impacto político.
No total, estes três aspectos são as maiores fraquezas do DSA, mas nenhum deles é grande demais para ser superado se tivermos clareza e um trabalho árduo e persistente. Com estas mudanças, estou confiante de que o DSA se colocará na trajetória para se tornar um instrumento político e um centro político que a esquerda nos EUA necessita. Isto sem dúvida terá implicações políticas significativas para a esquerda global, já que estamos na “barriga do monstro” imperialista.
M – E como você vê o estado da luta internacional hoje, depois do levante antirracista? Podemos derrotar Trump e Bolsonaro se nos unirmos?
KL – Primeiro, quero dizer que estou confiante de que juntos podemos derrotar Donald Trump e Bolsonaro. No curto prazo, esta é a tarefa importante. Certamente é importante para melhorar a posição de nosso movimento e salvar vidas, mas, a longo prazo, o que nos deve preocupar é o trabalho de fragmentar e desarmar as forças que estão por trás de Trump e Bolsonaro. Em termos do estado da luta internacional atual, penso que há muita coordenação internacional, estratégia e solidariedade prática real, o que é necessário. Da minha perspectiva, vejo muita solidariedade simbólica por meio de declarações escritas e, às vezes, demonstrações de solidariedade. Mas o que precisamos é de uma verdadeira ação de protesto contra a política externa imperialista e contra o apoio ao fascismo.
Por exemplo, se o movimento socialista americano tivesse o tipo de forças de que precisávamos, seríamos capazes de mobilizar milhares, talvez centenas de milhares contra as tentativas de golpe dos EUA contra outros governos. Seríamos capazes de nos mobilizar contra os ataques imperialistas aos movimentos operários e socialistas na América Latina, no Caribe e em outros lugares.
O mesmo poderia ser dito de nossos camaradas na América Latina e no Caribe. O que isto significa é que para que o movimento socialista possa atuar em verdadeira solidariedade socialista precisamos ter forças e capacidade organizacional suficientes para fazer da política externa dos EUA um ponto central de disputa nas eleições americanas. Atualmente o imperialismo dos EUA está confinado às discussões sobre se vamos ou não à guerra e sobre o custo financeiro da guerra. Raramente se discute um custo humano e quase nunca se discute entre a grande maioria do público americano sobre os empreendimentos imperialistas cotidianos que estão sendo executados pelos EUA. Para a grande maioria de nosso público, estas coisas não existem.
Para muitos socialistas, com exceção daqueles que se interessaram particularmente por assuntos internacionais, a política externa americana não é central para nosso discurso político e nossa prática política. A menos que construamos instituições da classe trabalhadora internacional e a menos que construamos forças socialistas suficientemente poderosas dentro de cada um de nossos países, eu não sei quanta solidariedade material concreta podemos oferecer. O que eu sei é que devemos construir nossas forças dentro da arena política e devemos fazer nossas forças dentro de nossas organizações trabalhistas para que possamos nos unir em todo o mundo com outros movimentos de trabalhadores que tendem a ser as organizações com os números e a escala para nos engajarmos no tipo de ação política que é necessária.
Finalmente, quero apenas abordar o estado da luta antirracista dentro dos Estados Unidos hoje. Desde o início dos protestos de George Floyd temos visto massas e massas puxadas pelas milhões de pessoas em todo o país que haviam saído às ruas para protestar contra a brutalidade policial, pela justiça racial e para mostrar solidariedade por trás da ideia de que vidas negras são importantes. Neste ponto, vimos muitos protestos começarem a diminuir em termos do número de ações e da quantidade de pessoas.
Entretanto, acho que estamos vendo muitas conversas sérias acontecendo dentro dos sindicatos, dentro das organizações políticas e dentro das comunidades sobre como nos organizamos para fazer com que vidas negras sejam importantes. Nesta segunda-feira, haverá uma série de ações de protesto lideradas por sindicatos de trabalhadores em apoio à questão das vidas negras e pedindo um plano econômico de justiça racial para as vidas negras. O movimento continua a se desenvolver e a se desdobrar, mas precisa desesperadamente de uma liderança forte da classe trabalhadora e da liderança socialista.
[1] Caucus é o nome dado aos grupos políticos internos que compõem o DSA. Não confundir com o caucus eleitoral realizado em alguns estados dos EUA.
[2] A página The Call (socialistcall.com) é a ferramenta de difusão do caucus Bread & Roses.
[3] As legislações de Jim Crow foram o conjunto de leis estaduais e locais promulgadas no final do século XIX e início do XX que impunham a segregação racial em diversos estados norte-americanos. A expressão provavelmente origina-se da canção racista “Jump Jim Crow”, lançada em 1832.
[4] Grande mobilização do povo Dakota contra a construção do oleoduto de acesso Dakota em 2016.