Andrés Arauz: “Temos o desafio de chegar à presidência em meio a uma forte perseguição política”
Sobre as eleições no Equador.
O partido de Rafael Correa chacoalhou o tabuleiro eleitoral ao apresentar o seu candidato a presidente. A escolha de Andrés Arauz, economista de apenas 35 anos, é a grande aposta da frente União pela Esperança (UNES) para ganhar as eleições de 7 de fevereiro. Arauz foi diretor-geral do Banco Central do Equador, além de ocupar outros cargos na administração pública durante as presidências de Correa. Já com Lenín Moreno no Executivo se voltou para a atividade acadêmica. O economista, doutorado na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), publicou artigos lapidares criticando o avanço do FMI durante o governo do ex-aliado do correísmo. O candidato busca se desvincular de possíveis comparações com Moreno. “Necessitamos fortalecer o poder cidadão para que o povo não volte a permitir a existência de outro traidor”, sustentou no diálogo com o Página12.
-Boa parte da população equatoriana não o conhece. Por que você foi escolhido como candidato?
– Os companheiros analisaram muito bem o que vivemos com Moreno: tivemos um candidato que ganhou e agora está destruindo o país. Minha figura representa que podemos ter um bom candidato e assegurar-nos uma boa presidência. Além disso, estamos apostando por uma mudança geracional não somente do próprio projeto da Revolução Cidadã, como denominamos o processo inaugurado em 2007, mas da política equatoriana em seu conjunto. A proposta dos companheiros significou me dar muita confiança. E decidi assumir o desafio.
– Você vai se converter num novo Moreno?
-Moreno tem uma enorme falta de consciência histórica que atentou contra o desenvolvimento de nosso país. Os companheiros viram em mim não só uma vida inteira de vocação ao serviço público e alguém bem formado, mas que ademais possui consistência em termos de princípios e valores. E por isso não creio que devam se preocupar com uma nova presidência “a la Moreno”.
-Pensaram na fórmula Alberto Fernández-Cristina Fernández de Kirchner quando armaram sua candatura?
-Creio que a comparação é inevitável. Mas diferentemente para nós é o que encarniçado do processo que está vivendo Rafael Correa. Existe uma vontade de exclui-lo da cédula eleitoral e excluir toda a nossa força política. Na Argentina, o peronismo em sua concepção ampla nunca esteve ameaçado como força política. No Equador, esse risco é muito maior. Se ganharmos teremos que assumir o desafio de chegar a presidência num contexto de grave perseguição política.
– A governabilidade está em risco, se vocês chegam ao poder?
– O que nos interessa é recuperar a institucionalidade democrática que foi desbaratada pelo governo de Moreno. Nestes anos fizeram arbitrariedades como tirar todos os juízes da Corte Constitucional e mudar reiteradamente o órgão encarregado de nomear magistrados. Nós temos que assegurar uma verdadeira independência judicial. Para o qual nos articularemos com o Relato Especial de Independência Judicial da Organização das Nações Unidas (ONU). Esse vai ser um pilar de nossa gestão. O país não pode estar com vinganças nem revanches. Tampouco com impunidade.
– Recentemente você mencionou que estava em perigo a realização das eleições.
– Lamentavelmente sim. Nos preocupa que alguns porta-vozes do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) tenham dito que talvez não vá haver dinheiro para as eleições. Já tentaram adiá-las para que a Justiça tenha tempo e chegue a uma sentença firme contra o ex-presidente por causa de “Subornos”. Então sim, há um risco real sobretudo a partir desta semana. Nossas candidaturas irromperam no cenário eleitoral e geraram uma espécie de desespero por parte das forças da direita.
-Em que situação está a inscrição de seu partido e a candidatura de Correa?
-Depois que tentaram nos excluir, o partido Centro Democrático nos abriu as portas para encarar as eleições. Agora se vem uma fase de aceitação das candidaturas que vamos fazer nos próximos dias. Depois termos que nos escrever ante o CNE e esperar que decidam se validam ou não a inscrição de Correa. Vamos lutar até a última instância para que ele possa ser candidato.
Você participou da elaboração de informes sobre o que foi o processo eleitoral na Bolívia no ano passado. Como farão para prevenir que não ocorra o mesmo no Equador?
-Aspiramos a ter um amplo apoio internacional de todas as instâncias de observação eleitoral. Além disso, queremos contar com a observação de diversos partidos políticos da América Latina. Mas tão importante como a participação externa é a interna. Queremos que participem todos os partidos do país.
– Nos últimos anos sofreram dados instituições regionais construídas por governos progressistas, como a UNASUL. Vocês vão buscar reinstalá-los?
-Para nós foi muito indignante que Moreno tenha renunciado que Quito seja a capital sul-americana da UNASUL. Isso é imperdoável. Um pilar de nosso governo vai ser a integração regional. Se isso significa reviver ou reconstruir uma UNASUL 2.0 perfeito, vamos por aí. E se significa fortalecer a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) para que possa ter uma ancoragem institucional, também vamos avançar nesse sentido.
– Tanto a Argentina como o Equador viveram nestes anos uma nova reabertura aos programas do FMI. Como se pode rever essa situação?
– Não necessitamos nos endividar mais com o FMI. Vamos ter uma posição absolutamente soberana com relação a esse tema. Formar uma frente comum com países como a Argentina é imperativo para enfrentar este tipo de organismo. Assim como os credores vão se organizar para exercer mais pressão, os países também devemos coordenar nossas ações para poder representar em unidade a nossos povos. Nossa prioridade vai ser por dinheiro no bolso das famílias equatorianas, para poder lutar contra esta crise. O governo de Moreno nos deixa um país destroçado, com altos níveis de pobreza e fome.
– O que você acredita que faltou durante as presidências de Correa para que o Equador não chegasse à situação atual?
– No governo de Correa foram construídos fundamentos sólidos para poder seguir uma senda de desenvolvimento. Talvez o elemento que faltou, pela velocidade com a qual se avançou desde o Estado, foi consolidar o poder popular. Avançar na construção de uma consciência coletiva que possa defender seus direitos sem que dependa exclusivamente de um governante. Nos comprometemos a aprofundar uma construção política de baixo para cima, para que o povo não volte a permitir que outro traidor o governe.
Artigo originalmente publicado em Página 12. Reprodução da tradução realizada por Charles Rosa para o Observatório Internacional da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco.