Colômbia, além da noite de fúria e revolta

O brutal assassinato do advogado Javier Ordóñez pelas mãos da polícia desatou uma onda de revolta sem precedentes na Colômbia.

Israel Dutra e Theo Louzada Lobato 12 set 2020, 17:32

O brutal assassinato do advogado Javier Ordóñez pelas mãos da polícia colombiana desatou uma onda de revolta sem precedentes. De forma violenta e desordenada, o 9 de setembro entrou para a história da Colômbia. Uma batalha campal que, em plena pandemia, deixou um saldo de 13 mortos e 413 feridos até aqui, durante as noites dos dias 9 e 10. As cenas da morte, gravada em vídeo, de Javier – eletrocutado até a morte por policiais que abordaram ele e seu grupo de amigos que estavam bebendo na rua – lembraram muito o caso de George Floyd, que iniciou as mobilizações nos Estados Unidos e colocaram o povo colombiano novamente em revolta.

A polícia colombiana é um dos temas de maior polêmica no país há algum tempo. Trata-se de uma força militarizada, vinculada ao Ministério de Defesa e com a hierarquia e métodos de punição todos construídos na lógica militar. Assim como no Brasil, a militarização da polícia facilitou que casos de violência policial fossem comuns no país, especialmente em bairros da periferia. Soma-se a isso a relação direta com o Mossad – polícia secreta israelita – e com forças norte-americanas, mostrando que o treinamento repressivo colombiano se constrói de forma extremamente violenta e antipopular. Não à toa, as revoltas atuais se concentram em bairros mais periféricos de Bogotá como Fontibon, Suba e Villa Luz, tendo como protagonista uma juventude empobrecida que têm atacado diretamente os centro de detenções e espaços vinculados à polícia colombiana.

Essa onda de revoltas, porém, ocorre num contexto particularmente difícil. Iván Duque, o atual presidente, constrói o que talvez possa ser considerado o regime mais reacionário da América do Sul. Nos últimos meses já foram 33 “massacres”, ou seja, chacinas organizadas por grupos paraestatais contra camponeses e ativistas de direitos humanos, com apoio ou aceitação governamental, no meio de negociações de paz no país após décadas de confrontos entre o governo e as FARCs. O último dia 20 de agosto é um exemplo dessa política genocida: em 24 horas, houve 17 mortos em três diferentes pontos do país.

Nas cidades, outro assassinato, de Dilan Cruz, no final do ano passado, tornou-se símbolo de manifestações nacionais contra o governo. O Estado colombiano já vinha há tempos sendo questionado pelo movimento estudantil e outros setores no país por seus ataques à educação e por sua corrupção sistêmica, mas a morte desse jovem de 18 anos durante as manifestações por agentes da Esmad (polícia de contenção à protestos) fortaleceu o sentimento antigoverno, o descontentamento geral e a luta de rua. Abriu-se uma crise nacional e uma indignação grande contra os governantes colombianos, possibilitando, inclusive, vitórias da oposição em diversas cidades importantes durante as eleições regionais.

As recentes manifestações após a porte de Ordóñez marcam a entrada da juventude dos bairros periféricos como protagonistas, alguns dos principais atingidos por essa violência se revoltam em seus próprios bairros fazendo com que o governo seja incapaz de controlar por diversas horas partes da cidade e permaneceram tomada pelos manifestantes em revolta. A indignação no país é grande. O desafio, porém, também passa por algo que ainda tem de ser feito: a construção de um programa antirrepressivo, capaz de enfrentar os aparelhos desse atual regime e ganhar maioria social numa ampla oposição.

A situação da Colômbia não está isolada e se insere num contexto latino-americano de extrema instabilidade e de revoltas populares. A dinâmica de lutas sociais no Equador, que tiveram a população indígena como protagonista e geraram uma enorme crise no governo de Lenín Moreno, e do Chile, que colocaram milhões de pessoas nas ruas abrindo um debate sobre uma constituinte no país, mostram um novo momento no continente. A Bolívia, que se encontra numa intensa disputa entre as forças reacionárias golpistas e um povo em mobilização permanente é um reflexo dessa instabilidade que permite mudanças reais na correlação da luta de classes latino-americana. Nesse contexto continental, a criação de laços entre os povos em luta é ainda mais fundamental.

É fundamental que, do Brasil, manifestemos solidariedade à luta na Colômbia. Já se ensaia a construção de um dia nacional de paralisação para o 14 de setembro. Será necessário unir a solidariedade de organismos de direitos humanos e agentes sociais capazes de denunciar o que acontece no país. Os assassinatos feitos pelas forças policiais são parte de um contexto de constantes massacres do povo colombiano – Iván Duque e seus aliados mantém-se no poder sustentando-se numa das estruturas mais sanguinárias do continente. É um desafio do povo colombianos fortalecer um programa e um movimento de oposição de ampla maioria social capaz de derrotar esse regime. De nossa parte, devemos prestar solidariedade ativa, construindo pontes internacionais de pressão, denúncia, apuração e divulgação de abusos contra os direitos humanos e os diversos ataques ao povo em curso no país.


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