Pelo ajuste e pelo regime, abraços e pizza em Brasília
O “velho normal” em Brasília: abraços, pizzas e um grande acordão pelo ajuste contra o povo e em defesa dos corruptos de sempre.
Nas últimas semanas, os círculos de Brasília animaram-se com o retorno ao “velho normal”: após meses de sessões virtuais, a imprensa volta a noticiar a profusão de almoços, jantares, encontros e até pizzadas envolvendo os líderes dos Três Poderes. Bolsonaro tem sido frequentador assíduo destas reuniões, nas quais busca costurar alguma saída temporária para a condução de sua política econômica e costurar as condições de um acordo para enterrar investigações de corrupção que pesam sobre as principais lideranças políticas da burguesia e que ameaçam o círculo familiar presidencial.
O abraço caloroso entre Bolsonaro e Toffoli é a representação da mudança de rota do governo. Depois de um primeiro semestre em que a militância bolsonarista protagonizou manifestações que exigiam um novo AI-5, o fechamento do Congresso e do STF, agora Bolsonaro chuta das posições de destaque no governo e no parlamento até mesmo seus aliados mais ruidosos em busca de uma aproximação com sua nova base no “centrão” e com as velhas lideranças da alta burocracia brasiliense. O prato principal dos encontros é a realização de um ajuste duro e a divisão das responsabilidades para governar, diante da dificuldade da situação. De quebra, enquanto se aprecia a sobremesa, aquele “grande acordo nacional” de que falava o ex-senador Romero Jucá começa a tomar forma.
Após semanas de indefinição sobre o plano para o ajuste, Rodrigo Maia e Paulo Guedes puseram-se de acordo, em reunião recente, sobre o que consideram essencial: impedir que prospere qualquer discussão sobre a “flexibilização” do teto de gastos, elevando-o a norma sacrossanta para garantir a consolidação fiscal e a remuneração dos rentistas brasileiros e transnacionais, que vinham dando sinais claros de que queriam um fim na baderna diária encenada pela escória ministerial e pelas lideranças parlamentares, engolfadas numa luta de facções e camarilhas sobre o sentido e o protagonismo do ajuste estrutural em curso.
“Eu terminei com a Lava-Jato”
Após se colocarem de acordo sobre a preservação do teto, acalmando a banca e o rentismo, Bolsonaro anunciou com todas as letras que havia “terminado com a Lava Jato” para alegria das lideranças do “centrão” corrupto e alívio de personagens como Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz e Frederick Wassef, que se encontravam sob pressão crescente do Judiciário. Ao mesmo tempo, em seu périplo em Brasília, Bolsonaro garantiu a aceitação de membros da alta burocracia e da cúpula do Senado à nomeação de Kássio Nunes, desembargador piauiense próximo a Ciro Nogueira, presidente do PP e réu em casos da Lava Jato.
Ficaram no passado as declarações eleitorais de Bolsonaro sobre a prioridade do “combate à corrupção” enquanto Sérgio Moro amarga isolamento e desprestígio – sua esposa fala em mudança para o exterior. As jogadas oportunistas de Moro terminaram quando Bolsonaro, ameaçado pelas investigações contra sua família, demonstrou seu interesse em controlar a Polícia Federal e órgãos de inteligência e controle. Ejetado de um governo a que aderiu coroando sua intervenção política no processo eleitoral de 2018 e sua aproximação com a extrema-direita, o ex-juiz agora assiste ao desmonte das forças-tarefa da Lava Jato, comandado por Augusto Aras, sob aplausos dos partidos do governo, da maior parte da oposição (à direita e à esquerda), “com Supremo e com tudo”. Ao final, resta aos bolsonaristas mais estridentes e golpistas, como Sara Winter, reconhecer em suas patéticas reclamações de redes sociais o óbvio: o governo não só é tolerante com a corrupção, como é um antro de corruptos.
As fissuras no acordão
Apesar do clima festivo em Brasília, as fissuras no acordão abundam. A começar, estão em curso as eleições municipais, marcadas pela instabilidade da conjuntura, nas quais o bolsonarismo encontra dificuldades de se apresentar claramente, fruto de seu fracasso em montar um partido. Bolsonaro, então, apoia-se, mais ou menos explicitamente, em candidatos do “centrão” como Russomanno e Marcelo Crivella. As oposições, por sua vez, encontram-se pulverizadas e com dificuldades de pressionar o governo com a força necessária.
As eleições ocorrem enquanto se desenvolvem a crise do regime e os efeitos econômicos da pandemia da Covid-19, que escancarou o empobrecimento do povo brasileiro, marcado pela informalidade e pelos maiores índices de desemprego da história do país. A saída vislumbrada pela burguesia e seus representantes só aprofundará o mal-estar social.
Assim que terminar a campanha municipal, as “reformas” – que unificam governo, as outras expressões de direita parlamentar, as principais frações burguesas e seus porta-vozes na imprensa – serão impostas para o país numa verdadeira agenda de ataques para a qual também o STF tem contribuído, haja vista a recente liberação da entrega das refinarias da Petrobrás. Cortes salariais do funcionalismo, congelamento do salário mínimo, de aposentadorias e de pensões, extinção do abono salarial e do seguro-defeso, cortes no benefício de prestação continuada, proibição de concursos públicos e até mesmo desvinculação de repasses constitucionais para a saúde e a educação estão no cardápio que se especula diariamente pela imprensa burguesa, como se todos não estivessem sentados num verdadeiro barril de pólvora prestes a explodir e quando as mortes por Covid-19 no Brasil aproximam-se da trágica marca de 150 mil.
Resistir e denunciar o governo
A busca pelo governo de maior estabilidade política com a obtenção de maior trânsito nos tribunais e por um acordo com o “centrão” pode fazer água rapidamente a depender da evolução da crise e até mesmo de novas notícias sobre as investigações contra o entorno bolsonarista. A dinâmica internacional, marcada por uma recessão inaudita em 2020, também não é favorável, como mostram as dificuldades eleitorais de Trump, o amo de Bolsonaro, e o escândalo internacional das queimadas, que começa a criar constrangimentos para as transnacionais agropecuárias e os latifundiários brasileiros.
É necessário e é possível resistir. Não será simples a imposição da linha de terra arrasada e destruição nacional que o bolsonarismo e a “oposição” de direita igualmente defendem. Sem perder de vista a unidade de ação democrática contra qualquer ataque às liberdades civis – como nas tentativas recentes de censura à atleta Carol Solberg e a nossos camaradas de PSOL Sâmia Bomfim, Glauber Braga e Guilherme Boulos –, devemos aproveitar o processo eleitoral para construir um polo, uma alternativa política real ao bolsonarismo e à velha direita para resistir e dar esperança a setores de massas no Brasil.