“Nossa principal tarefa é derrotar o bolsonarismo e a extrema-direita”

Entrevista com Sâmia Bomfim, deputada federal e líder da bancada do PSOL na Câmara

Sâmia Bomfim 9 nov 2020, 18:40

Numa semana importantíssima para os povos latino-americanos, Sâmia Bomfim, a líder do PSOL na Câmara dos Deputados, viajou à Bolívia como observadora do Parlasul para acompanhar a reta final da campanha e a eleição presidencial na Bolívia. Como parte de uma comitiva internacionalista de nosso partido, Sâmia também manteve uma agenda de reuniões com lideranças políticas e dos movimentos sociais bolivianos e pôde acompanhar a forte vitória de Luis Arce, do MAS, em primeiro turno, apoiado pela enorme mobilização popular e pela resistência ao golpe protagonizada pelo povo boliviano.

Num intervalo de sua intensa agenda, Sâmia concedeu esta entrevista à Revista Movimento para falar de sua atividade na Bolívia, mas também para compartilhar com nossa militância e nossos leitores seu balanço da atuação do PSOL em 2020, do enfrentamento ao governo Bolsonaro e das possibilidades do partido nas eleições municipais em curso.

Revista Movimento – Sâmia, muito obrigado por conversar conosco. Você é a nova líder do PSOL na Câmara, dando continuidade ao trabalho que a Fernanda Melchionna veio fazendo ao longo deste ano em combate ao governo Bolsonaro. Que balanço você faz dos principais enfrentamentos em que o partido se envolveu neste ano?

Sâmia Bomfim – A revista Veja apresentou o PSOL como o partido que mais fez oposição ao governo Bolsonaro em todas as esferas – em oposição ao desmonte do meio ambiente, à tentativa de restrição das liberdades democráticas, à agenda ultraliberal, ao ataque às trabalhadoras e aos trabalhadores da cultura… Além disso, foi apresentado como o partido que mais teve iniciativas e projetos relativos à pandemia da Covid-19 que, infelizmente, não foram levados adiante porque a gente tem um genocida, um irresponsável, na presidência da República e porque o parlamento tem os seus limites com a agenda da austeridade, ou seja, por mais que tenha aprovado medidas importantes para o enfrentamento da pandemia, não foi tudo de que o povo brasileiro necessitava.

O PSOL teve destaque em dois momentos fundamentais no ano: a aprovação do auxílio emergencial, sem o qual o Brasil não teria enfrentado a pandemia porque os desempregados e os trabalhadores informais ficariam sem renda nenhuma – e foi o PSOL o autor da emenda que garante dupla cota para as mães chefes de família, o que é fundamental como justiça para milhões de mulheres brasileiras que passam muita dificuldade para sustentar as suas famílias –; e a deputada Fernanda, o David e eu protocolamos o primeiro pedido de impeachment, que recolheu um milhão de assinaturas na internet e contou com o apoio de intelectuais e artistas, como Felipe Neto, Rosana Pinheiro-Machado, Sílvio Almeida Vladimir Safatle, entre outros, que foi uma resposta fundamental da sociedade num momento em que o Bolsonaro se aproveitava do contexto da pandemia para tentar avançar, com as suas práticas autoritárias, na tentativa concreta de fechamento do regime. Foi uma resposta fundamental da sociedade. Desde então, vários outros pedidos de impeachment foram protocolados e o rechaço ao Bolsonaro se intensificou.

M – O governo tem sinalizado o envio em breve de uma proposta de “reforma administrativa” para a Câmara. Quais são os impactos desta proposta para os serviços públicos e para o funcionalismo caso seja aprovada?

SB – A reforma administrativa é um desmonte completo do regime próprio dos servidores públicos e dos serviços públicos. Então, acaba com a estabilidade, aumenta muito o espaço para o assédio moral, para a perseguição política e para a demissão em massa, além da substituição de servidores de carreira por comissionados, indicações políticas, apadrinhamento e os consequentes resultados que isto tem, como as “rachadinhas” e o aparelhamento da máquina pública. Também propõe substituir os concursos por modelos de contratação, inclusive de contratações precárias, fazendo com que o serviço público tenha profissionais menos comprometidos com o trabalho, com o atendimento da população e mais suscetíveis à vulnerabilidade do mercado e à pressão dos patrões.

A reforma também propõe a substituição dos serviços públicos pelos serviços privados: na educação, a utilização de “vouchers” em vez do investimento em escolas públicas, por exemplo; na saúde, propõe que haja maior parceria com a iniciativa privada, ou seja, esse escândalo das máfias das OSs que dominam o serviço de saúde em boa parte das cidades – como, por exemplo, em São Paulo – seria ainda mais a regra. Então, é uma situação muito dramática e, sem dúvida, é uma das principais pautas que o Paulo Guedes quer aprovar no próximo período – e nisso ele conta com uma unidade muito grande com o Rodrigo Maia e com o “centrão”. Portanto, este vai ser um tema em que é muito necessário o PSOL envolver-se para construir uma mobilização junto com os sindicatos, os servidores e a sociedade porque é uma luta fundamental para a manutenção de direitos para a população mais pobre que depende dos serviços públicos, mas também para os servidores que trabalham bastante, não são privilegiados e agora se tornaram o alvo da política de Guedes.

M – A pandemia da Covid-19 escancarou a alta informalidade do trabalho e os maiores índices de desemprego da história do país. Enquanto isso, o governo corta o auxílio emergencial pela metade e pretende encerrá-lo no fim do ano. Que medidas o PSOL tem defendido para proteger as famílias trabalhadoras?

SB – Mesmo antes da aprovação do auxílio emergencial, o governo Bolsonaro não queria garanti-lo para a população brasileira. A princípio, ele propôs um “voucher” de 200 reais. Foi a partir de um processo forte de articulação do PSOL junto a outras bancadas em que nós conseguimos os 600 reais. Quando houve a redução pela metade, nós denunciamos fortemente porque é um impacto muito grande para os trabalhadores informais e para os desempregados que ainda não têm, infelizmente, perspectiva de conseguir uma fonte de renda, um trabalho, ou mesmo ter alguma estabilidade no mercado formal de trabalho. Portanto, nós apresentamos um projeto para que a renda seja permanente no valor de 600 reais. Nós damos, inclusive, algumas sugestões de fontes de financiamento, vinculando-as a um debate já histórico que o PSOL faz de taxação das grandes fortunas, de uma reforma tributária que tire dos ricos para que os mais pobres possam ter algum tipo de dignidade, de renda, de sobrevivência. E, agora, nós estamos, no plenário, em obstrução para que a MP 1000 – a que reduziu o valor do auxílio para 300 reais – possa ser finalmente pautada porque nós apresentamos sete destaques, justamente, para a manutenção do valor, para que ele se torne permanente e para que mais pessoas possam ser abarcadas pelo benefício. Então, essa é a nossa principal pauta porque ela atinge quase metade da população brasileira e porque ela garante renda num contexto em que a previsão é muito ruim para a população brasileira, já que não há uma previsão de melhoria na situação econômica para o Brasil.

M – Em conjunto com Fernanda Melchionna, David Miranda e outras lideranças nacionais, você encabeçou um pedido de impeachment de Bolsonaro que recolheu mais de um milhão de assinaturas. Por que a mobilização pelo impeachment não avançou em 2020? Qual é a responsabilidade da oposição?

SB – Nós protocolamos o pedido de impeachment no início da pandemia no Brasil, quando estava muito escancarada a irresponsabilidade social, sanitária e o obscurantismo do Bolsonaro. Havia diferentes parcelas da sociedade, da mídia, dos cientistas e da comunidade internacional rechaçando a postura do Bolsonaro, ao mesmo tempo em que ele se aproveitava do contexto da pandemia para avançar sua tentativa de fechamento do regime no Brasil, que é o seu projeto e que ele nunca escondeu. Então, nosso protocolo foi fundamental para dar uma resposta à altura: ele conseguiu engajar muitas pessoas nas redes sociais, mais de um milhão de assinaturas, várias pessoas de destaque e figuras públicas também assinaram. Mas é evidente que, para a derrubada de um governo, é necessário um processo de mobilização do povo e, com o contexto da pandemia e do isolamento social, a preocupação com a perda da renda e do emprego, das vidas dos familiares, foi muito difícil, para não dizer impossível, construir uma jornada de lutas, um processo massificado de mobilizações para poder, de fato, impor essa derrota ao Bolsonaro.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também teve muita responsabilidade junto com a sua base aliada porque houve um momento muito importante de isolamento do Bolsonaro e, mesmo assim, Maia preferiu sentar em cima do pedido de impeachment. Àquele momento já não era só o nosso, havia dezenas de pedidos de diversos partidos e entidades, mas ele preferiu apostar em uma recuperação do Bolsonaro ou no fato de que poderia ser possível domesticá-lo ou mesmo que o Congresso poderia conduzir o país e não mais o presidente da República. E ele contou, infelizmente, com o apoio de parte da oposição brasileira, que, primeiramente, vacilou a propor o impeachment, mas depois também endossou a postura de Maia, não fez a pressão e nem a mobilização de redes que nós, parlamentares do PSOL, Fernanda, David e Sâmia, conseguimos construir com o nosso protocolo de impeachment.

Houve também um momento de mobilizações antifascistas e dos entregadores que foram processos muito importantes de luta. Infelizmente, neste momento, também vários partidos de oposição desconvocaram essas mobilizações, desestimularam as pessoas a ocuparem as ruas em um momento em que havia um nível de indignação social muito grande. Eram lideranças novas, de setores do precariado, das torcidas organizadas e de jovens das periferias, ou seja, um setor fundamental para desenvolver um processo de luta e, inclusive, disputar parte da base de apoio do bolsonarismo. Mas infelizmente, pelo não comprometimento e por não terem apostado na via da mobilização, não foi possível. Agora, a verdade é que o Bolsonaro deu um giro na política e tem o apoio de uma base significativa do “centrão” dentro do Congresso Nacional. É claro que, agora, é um momento mais difícil para todos nós.

M – Está em andamento a campanha eleitoral municipal. Como você avalia as possibilidades do PSOL? Que desafios e possibilidades tem o partido nesta eleição?

SB – O PSOL está com um excelente desempenho nas pesquisas em várias cidades do país. Eu destaco São Paulo, com o Guilherme Boulos, Florianópolis e Belém. O partido tem também a possibilidade de eleger seus primeiros vereadores em muitas cidades, ou mesmo de ampliar a bancada onde já tem vereadores. Eu acho que isso é o fruto de um balanço que se faz da atuação do PSOL, de um partido coerente, combativo, que sempre defende os interesses dos trabalhadores, que denuncia a corrupção, não se envolve em esquemas de corrupção. Então, ele tem crescido como uma referência para a sociedade como um partido em que vale a pena apostar, eleger e fortalecer na política. Eu acho que a nossa principal tarefa é derrotar o bolsonarismo e a extrema-direita no processo eleitoral. Ao mesmo tempo, precisamos conseguir apresentar um programa que, de fato, responda às principais necessidades do povo brasileiro, que são muitas, do ponto de vista da saúde pública, da geração de emprego e de renda para a população.

Acho que são muitas as possibilidades do partido sair com uma estatura maior e despontar como uma alternativa de esquerda. Principalmente nas cidades, e não são poucas, em que o PT tem muita dificuldade de lançar candidatura, de empolgar a sua própria militância ou de tentar resgatar os votos que ele já teve um dia. Essas eleições de 2020 são um bom momento para o PSOL. É claro que existem muitos perigos no momento em que há um crescimento eleitoral e um crescimento parlamentar. Aí se reforça a necessidade do nosso comprometimento programático e da formação da nossa militância para poder se desenvolver cada vez mais como um partido de alta estatura e socialista no Brasil.

M – Nesta edição da Revista Movimento, também abordamos as eleições em andamento nos EUA e na Bolívia. Neste último país, o governo golpista de Jeanine Áñez modificou a composição do tribunal eleitoral e adiou a eleição diversas vezes. Finalmente, com a data estabelecida, você está representando o PSOL na delegação do Parlasul que acompanha a eleição. Como você avalia a situação boliviana e a campanha em curso?

SB – Eu estou na Bolívia neste exato momento. É uma situação de muita tensão do povo boliviano porque, de fato, houve um golpe de Estado em novembro do ano passado. Evo Morales foi obrigado a se retirar do país depois de ter sido expulso, deposto pelas forças armadas e policiais. Existe um clima de pânico nas ruas, de perseguição aos militantes do MAS e dos movimentos sociais a partir de grupos paramilitares, os chamados motoqueiros, que agridem e perseguem os militantes. Eu soube ontem de um relato de que eles atacaram uma sede de organizações e movimentos sociais. Então, é um clima de tensão muito grande porque, além disso, todos os membros anteriores do Tribunal Supremo Eleitoral foram presos, teve uma recomposição e uma mudança das regras do processo eleitoral. A grande preocupação é de que não seja mantida a possibilidade de participação democrática e ampla da população boliviana. Por exemplo, dos bolivianos que moram no Brasil, muitos deles foram inabilitados pelo TSE e não poderão votar neste processo eleitoral. O principal objetivo é tentar de fato desmontar o MAS como um partido muito forte que organiza camponeses, indígenas e trabalhadores de maneira geral, para fazer avançar o neoliberalismo na Bolívia e na América Latina. O que está em jogo são principalmente os recursos naturais.

Ao mesmo tempo, é muito bonito e empolgante ver a mobilização dos trabalhadores e dos indígenas, em especial, para defender a soberania de seu país. Há uma mobilização de milhões para acompanhar o processo eleitoral e as urnas. Eles estão dispostos a construir todo o tipo de processo de mobilização necessário e radicalizado para denunciar e impedir os golpes que seguem a acontecer na intervenção no processo eleitoral. O nível de convencimento da população é muito grande sobre a necessidade de derrotar o golpismo da Jeanine Áñez, que tem principalmente Luis Camacho como representante, embora uma política fascista também esteja presente no pleito eleitoral. Também é grande a não aceitação do prosseguimento do Estado de exceção, porque sabemos que qualquer crise política profunda que pode persistir aqui na Bolívia pode ser um pretexto para que Áñez siga se colocando com a “presidente legítima” do país. Ao mesmo tempo, pode servir de pretexto também para se tentar derrotar qualquer outro projeto que não signifique o fortalecimento da mobilização popular, da possibilidade de organização dos indígenas e da autorrepresentação de fato através da escolha democrática de uma liderança que seja fruto do histórico de lutas e organização social, mas também das urgências que a população boliviana tem, já que a crise econômica é muito forte.


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Pedro Micussi