Sobre a tática parlamentar para presidência da Câmara dos Deputados

Qual deve ser a tática do PSOL na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados?

Gabriel Feltrin e Rafael Borguin 5 jan 2021, 19:45

É possível que para presidência da Câmara dos Deputados os parlamentares do PSOL votem em uma figura horrível da direita como Baleia Rossi? A resposta praticamente unânime no PSOL é que sim: é possível se isso servir para impedir que Bolsonaro consolide seu poder na Câmara dos Deputados, representando risco para as liberdades democráticas e aceleração de uma agenda anti-popular, alicerçada na negação da ciência e fortalecimento das opressões. Mas, apesar desse acordo fundamental, dentro do PSOL se desenvolve uma polêmica pública entre seus parlamentares, correntes e ativistas sobre a melhor forma de se posicionar taticamente diante dessa questão.

Perante as atrocidades do governo e sobre uma pilha de mais de 200 mil mortos, ficam evidentes as desastrosas consequências de não termos sido capazes de impedir Jair Bolsonaro de cumprir a primeira metade de seu mandato. Para a perpetuação de Bolsonaro no poder, o caminho óbvio é a celebração de um casamento do governo com o Congresso. Com o controle da Câmara a partir da vitória de Arthur Lira, Bolsonaro poderá seguir com o seu assédio às instituições e com sua agenda genocida sem qualquer risco de impeachment e quase sem contrapontos nos outros poderes. Nos parece evidente que a melhor tática será aquela capaz de evitar este resultado.

O cenário em que o partido consegue ao mesmo tempo apresentar o seu programa através de candidatura própria e se somar ao bloco anti-bolsonaro no segundo turno é, sem dúvida, mais confortável para os milhares de militantes que fazem política na base e para a imagem dos parlamentares do PSOL, que possuem eleitorados extremamente críticos. Mas a análise concreta da situação concreta diz que essa tática contém riscos importantes:

1) Essa tática pode diminuir as chances de vitória do Bloco de oposição à Arthur Lira.

Como sabemos, o voto para presidência da Câmara dos Deputados é secreto. Logo, não importa somente o posicionamento oficial das bancadas, mas principalmente a demonstração de força de cada candidatura, que se expressa em sua capacidade de vencer as eleições e entregar as promessas e acordos que só podem se concretizar após a vitória. Não existe conta segura de quantos votos Rossi e Lira possuem, mas o entendimento generalizado é de equilíbrio. Neste cenário de possível “empate”, podemos aferir que Lira sai em vantagem, já que dispõe da máquina do governo para barganhar (leia-se comprar) apoios¹. Ainda que saia derrotado, o voto em Lira oferece à sua base de apoio a  perspectiva de “prêmios de consolação” garantidos. Dessa forma, um primeiro turno que mostre alguma fraqueza do Baleia pode ser determinante para o resultado em segundo turno.

No que diz respeito ao PSOL, consideremos que as chances de Lira ganhar variem entre uma tática e outra, de modo que lançar uma candidatura própria aumentasse (ainda que ligeiramente) as chances de vitória do candidato de Bolsonaro. É consequente com a classe trabalhadora corrermos esse risco adicional?

Além disso, não podemos descartar a possibilidade de que a candidatura do PSOL possa involuntariamente servir de cobertura aos deputados da esquerda e centro-esquerda que venham a votar em Lira, possibilidade que já foi acenada publicamente por alguns parlamentares e dirigentes partidários.

2) PSOL fica impedido de minimizar danos dentro do bloco.

A candidatura simbólica do PSOL no primeiro turno seguido dos 10 votos certos no Baleia no segundo impede qualquer tipo de exigência ou compromisso com as prioridades e bandeiras do partido. Há quem diga que do ponto de vista parlamentar os compromissos de Baleia Rossi com o PT nos representam, mas consideramos essa concepção bastante equivocada. Basta olhar as diferenças programáticas e estratégicas entre PSOL e PT e comparar a relação estabelecida por ambos os partidos com a direita e o fisiologismo para saber que os compromissos articulados pelo PT não são capazes de corresponder às lutas firmadas pelo PSOL. Não podemos transformar o potente papel da bancada do PSOL em simbolismo no primeiro turno seguido de votos automáticos no segundo turno. São muitos os pontos que sem o PSOL ninguém vai tocar.

Bem menos importante é a distribuição de papéis em comissões e mesa, mas mesmo aí é possível extrair algumas posições de batalha

3) Risco real de que diante da vanguarda e setores de massa a demarcação seja obsoleta.

É muito diminuta dentro do partido e não tem representação parlamentar a defesa de não votar no Baleia Rossi por uma questão de princípio. E princípios não mudam entre um turno de votação e outro. Mas alguns parlamentares e correntes se posicionaram de que o PSOL deveria lançar candidato próprio no primeiro turno, já sinalizando que em um segundo os votos irão para Baleia.

Para os olhos de fora seriamos o PSOL que se afirma e, contra todos, lança candidato, mas na prática o que optou por marcar posição garantindo, ato contínuo, voto certo na Chapa do Maia. Essa dissociação afastaria as pessoas de entender corretamente o que seus representantes defendem nessa eleição, que, no caso, é a derrota do bolsonarismo e de qualquer chance de recrudescimento do regime. Abriríamos mão de explicar pacientemente um posicionamento difícil e explicitar os limites do parlamento em troca de uma demarcação com eficácia bastante curta. E as pessoas perceberão, os outros partidos concorrentes no campo da esquerda estarão lá para indicar isso. 

Dois pontos para encerrar que merecem consideração, primeiro é a comparação, que só faz sentido se formos muito superficiais, com as candidaturas à presidência das Câmaras Municipais. Em SP, por exemplo, lançamos Erika Hilton que com seu discurso brilhante e coerência de trajetória já valeu mais que qualquer espaço na mesa. A nossa nova líder na casa, Luana Alves, definiu bem – não trocamos posicionamento por cargos. Não faz sentido compor com bolsonarismo, MBL (Holiday na mesa!) e os tucanos em chapa única. Da mesma forma quando lançamos Erundina ou Freixo no Congresso a análise foi que o fundamental era demonstrar que mais importante do que escolher entre o ruim e o pior era propagandear um novo pólo de esquerda. Dessa vez o (muito) pior é o candidato do Bolsonaro.

Um segundo ponto mais difícil é que o PSOL sem candidato e votando em Baleia perderia, segundo alguns, a coerência. O problema é que coerência não é algo com valor em si mesmo, a missão do PSOL não pode nunca ser a de coerência consigo mesmo e, portanto, fazer política autorreferente.  A tática parlamentar e pontual de integrar o bloco do Baleia não atrapalha as lutas, não cria aliança permanente e não impede o surgimento de alternativas. Pelo contrário, permite que se desobrigue um pouco da vigilância na defesa das instituições e se foque nas necessidades de mudar a correlação de forças e ter projeto para vencer. A coerência do PSOL tem que estar na melhor política para os interesses do povo e sua política deve partir da análise concreta da situação concreta.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 05 nov 2024

Depois das eleições, combater o pacote antipopular

A luta contra as propostas de austeridade fiscal do governo federal deve ser a prioridade da esquerda neste momento
Depois das eleições, combater o pacote antipopular
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi