Sobre a tática parlamentar para presidência da Câmara dos Deputados
Qual deve ser a tática do PSOL na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados?
É possível que para presidência da Câmara dos Deputados os parlamentares do PSOL votem em uma figura horrível da direita como Baleia Rossi? A resposta praticamente unânime no PSOL é que sim: é possível se isso servir para impedir que Bolsonaro consolide seu poder na Câmara dos Deputados, representando risco para as liberdades democráticas e aceleração de uma agenda anti-popular, alicerçada na negação da ciência e fortalecimento das opressões. Mas, apesar desse acordo fundamental, dentro do PSOL se desenvolve uma polêmica pública entre seus parlamentares, correntes e ativistas sobre a melhor forma de se posicionar taticamente diante dessa questão.
Perante as atrocidades do governo e sobre uma pilha de mais de 200 mil mortos, ficam evidentes as desastrosas consequências de não termos sido capazes de impedir Jair Bolsonaro de cumprir a primeira metade de seu mandato. Para a perpetuação de Bolsonaro no poder, o caminho óbvio é a celebração de um casamento do governo com o Congresso. Com o controle da Câmara a partir da vitória de Arthur Lira, Bolsonaro poderá seguir com o seu assédio às instituições e com sua agenda genocida sem qualquer risco de impeachment e quase sem contrapontos nos outros poderes. Nos parece evidente que a melhor tática será aquela capaz de evitar este resultado.
O cenário em que o partido consegue ao mesmo tempo apresentar o seu programa através de candidatura própria e se somar ao bloco anti-bolsonaro no segundo turno é, sem dúvida, mais confortável para os milhares de militantes que fazem política na base e para a imagem dos parlamentares do PSOL, que possuem eleitorados extremamente críticos. Mas a análise concreta da situação concreta diz que essa tática contém riscos importantes:
1) Essa tática pode diminuir as chances de vitória do Bloco de oposição à Arthur Lira.
Como sabemos, o voto para presidência da Câmara dos Deputados é secreto. Logo, não importa somente o posicionamento oficial das bancadas, mas principalmente a demonstração de força de cada candidatura, que se expressa em sua capacidade de vencer as eleições e entregar as promessas e acordos que só podem se concretizar após a vitória. Não existe conta segura de quantos votos Rossi e Lira possuem, mas o entendimento generalizado é de equilíbrio. Neste cenário de possível “empate”, podemos aferir que Lira sai em vantagem, já que dispõe da máquina do governo para barganhar (leia-se comprar) apoios¹. Ainda que saia derrotado, o voto em Lira oferece à sua base de apoio a perspectiva de “prêmios de consolação” garantidos. Dessa forma, um primeiro turno que mostre alguma fraqueza do Baleia pode ser determinante para o resultado em segundo turno.
No que diz respeito ao PSOL, consideremos que as chances de Lira ganhar variem entre uma tática e outra, de modo que lançar uma candidatura própria aumentasse (ainda que ligeiramente) as chances de vitória do candidato de Bolsonaro. É consequente com a classe trabalhadora corrermos esse risco adicional?
Além disso, não podemos descartar a possibilidade de que a candidatura do PSOL possa involuntariamente servir de cobertura aos deputados da esquerda e centro-esquerda que venham a votar em Lira, possibilidade que já foi acenada publicamente por alguns parlamentares e dirigentes partidários.
2) PSOL fica impedido de minimizar danos dentro do bloco.
A candidatura simbólica do PSOL no primeiro turno seguido dos 10 votos certos no Baleia no segundo impede qualquer tipo de exigência ou compromisso com as prioridades e bandeiras do partido. Há quem diga que do ponto de vista parlamentar os compromissos de Baleia Rossi com o PT nos representam, mas consideramos essa concepção bastante equivocada. Basta olhar as diferenças programáticas e estratégicas entre PSOL e PT e comparar a relação estabelecida por ambos os partidos com a direita e o fisiologismo para saber que os compromissos articulados pelo PT não são capazes de corresponder às lutas firmadas pelo PSOL. Não podemos transformar o potente papel da bancada do PSOL em simbolismo no primeiro turno seguido de votos automáticos no segundo turno. São muitos os pontos que sem o PSOL ninguém vai tocar.
Bem menos importante é a distribuição de papéis em comissões e mesa, mas mesmo aí é possível extrair algumas posições de batalha
3) Risco real de que diante da vanguarda e setores de massa a demarcação seja obsoleta.
É muito diminuta dentro do partido e não tem representação parlamentar a defesa de não votar no Baleia Rossi por uma questão de princípio. E princípios não mudam entre um turno de votação e outro. Mas alguns parlamentares e correntes se posicionaram de que o PSOL deveria lançar candidato próprio no primeiro turno, já sinalizando que em um segundo os votos irão para Baleia.
Para os olhos de fora seriamos o PSOL que se afirma e, contra todos, lança candidato, mas na prática o que optou por marcar posição garantindo, ato contínuo, voto certo na Chapa do Maia. Essa dissociação afastaria as pessoas de entender corretamente o que seus representantes defendem nessa eleição, que, no caso, é a derrota do bolsonarismo e de qualquer chance de recrudescimento do regime. Abriríamos mão de explicar pacientemente um posicionamento difícil e explicitar os limites do parlamento em troca de uma demarcação com eficácia bastante curta. E as pessoas perceberão, os outros partidos concorrentes no campo da esquerda estarão lá para indicar isso.
Dois pontos para encerrar que merecem consideração, primeiro é a comparação, que só faz sentido se formos muito superficiais, com as candidaturas à presidência das Câmaras Municipais. Em SP, por exemplo, lançamos Erika Hilton que com seu discurso brilhante e coerência de trajetória já valeu mais que qualquer espaço na mesa. A nossa nova líder na casa, Luana Alves, definiu bem – não trocamos posicionamento por cargos. Não faz sentido compor com bolsonarismo, MBL (Holiday na mesa!) e os tucanos em chapa única. Da mesma forma quando lançamos Erundina ou Freixo no Congresso a análise foi que o fundamental era demonstrar que mais importante do que escolher entre o ruim e o pior era propagandear um novo pólo de esquerda. Dessa vez o (muito) pior é o candidato do Bolsonaro.
Um segundo ponto mais difícil é que o PSOL sem candidato e votando em Baleia perderia, segundo alguns, a coerência. O problema é que coerência não é algo com valor em si mesmo, a missão do PSOL não pode nunca ser a de coerência consigo mesmo e, portanto, fazer política autorreferente. A tática parlamentar e pontual de integrar o bloco do Baleia não atrapalha as lutas, não cria aliança permanente e não impede o surgimento de alternativas. Pelo contrário, permite que se desobrigue um pouco da vigilância na defesa das instituições e se foque nas necessidades de mudar a correlação de forças e ter projeto para vencer. A coerência do PSOL tem que estar na melhor política para os interesses do povo e sua política deve partir da análise concreta da situação concreta.