Um comentário sobre as notas de Valério Arcary

Está surgindo no PSOL uma forte corrente de opinião que dilui no conceito geral de “esquerda” as diferenças de classe e de princípios entre o PT e o projeto do PSOL.

Roberto Robaina 13 jan 2021, 20:19

Valério Arcary publicou algumas notas polemizando com as posições que defendem o voto no candidato do MDB na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. De minha parte, apoio a posição dos parlamentares do PSOL que defendem esta tática pela simples razão de que é a única que pode impedir a vitória do candidato de Bolsonaro – e derrotar Bolsonaro e sua pauta autoritária é o assunto mais importante nessa disputa. Arcary pensa diferente. Seu raciocínio é que a disputa da eleição da presidência da Câmara é um momento especial para conformar uma frente de esquerda que apresente suas propostas para o país. E vai mais longe: apresenta a ideia de que as posições na eleição da Câmara explicitam as posições sobre a eleição de 2022. Ou, no mínimo, tendem a isso. Desse modo, com Arcary transformando uma disputa intraburguesa neste parlamento reacionário e corrupto – sim, porque são os partidos burgueses que estão disputando a presidência para de fato ganhar e porque só um deles tem força para tanto – num assunto tão importante como a disputa de 2022, resolvi comentar suas notas.

Após sua descrição dos ataques de Bolsonaro e das contrarreformas, Arcary dedica-se à discussão sobre a tática da eleição parlamentar para a chefia da Câmara, relacionando-a às posições da “esquerda” para 2022, transformando um assunto importante, mas menor –  porque ligado à luta por espaços de poder no Parlamento –, em eixo de uma polêmica sobre a estratégia do PSOL (e da “esquerda”) para a próxima eleição presidencial. Tal salto é revelador de como temos um debate distante das verdadeiras definições estratégicas. Arcary tenta estabelecer uma relação entre o apoio das bancadas de PT e PC do B a Baleia Rossi e a possibilidade de apoio a um candidato de uma “Frente Ampla” no primeiro turno das eleições presidenciais em 2022.

Como todos sabem, os parlamentares do MES também defendem o voto contra Arthur Lira, o candidato de Bolsonaro, numa eleição que, em nossa visão, pode ser decidida no primeiro turno – uma decisão ainda em disputa pela adesão prévia dos partidos e pela possibilidade de que tais adesões influenciem a expectativa de vitória de um ou outro nome burguês, condicionando as chances de defecção nas bancadas dos partidos e, dessa forma, definindo no primeiro turno o resultado do segundo. Mas não pretendo, aqui, argumentar sobre a votação da Câmara, mas sim mostrar a falácia de ligar a tática desta eleição com o pleito de 2022.

Para o MES, evidentemente – e Arcary sabe bem disso –, não existe a hipótese de apoiar uma “Frente Ampla” encabeçada por MDB, DEM e PSDB, ou seja, as forças que chefiam a candidatura de Baleia Rossi, no primeiro turno das eleições de 2022. Mas Arcary teria razão em temer tal posição do PT? Também não creio que seja o caso. Longe disso: o PT vai lutar para que seu nome encabece uma frente com PSOL, PC do B, outros partidos operários e PDT e PSB – partidos burgueses de centro-esquerda.

Parece lógico que Arcary gostaria de ver a política que o PT deve defender para a eleição de 2022 na tática para a eleição da Câmara. A finalidade desta tática seria aproveitar a eleição da Câmara para marcar essa posição, já que não seria uma chapa capaz de vencer, como qualquer um que conhece a relação de forças no Congresso Nacional sabe. A política que o PT deve defender para 2022, por sinal, tem a mesma composição partidária defendida na eleição da presidência da Câmara pelos cinco deputados do PSOL contrários a apoiar Rossi no primeiro turno, mas favoráveis a apoiá-lo no segundo. Aliás, destes cinco companheiros, dois vieram do PSB.

Não vejo o menor risco de que uma composição do PT com Baleia Rossi, no primeiro turno da eleição na Câmara, repita-se com o PT numa “Frente Ampla” no primeiro turno de 2022. Arcary não tem com que se preocupar nesse sentido. A maioria esmagadora da direção do PT tem como estratégia eleitoral para 2022 comandar uma frente hegemonizada pelo PT no primeiro turno. A participação numa “frente democrática” de unidade da burguesia num primeiro turno presidencial pode, no máximo, ocorrer com PDT e PSB, mas não com o PT, que trabalhará para também atrair estes dois partidos, embora tenha dificuldades por conta da escolha do nome e do lugar na chapa de Ciro Gomes – que busca um setor burguês e não o PT para uma composição. Mas mesmo o PDT terá dificuldades de ter um lugar aceitável numa frente ampla burguesa, porque é improvável que a burguesia liberal aceite Ciro como seu principal nome. Assim, cai por terra a tentativa falaciosa de ligar a eleição da Câmara com eventuais composições para 2022. 

Afirmei, de início, que a polêmica de Arcary está longe dos debates estratégicos fundamentais. É que seu texto mistura os assuntos, mas não entra nos debates realmente relevantes, que são as táticas e estratégias para 2022, porque não é possível dar relevância estratégica para a disputa para ter o poder do Parlamento, como se o Parlamento pudesse transformar-se sendo dirigido por socialistas. A questão estratégica que devemos nos fazer já é outra: o PSOL deve compor com o PT no primeiro turno das eleições de 2022? O PSOL terá candidato próprio? Desde já, temos que discutir estes temas. Estas alianças são admissíveis? Podemos votar na chapa presidencial encabeçada por algum destes partidos no primeiro turno? Podem ser apoiados num segundo turno nas eleições de 2022? Creio que são assuntos já pertinentes.

Se Valério Arcary quer discutir seriamente que a eleição da Câmara tem relação com 2022 (e, em nossa visão, a única relação é nossa disposição de derrotar Bolsonaro), então vale discutir 2022. Discutir as variantes táticas e estratégias. O decisivo não será sequer o voto. A tática do voto será muito importante, é claro. Mas o tema de princípios será a armação e a definição da posição do PSOL diante de um eventual governo da chamada “esquerda” ou “centro-esquerda”. Será admissível participar de um governo nacional do PT ou do PDT, um governo de Haddad ou de Ciro? Estas não são questões fora do tempo. Nosso verdadeiro alerta é que está surgindo no PSOL uma forte corrente de opinião que dilui no conceito geral de “esquerda” as diferenças de classe e de princípios entre o PT e o projeto do PSOL. A ala esquerda desta corrente ampla, que trata PSOL e PT praticamente como partidos irmãos, diz que a politica de alianças com o PT é expressão de uma linha de independência de classes. Nossa posição é a oposta: há muitos anos, o PT abandonou a independência de classes. Assim, é legítimo discutir as possibilidades táticas de votar em chapas encabeçadas pelo PT, mas seus governos serão burgueses e não cabe ao PSOL participar de governos burgueses. Mas há setores do PSOL que já estão torcendo por tal horizonte estratégico. Este sim míope. E oportunista. O MES começará a fazer estes debates e a defender tais posições de princípio. São os debates necessários para o futuro do PSOL e são os que realmente podem dividir águas.


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