A crise da Petrobrás na espiral de crises do governo

Devemos apontar uma política concreta para o caso da Petrobrás e vinculá-la às demais demandas reais do movimento popular e social.

Israel Dutra 1 mar 2021, 16:51

Chegamos ao auge da pandemia no Brasil. Após um ano da confirmação do primeiro caso no país, o número de mortos bateu o recorde com 1584 óbitos, registrados em 25 de fevereiro. Com o descalabro do Ministério da Saúde, o pico da crise em Manaus se expande para várias regiões do país. Indicações seguras dos profissionais da saúde apontam o risco de um “colapso” em várias cidades nas próximas semanas. E Bolsonaro, como sempre, segue debochando da situação, incentivando aglomerações e sem máscara, como em sua recente visita ao estado do Ceará.

Da parte do governo, depois da vitória de Arthur Lira na eleição à presidência da Câmara, algumas crises colocaram novos problemas na conjuntura. A situação da Petrobrás é o tema mais candente. Nesta segunda-feira (1), foi anunciado um novo aumento para os preços da gasolina e do diesel.

Por um lado, os supostos liberais vociferam contra a “intervenção”. Na verdade, o governo pretende controlar os preços artificialmente para atender a base dos caminhoneiros. A questão de fundo é o atrelamento do mercado brasileiro ao mercado internacional, que se amplia com as privatizações e terceirizações na indústria de refino e derivados. O impacto sobre os preços dos combustíveis é evidente. É preciso debater a conjuntura localizando a situação social e o despreparo do governo para lidar com suas próprias contradições. E organizar a resistência diante do agravamento da pandemia e dos ataques.

As duas crises que demonstram o despreparo de Bolsonaro

Na semana passada, duas crises combinadas trouxeram novos elementos à conjuntura. Longe de saborear sua vitória pessoal no comando da Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro viu os choques entre seus núcleos fundamentais de apoio estremecerem o cenário político nacional. A prisão de Daniel Silveira e a troca no comando da Petrobrás são os dois marcos da conjuntura nacional. Há, portanto, um cenário bastante distinto do que Bolsonaro anunciou quando da vitória de Lira. Seu plano era aproveitar o “êxito” para estabilizar seu ajuste, garantir uma política mínima de auxilio-emergencial e, assim, chegar vivo à disputa de 2022.

O pano de fundo para qualquer analise de conjuntura envolve o agravamento da crise da Covid-19: a falência do plano nacional de imunização é patente. Manaus é o ponto mais dramático de uma situação que se espalha pelo país. Araraquara, em São Paulo, o Triângulo Mineiro e outras regiões do Brasil profundo chegam a um patamar ainda pior que o da primeira onda. Pazuello está questionado por todo lado – já são 10 procedimentos do MPF que apuram desde a falha nas vacinas até o plano de entrega de cloroquina.

O que se pode aferir, num cenário complexo como o do novo momento grave da pandemia, é que os problemas do governo estão sobre a mesa e sua popularidade segue em queda. Congresso e governo precisam chegar logo a um termo comum sobre o plano fiscal, capaz de viabilizar a volta do auxílio-emergencial, evitando que o componente de crise social saia do controle. As crises presentes se entrelaçam, no pior momento da pandemia.

A crise da Petrobrás é profunda

A crise da Petrobrás, por sua vez, é muita mais profunda do que aparenta. E na sua aparência já demonstra a espiral de contradições que Bolsonaro traz para si. Na segunda-feira (22/2), a segunda maior queda no valor dos ativos da Petrobrás na bolsa de valores levou à desvalorização de cerca de 21% de uma das maiores empresas brasileiras. As manchetes dos jornais no dia seguinte apontavam para uma queda de braço entre o governo e a “Faria Lima”; outros reforçavam a perda de espaço de Guedes e dos ultraliberais no governo.

As raízes profundas da crise remetem à ameaça constante de paralisação nacional dos caminhoneiros e a contradição da alta mundial dos preços do petróleo. Regulados pelo mecanismo chamado PPI (Preço de Paridade da Importação), os combustíveis tiveram quatro reajustes de preço desde o começo do ano. A gasolina acumula uma alta de 34,78% e o diesel de 27,72%, com o preço do litro de gasolina chegando a mais de cinco reais nos postos pelo país. O gás de cozinha está chegando a 100 reais em algumas regiões. Com a pressão de um dos seus bastiões mais ativos e organizados, os caminhoneiros, Bolsonaro encaminhou a demissão do presidente Roberto Castello Branco. Indicou para seu lugar, um general, Joaquim Silva e Luna. Uma vez mais, a pressão sobre o tema dos preços derruba um presidente da Petrobrás, como tinha sido com Pedro Parente. A crise na Petrobrás é profunda e a diferença entre Bolsonaro e o mercado demonstra uma contradição intrínseca ao formato da atual Petrobrás: a entrega de boa parte de suas funções aos interesses dos investidos estrangeiros e conglomerados internacionais. Isso leva a uma contradição mais geral, que se aprofundou nos últimos anos: a destruição do saber, da engenharia nacional e da produção de riquezas no país. Com a exploração agressiva de produtos primários – minérios, petróleo, soja e outros – estamos na rota de um aprofundamento da recolonização. Quem dita os preços está especulando na Bolsa de Valores de Nova York.

A estatal segue sua senda de desmonte. A RELAM, na Bahia, que teve um greve política em 18 de fevereiro, foi parte da negociação com grandes investidores estrangeiros. Foram vendidos, apenas nessa semana, importantes campos, como os do Polo de Miranga, na Bahia. A ironia é que foram vendidos para o banqueiro Daniel Dantas.

Bolsonaro quer controlar os preços para ficar bem com sua base mais radicalizada e evitar uma fuga de popularidade. No entanto, o General Silva e Luna não fará nenhuma revisão qualitativa na política entreguista e não é possível depositar ilusões. Ao contrário, Bolsonaro, apesar de falar em controlar os preços da Eletrobrás, assinou a MP que acelera sua venda. E, em seguida, deve colocar em leilão outra das maiores empresas estratégicas nacionais, a Empresa de Correios e Telegráfos.

O privatismo e os ataques seguirão. Mas essa brecha aberta com a briga no andar de cima é importante. O presidente do Banco do Brasil é outro que segue correndo riscos de demissão, no bojo da crise particular desse banco estatal.

A entrada em cena de setores em luta e nossa política

Em meio ao colapso sanitário que recém se apresenta, o governo buscará saídas para acomodar suas crises. O mercado reclama, grita, cobra. A questão da política no Congresso também tem preço alto. E não sabemos qual o impacto do trauma do novo pico da crise sanitária e o efeito da nova rodada de auxílio-emergencial, proposta para ser muito menor que anterior (250 reais, segundo Guedes e Bolsonaro).

Assistimos às lutas dos caminhoneiros, motoristas e aplicativos ao longo da última semana. Protestos que trancaram estradas e vias ocorreram em Linhares, Maceió e Vitória. Um buzinaço dos motoristas de aplicativo teve lugar nas principais capitais. A mais impressionante medida de força, contudo, foi dos tanqueiros – caminhões que fazem o transporte de combustível – na região metropolitana de Belo Horizonte, parando por dois dias. Foi o suficiente para levar a gasolina às alturas e colocar o risco do desabastecimento como hipótese real.

A primeira onda de protestos está sendo desviada para questionar os impostos estaduais – incentivada por apoiadores de Bolsonaro para colocar nas costas dos governadores a ira dos motoristas e caminhoneiros e, desse modo, não questionar a política geral de preços dos combustíveis ditada pelo “mercado”.

Devemos compreender e apoiar os protestos contra o aumento da gasolina, do diesel e do gás de cozinha. Bolsonaro oferece concessões insuficientes, com reduções de alíquota e pressão sobre governadores, para fazer como Temer e Parente, segurando a indignação nas estradas.

Contudo, isso não é possível, dada a alta da inflação em espiral e a subida a galope do preço internacional do petróleo. Ou seja, novas contradições devem emergir como resultado da alta dos preços. Isso pode ser estancando por dias e semanas, mas, antes cedo que tarde, a crise novamente se apresentará de forma aguda no horizonte. De alguma forma, o que assistimos em Belo Horizonte pode ser uma antecipação de uma crise de maior alcance.

Muitos ativistas se perguntam: por que em meio ao pior momento da pandemia, a fúria social não se impõe? Além de responder a essa pergunta, devemos apontar uma política concreta para o caso da Petrobrás e buscar vinculá-la com as demais demandas reais do movimento popular e social, como a restrição de atividades e uma renda emergencial.

A questão da alta de preços e da luta por uma Petrobrás pública só pode ser conquistada com a entrada em cena de um setor estratégico, de uma categoria que carrega a capacidade organizativa e a tradição de luta mais avançada da classe trabalhadora brasileira: os petroleiros. Tal categoria pode e deve entrar em cena diante da oportunidade aberta com a peleja aberta entre os de cima – governo e mercado. Seria capaz de canalizar a enorme raiva e insatisfação social, sobretudo entre a juventude, transformando o mal-estar em protesto. A rebeldia está parcialmente interditada por três elementos: a calamidade real da pandemia, a defensiva da classe motivada pelo desalento do desemprego e das condições econômicas, além da trava das direções.

Veremos se diante da maior catástrofe social recente da história, um dos batalhões com maior tradição de lutas, como os trabalhadores da Petrobrás, pode entrar em cena no impacto da crise aberta e em desenvolvimento. É possível derrotar Bolsonaro, combinando o apoio às reivindicações dos setores em luta, como o IMESF em Porto Alegre, e a luta dos petroleiros com a linha de defesa de emergência nas cidades, restringindo as atividades com lockdown, defendendo a suspensão das aulas, com o retorno do auxílio-emergencial de 600 reais, e uma política de apoio emergencial ao pequeno empresariado: é necessário um plano de defesa da vida!


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