Catalunha: entre eleições e protestos que se radicalizam

Israel Dutra analisa os resultados eleitorais da Catalunha e os protestos pela liberdade de Pablo Hasél.

Israel Dutra 2 mar 2021, 23:34

A paisagem politica na Catalunha oscilou profundamente nas últimas semanas. Em meio ao recrudescimento da pandemia, as ruas de Barcelona e das principais cidades experimentaram uma eleição apática e uma posterior radicalização dos protestos contra a prisão do rapper Pablo Hasél.

Os últimos anos foram marcados por uma forte mobilização da sociedade catalã, com o plebiscito de 1º de outubro de 2017 sendo o ponto alto da luta pela independência. Como parte desse processo, a reação do governo central – agora conformado pela coalizão do tradicional PSOE com Unidos Podemos – não foi menor: uma onda de perseguições, prisões e processos contra 2850 líderes e ativistas que defendem a independência.

No domingo (14/2), foram realizadas eleições gerais na Catalunha, como parte de um contexto de conflito com o governo central do Estado Espanhol. O pano de fundo para a convocação de novas eleições foi uma operação feita pelo governo de Madri para aproveitar a ofensiva midiática ao redor do ex-ministro da saúde Salvador Illia, agora candidato pelos socialistas, e impor uma maioria não alinhada com os soberanistas.

As eleições foram marcadas pela arbitrariedade do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha – mesmo contra a posição do governo de Generalitat e dos epidemiologistas, que não recomendavam marcar o pleito. O resultado foi uma das mais altas abstenções da história, com 25% de participação, menor do que nas eleições anteriores, em 2017.

A apatia eleitoral deu lugar à raiva social nas semanas seguintes. A prisão de Pablo Hasél em 16 de fevereiro, invadindo a universidade de Lleida, “incendiou” não apenas a Catalunha, mas o Estado Espanhol. O “crime” do rapper: cantar em versos críticas ao Rei e à polícia. Na última quinzena de fevereiro, ocorreram manifestações quase diárias, com milhares tomando as ruas em manifestações radicalizadas em favor da liberdade de Hasél.

As eleições fortaleceram o campo do independentismo

Nessas eleições atípicas, houve um fortalecimento evidente das expressões políticas ligadas à luta pela independência catalã. Tanto em números de deputados (74 de 135, somando Esquerda Republicana de Catalunha-ERC, Juntos por Catalunha-JxCat e CUP) quanto em votos absolutos, o independentismo conhece uma inédita maioria eleitoral. Claro que uma maioria eleitoral ainda por uma margem estreita, mas numa condição ímpar para impulsionar novos caminhos diante do novo mapa político. O PSC foi o partido mais votado, tendo os mesmos 33 deputados que a ERC, mas não sendo parte da fórmula de governo, que deve ser composta a partir dos 74 da maioria soberanista.

As duas coordenadas que o movimento popular catalão aponta, a nacional-democrática e a social, inclinaram-se à esquerda nas urnas, em que pese a falta de entusiasmo do ativismo nas urnas. Com a divisão do soberanismo de centro-direita, mais tradicional, a ERC tornou-se o primeiro partido do campo do independentismo, atraindo a esquerda radical nucleada na CUP para seu polo. No terreno “social”, a estagnação da fórmula dos “Comunes”, com Unidos Podemos e a coalizão de Colau, mostra uma rápida experiência com o partido de Iglesias, convertido em sócio minoritário do governo central do PSOE.

A mutação do eleitorado espanholista derivou numa derrota acachapante da direita histórica: os votos de Cidadãos foram para o PSC e para o VOX. Numa migração inédita, o campo que soma direita e extrema-direita, com PP e C’s de um lado e VOX de outro, cai de 40 para apenas 20 deputados.

A pandemia não pode estancar o caminho da luta pela independência, apesar das apostas de Madri de que um perfil mais “conservador” levaria a uma votação diminuta nos partidos independentistas, trazendo um revés para a luta democrática pela autodeterminação. Contudo, o resultado foi inverso. Mesmo em condições desfavoráveis, com milhares de presos e proscritos, a resiliência da luta democrática é um impulso para o conjunto dos povos do mundo como, por exemplo, a luta da Escócia, que após o Brexit recoloca na ordem do dia um novo plebiscito pela independência. E especialmente, no Estado Espanhol, por esse caminho, o enfrentamento ao regime de 1978 segue atual e fortalecido.

Vox e CUP: a polarização ganha força nas ruas e no parlamento

A expressão da crise orgânica do Estado Espanhol replica elementos que aparecem em outras realidades nacionais. Um deles – e seguramente o mais preocupante – é a ascensão de forças de extrema-direita. A eleição catalã confirmou essa tendência. O partido VOX, abertamente franquista, entrou pela primeira vez no parlamento, com 7,6% dos votos e 11 deputados. Recentemente, na eleição portuguesa, a “novidade” foi o partido Chega, da extrema-direita. Apesar da derrota de Trump nos Estados Unidos, as correntes e partidos semifascistas ganharam força em países onde até então eram marginais. VOX na Espanha é um exemplo dessa realidade.

A outra faceta dessa polarização foi o crescimento da esquerda radical anticapitalista, agrupada na CUP (Candidatura de Unidade Popular), que defende um programa de ruptura, combinado a luta soberanista com uma estratégia anticapitalista. Com uma base social ligada à juventude que protagonizou a rebelião democrática de 2017, a CUP cresceu, dobrando sua representação no Parlamento com nove deputados e 7% dos votos.

Como dito acima, quem manteve seu projeto estagnado foi a aliança “Em Comum Podemos”, que conserva oito vagas no parlamento, mas perde em apoio, frustrando parte dos seu eleitorado, que via na expressão de Iglesias, após o 15-M, uma esperança. A participação acomodada como sócio minoritário do governo central gerou frustações e rupturas, dentro e fora de Unidos Podemos. A superação de seu peso como bancada parlamentar, por parte da CUP, é uma notícia alentadora, indicando que uma parcela expressiva da juventude está disposta à radicalização, mesmo com toda a campanha contra os “antissistemas” promovidas pela centro-esquerda e pela esquerda moderada.

A semana de enfrentamentos, que saiu das ruas e acabou nos debates políticos- televisivos e parlamentares, sobre quem queria criminalizar os ativistas ou quem cobrava a responsabilidade das forças represssivas no caso Hasél, dividiu águas. Uma vez mais a polarização: de um lado, VOX propondo mão dura; de outro, a CUP, apoiando corajosamente os protestos de rua.

Uma luta que vai seguir – a luta pela liberdade para Hasél é parte da luta contra o autoritarismo espanholista

São quinze dias de protestos continuados contra a prisão de Hasél. Um movimento democrático com características de confronto – contra a polícia, o Estado e, sobretudo, o regime de 1978. Apareceram elementos que já existiram nos levantes anteriores, em defesa do resultado do plebiscito, nos chamados CDRs (Comitês de Defesa da República). A luta da juventude demonstra o mal-estar, agravado pela pandemia.

As contradições essenciais do regime de 1978 (monarquia, bipartidarismo e suposta unidade nacional) estão em questão. A dinâmica de luta democrática encontra eco em outros processos que colocam em xeque o atual desenho europeu. Daí a necessidade de um programa que consiga unir as tarefas democráticos com as tarefas “sociais” de todo o povo.

Uma das lições, diante de um cenário tão emblemático (irrupção da extrema-direita e debates sobre a estratégia nas esquerdas), deve ser a da participação em governos burgueses e de conciliação de classes. Podemos alcança a porta traseira do poder perdendo qualquer capacidade de ser uma alternativa emancipatória, como as ruas do movimento dos “indignados” haviam demandado. A boa novidade da CUP e a disposição radicalizada da juventude em luta indicam um caminho. Devemos ser solidários com Hasél e sua luta por liberdade. Trata-se da luta contra o Estado Espanhol e seu regime, que tenta disfarçar seu elemento retrógrado e medieval – a rejeição à forma básica da república.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi