Notas à teoria de Lênin sobre a Revolução de 1905

Originalmente publicado em 2007, estudo de Roberto Robaina trata das análises de Lênin sobre a revolução russa de 1905.

Roberto Robaina 20 mar 2021, 14:12

A construção do PSOL responde a uma necessidade fundamental: a construção de uma ferramenta política da classe trabalhadora. E a necessidade de uma organização independente da classe trabalhadora é reconhecida por todo e qualquer socialista digno deste nome. Mas para que este projeto se desenvolva é fundamental avançar com uma armação teórica e política correta.

Tal armação depende de uma série de variáveis, entre as quais é determinante não apenas a atividade prática, militante, nas lutas pelas mais diversas demandas do povo pobre e trabalhador, mas uma constante visita aos clássicos do marxismo para aprender e desenvolver a elaboração, confrontando as teorias com a realidade, enriquecendo assim a teoria e a intervenção concreta. Confrontar a teoria com a realidade é o único método, aliás, que permite não transformar a teoria em um dogma, mas encará-la com o critério marxista de que a teoria deve ser um guia para a ação.

Este escrito, divulgado originalmente num Seminário estadual (RS) do MES – Movimento Esquerda Socialista – corrente do PSOL, é uma reflexão sobre alguns dos textos clássicos do marxismo, tratando de ligar a teoria com a experiência prática, a história com alguns problemas políticos da atualidade. O mais importante nesta visita aos clássicos me parece ser reler Lênin. Não é o único, obviamente, que deve ser estudado, mas não tenho dúvida de que hoje é o mais importante deles. A atualidade de sua obra é notável. A exposição de alguns aspectos da mesma é o centro do nosso esforço neste texto.

Um resumo do que aqui está exposto foi publicado na edição brasileira da Revista América, em junho de 2007. Este resumo foi criticado em duas edições do jornal “Opinião Socialista”, do PSTU, num artigo de autoria do dirigente desse partido, o companheiro Eduardo Almeida afirma que minha posição sustenta uma estratégia de conciliação de classes, representando um abandono, portanto, da estratégia da revolução. Afirma, mas não demonstra. Como o papel aceita tudo, Eduardo Almeida derrama nele toda sua fraseologia revolucionária. É lamentável que em sua política concreta o PSTU não tenha entrado na campanha pelo Fora Renan aqui no Brasil, e que, para a Venezuela, tenha defendido uma política claudicante diante da burguesia mundial ao criticar o presidente Hugo Chávez quando este cassou a concessão da RCTV, um dos conglomerados privados de comunicação cuja participação no golpe oligarca de abril de 2002 ficou comprovada.

Nas linhas que seguem publicamos o ensaio na integra, com os desenvolvimentos realizados a partir do seminário de março de 2007 e, apenas quando nos pareceu irresistível, mencionamos o texto de Eduardo Almeida, bem como nossa resposta. Nosso objetivo, portanto, não é centrado na polêmica, mas na exposição das posições revolucionárias dos clássicos marxistas, em primeiro lugar de Lênin, nosso principal mestre.

Nosso esforço será mais focado na sua elaboração de 1905, o ensaio geral da revolução russa de 1917; logo não apreciaremos o conjunto de sua obra e de suas atividades, mas um dos seus elementos constitutivos.

ATUALIDADE DE LÊNIN — ANÁLISE CONCRETA DA SITUAÇÃO CONCRETA

O que demonstra de modo cabal e categórico o caráter de classe burguês de nossas universidades é que os textos de Lênin não são estudados aí, com raras exceções garantidas por um ou outro honrado e lúcido professor. Tampouco se estudam os textos de Trotsky, e mesmo a obra gigante de Marx está absolutamente longe de ter o destaque que merece. Mas Marx ainda as universidades toleram. Distorcem, mas toleram. Os textos de Lênin, porém, como disse Slavoj Zizek, não têm nenhuma chance. É que com Lênin não existe sequer a possibilidade de manobra que tentam fazer com Marx: separar o analista, o investigador, do revolucionário. A obra de Lênin não permite separação porque seu eixo constante são as táticas e a estratégia da revolução. Foi em Lênin que o marxismo atingiu seu momento mais alto, quando a arma da crítica deu lugar definitivo à crítica das armas.

Nos tempos atuais, tempos de incerteza, de indeterminação, não obstante a interpretação do mundo ter cada vez mais importância, segue vital a crítica das armas. Afinal, o domínio político-econômico do capital financeiro – com seu entrelaçamento com a indústria bélica e as grandes corporações transnacionais — provoca miséria, fome, guerras de rapina, destruição da natureza, crescimento das máfias e do crime organizado. Trata-se, sem dúvida de um sistema-mundo em decadência diante do qual se impõe a necessidade da mudança estrutural e radical da sociedade. Em outras palavras, a necessidade da revolução está posta porque, como ensinou Rosa Luxemburgo, mesmo as reformas, quando substanciais, quando significativamente favoráveis ao povo, são conquistadas por revoluções políticas e sociais. Lênin, então, tem que ser recuperado. E devemos fazer justiça ao seu nome.

Depois da experiência dos regimes burocráticos e totalitários da ex-URSS e do Leste europeu, setores políticos antes formados nas ideias da esquerda reproduziram a ideologia capitalista e tentaram responsabilizar Marx e Lênin pelas monstruosidades cometidas por estes regimes, desconsiderando, por exemplo, que os lideres bolcheviques foram, em sua grande maioria, assassinados por ordem de Stalin, já nos anos 30 do século passado. Abandonar o marxismo e se converter em defensores mais ou menos envergonhados, mais ou menos abertos do capitalismo, foi o passo seguinte destes setores. Muitas das lideranças atuais do PT seguiram este caminho. Quando a crítica supracitada segue sendo apresentada contra Marx, lembro as palavras de Michael Lowy: “seria pouco sério considerar Descartes responsável pelas guerras coloniais francesas, Jesus Cristo pelos crimes da inquisição, ou Thomas Jefferson pela invasão americana do Vietnã” (O PT e o marxismo, Caderno Especial de Teoria e Debate, 1991, p. 112). Creio que teoricamente é também infundado dirigir esta crítica a Lênin. E como se julgássemos correto responsabilizar Robespierre pela política de Napoleão.

Se do ponto de vista teórico a crítica é infundada, não há dúvida de que na prática os acontecimentos dos finais dos anos 80 tiveram pesadas repercussões. A globalização da economia, combinada com o fato da revolução política no leste e na ex-URSS ter dado lugar à restauração do capitalismo, enfraquecimento a ideologia socialista, abrindo um período de defensiva das ideias em prol de uma alternativa ao sistema capitalista imperialista. Este enfraquecimento subjetivo foi expressão do fortalecimento relativo objetivo, material, do capitalismo ao baixar seus custos de produção não apenas com o desenvolvimento tecnológico, mas também com a redução dos custos da mão de obra operadas a partir do desmonte das economias planificadas. As pressões pela redução salarial provocadas pela possibilidade de deslocar fábricas de um país para outro (sobretudo da Europa ocidental para a Oriental), combinaram-se com as pressões pela redução dos salários provocadas pelas importações e pela imigração de mão de obra qualificada e barata da ex-URSS e dos países do leste europeu para os países da Europa Ocidental e, em menor medida, para os Estados Unidos. Em conceito claro marxista: aumentou a taxa e a massa de mais valia.

Como se fosse pouco, o aumento da poupança dos países atrasados e dependentes da América Latina e da própria China foi em grande parte drenado para o sistema financeiro controlado pelos países centrais, em particular pelos EUA. Esta mesma poupança é usada pelas corporações imperialistas para investir em países como a China, auferindo altas taxas de lucro. Este fortalecimento relativo encontrará seus limites e será revertido, mas ainda estamos sob seu impacto.

Logo, não podemos estudar o marxismo e elaborar uma estratégia revolucionária sem levar em conta as profundas mudanças do mundo do início do século XX para os dias atuais. Embora tais mudanças não anulem a atualidade da revolução, colocam para os revolucionários novos desafios. Tais acontecimentos impuseram condicionantes novos, que podem ser superados pelos defensores de uma economia planejada democrática e coletivamente, mas não se pode desconhecer a necessidade de uma estratégia revolucionária que não se limite a repetir fórmulas para romper estes limites, sobretudo porque, como afirmamos, as ideias socialistas ainda seguem desacreditadas na consciência da esmagadora maioria da população mundial e mesmo pelo movimento operário.

Desconsiderar estes fatos é dar as costas ao exame da correlação de forças entre as classes como elemento decisivo nas definições estratégicas e táticas dos marxistas revolucionários.

Concretamente, não estamos numa situação mundial como foi a etapa da revolução russa, quando a Europa vivia uma situação revolucionária e a revolução russa abria as portas da revolução europeia, colocando na ordem do dia a conquista do governo dos trabalhadores no coração do capitalismo mundial de então. Essa definição não é uma definição qualquer. Por isso, antes de ir adiante, façamos um parêntese acerca do conceito de situação revolucionária, tão importante na obra de Lênin.

A base analítica de algumas posições esquerdistas, por exemplo, é definir que estamos hoje numa situação revolucionária mundial. Há correntes na esquerda, e no próprio PSOL, correntes minoritárias, como a CST, que sustentam uma caracterização como esta, totalmente fora da realidade. E sustentam tal posição se escudando em Lênin, afirmando que seguem seu método, Nahuel Moreno, o fundador da corrente trotskista mais dinâmica da América Latina, explicava que a definição de Lênin de situação revolucionária podia ser sintetizada do seguinte modo: “é quando os de cima não podem seguir governando como antes e os de baixo não querem mais seguir sendo governados como antes”.

Convenhamos que desta definição geral pode-se tirar qualquer conclusão. E os esquerdistas tiram. Se fosse fazer uma caricatura diria que para os esquerdistas qualquer crise política mais ou menos grave nas classes dominantes é sinal de que as classes dominantes não podem mais seguir governando como antes e qualquer processo de descontentamento ou greves salariais expressam que os de baixo não querem mais seguir sendo governados como antes. Mas não quero fazer caricatura, apenas indagar como podem definir que vivemos hoje, no mundo atual, uma situação revolucionária mundial? Vale lembrar ainda que os esquerdistas quando usam a definição de Lênin esquecem a leitura de toda a citação e menos importância ainda atribuem ao contexto do texto.

Quando Lênin, em 1915, fez sua definição de situação revolucionária, a sua caracterização “os de cima não podem mais” tinha uma expressão clara: a eclosão da guerra imperialista, isto é, quando os principais países imperialistas estavam ¢m guerra entre si, com suas tropas trocando tiros numa guerra de trincheira desgastante, com sofrimentos incalculáveis para as massas. Daí Lênin concluiu: as massas não vão tolerar esta situação e vão se insurgir. Abre-se assim uma situação revolucionária porque se preparam as condições para a insurreição e para a luta pelo poder. Os revolucionários devem, portanto, se preparar para ganhar as massas e lutar pelo poder nos países centrais do capitalismo como uma tarefa presente. Transformar a guerra imperialista em guerra civil foi a consigna de Lênin. Não era uma consigna para comentar, para mera propaganda, mas um chamado prático, uma tarefa para ser realizada nos próximos meses ou no máximo em poucos anos. Sabe-se que Lênin definiu que sem a guerra não teria existido a revolução russa de 1917. Sabe-se também que seus prognósticos se confirmaram.

Situação revolucionária, então, quer dizer que se abre o período de luta ou no mínimo de preparação para a luta pelo poder político. Trata-se, logo, de um conceito e uma caracterização instrumental para orientar a ação. Crise revolucionária, outro conceito leninista, é quando a luta pelo poder se coloca na ordem do dia; trata-se, logo, de um momento mais curto no tempo, de um ápice na situação revolucionária, quando há um vazio de poder da classe dominante ou quando os trabalhadores têm seus próprios organismos de poder em condições de disputar e derrotar o poder burguês pela via de uma guerra civil ou de uma insurreição de massas. Assim, na situação revolucionária se deve preparar a vanguarda militante socialista para ganhar as massas para a via da revolução como desafio necessário e possível num período de meses ou de alguns anos. Na crise revolucionária, o objetivo é ver por onde se pode avançar na luta direta pelo poder imediato. Como Lênin ensinou, nem todas as situações revolucionárias conduzem à revolução, mas abrem esta possibilidade para a qual se deve trabalhar, alertar as massas e se preparar. Da mesma forma, há crises revolucionárias em que os trabalhadores e o povo pobre não encontram o caminho, ou mesmo não prepararam ainda as ferramentas para disputar o poder.

Hoje, embora o capitalismo siga acumulando e desenvolvendo graves contradições — como prova, a nova crise financeira e de crédito detonada em julho deste ano — é evidente que não há situação revolucionária mundial. Salta à vista a ausência das condições para colocar na ordem do dia a preparação da luta pelo poder nos principais países capitalistas. Há ainda estabilidade da dominação burguesa tanto na Europa quanto nos EUA, centro atual do capitalismo mundial. Ademais, o poder dos meios de comunicação, combinado com o aumento descomunal da capacidade repressiva e de intervenção militar, tornam mais difíceis os triunfos revolucionários e a construção de um novo poder de classe, se compararmos com a experiência vivida pelos bolcheviques em 1917.

Assim, por tudo isso, embora saibamos da importância do aprendizado histórico e do método da analogia, não desconsideramos que as analogias históricas servem desde que não diluam a “necessidade da análise concreta da situação concreta”, síntese dos conselhos de Lênin que nos esforçamos a seguir. Nosso estudo dos clássicos não tem, por isso mesmo, o objetivo de aplicar mecanicamente suas posições e elaborações como se o texto servisse em qualquer contexto. São dicas, luzes, ilustrações de método de elaboração e de análise, ensinamentos históricos de experiências passadas sem os quais podemos cometer erros completamente evitáveis.

Atualmente, ao buscarmos analisar a realidade concreta da América Latina, temos que levar em conta a desigualdade do processo revolucionário. A situação mais avançada na Bolívia ou na Venezuela não encontra um fio de continuidade no Brasil, o país mais importante do continente, sinal de que, embora exista combinação entre o desenvolvimento dos processos e das realidades nacionais, neste momento concreto prima a desigualdade, a não correspondência. Se o processo político estivesse mais avançado no Brasil, certamente as margens de ação das massas e do governo da Venezuela seriam muito superiores, o que demonstra também o caráter imobilista, conciliador e contra a revolução, praticado pelo governo Lula na política externa. Mesmo carregando nas tintas – e sabendo que o chavismo não tem nada que ver com o bolchevismo, nem quanto a sua origem, seu programa, seu caráter de classe – podemos estabelecer uma analogia história e perguntar: que estratégia adotariam os bolcheviques sem a perspectiva de eclosão da revolução alemã? Sabemos que quando Lênin se deu conta de que a revolução na Europa tinha entrada numa fase de declínio, adotou a linha da NEP — isto é, de atração de capitais externos e de abertura para o investimento capitalista —ao mesmo tempo em que aceitou novos acordos políticos com países imperialistas e, sobretudo, com governos nacionalistas burgueses. Seria ridículo acusar Lênin de traidor por adotar uma linha com o objetivo de ganhar tempo.

As desigualdades e a não correspondência atual nos processos latino-americanos não querem dizer que a tendência, a perspective geral não seja a unificação do ascenso revolucionário do movimento de massas. Os revolucionários, entretanto, não podem diluir o concreto na perspectiva geral nem anunciar apenas a dinâmica, sem considerar a realidade presente, imediata. Até porque a definição da tendência tem muito de aposta, de Iuta, não tendo, portanto, um caráter determinista, mas condicionado. No Brasil, concretamente, a tarefa presente é construir um novo partido anticapitalista capaz de se apresentar como referência para setores de massas, fortalecendo neste desafio o desenvolvimento de uma coluna de quadros socialistas e revolucionários no interior deste partido para disputar as massas. Esta é a orientação para apostar e trabalhar pela alteração da correlação de forças entre as classes no sentido de fortalecer as tendências da revolução.

Combinado a este desafio, e como parte dele, é muito importante apoiar de modo decisivo os movimentos e processos de enfrentamento contra o imperialismo norte-americano – carro chef da contra-revolução mundial – que ocorrem em nosso continente. Isso significa também prestar solidariedade a cada passo progressista, de enfrentamento frente ao imperialismo, dado por determinados governos de países atrasados. Quando governos como os de Chávez e de Evo Morales, ou de Rafael Correa adotam posições com este conteúdo, não hesitamos em apoiá-los. Nem todos o que se reivindicam de esquerda concordam com essa nossa posição. E o caso do PSTU, que coloca um sinal de igual entre essa posição e a defesa de uma política de conciliação de classes. Dizem que isso é menchevismo, para usar a expressão russa. Como veremos, nada mais distante da realidade. Conciliação de classes é acreditar que as mudanças podem vir da cooperação com a burguesia, não com a luta. Menchevismo quer dizer apoiar a burguesia como liderança das mudanças e da revolução. Quer dizer se aliar com a burguesia. Mas no decorrer do texto retomaremos este tema.

TROTSKISMO E LENINISMO

Ademais das razões mencionadas, no PSOL há uma razão adicional interessante para se estudar Lênin. Por sorte, no partido existem muitos quadros com formação no trotskismo, embora, já não com sorte, existem inúmeras vertentes, correntes, alas e matizes entre os militantes que reivindicam este tronco do marxismo. Sendo quem escreve estas linhas parte com orgulho desta mesma tradição, não tenho a menor dúvida de que na sua formação os militantes trotskistas leram em geral menos Lênin do que deveriam.

As direções das correntes de orientação trotskista sempre consideraram que o trotskismo representava uma continuidade do leninismo. Com esta visão, quando impulsionavam a formação política, partiam da ideia de que a leitura de Trotsky fosse suficiente, como se o trotskismo abarcasse o leninismo, o absorvesse no essencial, perdendo assim a compreensão de que continuidade não quer dizer totalidade, razão pela qual não dispensa a necessidade de mergulhar nos tomos de Lênin, inclusive para captar o trotskismo como sua continuidade, cuja génese, aliás, se encontrasse na negação da deformação e degeneração do marxismo promovida pelo aparelho stalinista.

E neste sentido não há dúvida de que o trotskismo é a continuidade do leninismo, embora o leninismo não seja o trotskismo, ou melhor, não se resuma ao trotskismo, cujo surgimento, num período de refluxo da revolução mundial, foi como um movimento de resistência no qual seu fundador jamais pretendeu construir uma obra mais vasta e mais profunda do que a de Lênin, a quem reivindicava, depois de 1917, como mestre.

Embora tenha vivido menos tempo do que Trotsky, e embora Trotsky tenha respondido de modo genial e algumas vezes melhor do que Lênin a experiências vividas em comum —além, depois do desaparecimento de Lênin, de seguir elaborando com brilhantismo (poucos livros se comparam em capacidade de análise e previsão com a Revolução Traída, quando Trotsky demonstrou a natureza totalitária do stalinismo) a obra de Lênin é a mais universal. Apesar disso, nas correntes trotskistas os quadros políticos são incentivados mais a lerem o próprio Trotsky. É lógico que no que digo tem uma certa dose de exagero, mas não há dúvida de que esta preferência é visível. Este texto é uma exceção que confirma a regra. A melhor orientação é o estudo rigoroso dos dois autores e lideres revolucionários.

A parcialidade de uma formação em que o peso de Lênin seja menor fica ainda mais injustificável porque o próprio Trotsky o considerava —e estava coberto de razão — como o principal estrategista revolucionário da história da humanidade. Seu apego pelo método marxista segundo o qual a verdade é sempre concreta, é relativa, ou seja, a necessidade da análise concreta da situação concreta é uma lição inigualável. E nisso Lênin foi muito superior a Trotsky, cuja propensão sempre foi maior para construções e esquemas teóricos mais rígidos, com pretensões de responder a situações diversas e, portanto, de natureza mais geral e abstrata.

Um dos pontos mais fortes de Lênin é a questão do programa entendido como uma política para a ação com base nas tarefas que estão colocadas em um determinado período da luta de classes. E um dos textos mais brilhantes de discussão programática de Lênin foi “Duas táticas da Socialdemocracia”, escrito em 1905. A seguir vamos nos debruçar um pouco sobre algumas das questões vinculadas com este texto. Não deixaremos de lado as imensas contribuições de Trotsky para a análise do mesmo período. O passo seguinte será estabelecer a evolução do pensamento destes dois gigantes na questão do programa e do partido, seus desdobramentos e convergências que conduziram os dois à condição de principais dirigentes da revolução russa de outubro de 1917.

A EXPERIÊNCIA DA REVOLUÇÃO RUSSA DE 1905

AS TRÊS CONCEPÇÕES SOBRE A REVOLUÇÃO RUSSA: DUAS TÁTICAS DE LENIN

BALANÇO E PERSPECTIVAS DE TROTSKY

CARTA DE MARX DE 1850

Greves econômicas, greves políticas, rebeliões de camponeses e marinheiros, manifestações de rua, confrontos armados entre operários e policiais, greve geral, organismos de massas surgindo. A Rússia se convulsionou, em 1905, num levante de massas contra o regime czarista, um regime policial, autoritário, onde os camponeses eram tratados como servos, e os operários eram super explorados em jornadas de 12 a 16 horas, sem direito legal de greve, sendo perseguidos e mesmo surrados diante do menor sinal de protesto.

 La Marselhese era a canção revolucionária da insurreição que eclodiu na Rússia quando a vida industrial foi paralisada. Esta experiência da revolução de 1905 foi o laboratório para as teorias revolucionárias dos marxistas russos. A particularidade deste ensaio geral é que ele ocorreu num país de desenvolvimento capitalista atrasado cujo aparelho de estado era monárquico-feudal. Ao mesmo tempo, o mundo visto como uma totalidade permitia entender que o atraso russo se combinava às mais modernas técnicas industriais capitalistas introduzidas no império pelo investimento estrangeiro, que resultou na concentração do operariado em grandes fábricas nas principais cidades do país, notadamente em Moscou e Petrogrado. Ou seja, um país de maioria camponesa com um operariado concentrado nas grandes cidades. Mais tarde, Trotsky apresentaria de modo científico esta explicação do desenvolvimento desigual e combinado, formulando uma lei com este mesmo nome.

A incidência das mobilizações revolucionárias de 1905 ultrapassou a fronteira do império czarista, entusiasmando os socialistas europeus, em particular o partido alemão, como atestam os textos e artigos de Rosa Luxemburgo e Karl Kautsky, dois expoentes do então partido mais forte da II Internacional. Havia passado mais de 50 anos das derrotas das revoluções de 1848 e mais de 30 anos da experiência da Comuna de Paris quando, durante dois meses, os operários controlaram a capital francesa. E o século XIX não passou em vão, insistia Trotsky. Em 1848, o movimento operário ainda não estava maduro, mesmo nos processos mais avançados. Trotsky conta como na Áustria os operários lutaram lado a lado com os estudantes, como Viena foi tomada pelas barricadas e numa ação determinada os operários derrotaram a monarquia, a República foi conquistada e ninguém percebeu. O poder estava vago. Apesar disso, os operários não tinham organização nem consciência para tomá-lo. As revoluções da metade do século podem ser encaradas como a ponte entre as revoluções burguesas (Inglaterra em 1648, a francesa de 1789, quando foram realizadas tarefas como a queda da monarquia e a reforma agrária, e a dos EUA, em 1776, com a conquista da independência nacional e o não pagamento da dívida externa) e as revoluções socialistas, cuja primeira expressão foi a Comuna de Paris, em 1871. Ambos os processos revolucionários – de 1848 e de 1871 – foram fundamentais na construção da compreensão estratégica de Marx e Engels, os dois fundadores do socialismo científico para os quais a revolução socialista constituíra-se como uma soma de revoluções nacionais cujo eixo geográfico e determinante eram os países centrais, Inglaterra, França e Alemanha, onde o capitalismo havia mais desenvolvido suas potencialidades, entre as quais a própria classe que seria sua negação revolucionária.

O prognóstico exato de Marx, porém, não se realizou. Mas as revoluções ocorreram transferindo seu centro de gravidade para o leste, para o oriente, como ele mesmo havia sugerido como hipótese perto do final da vida. Marx viveu a derrota da Comuna, uma derrota histórica que o movimento operário pagou com milhares de vidas e um prolongado refluxo, inclusive com a diluição da sua primeira experiência séria de organização internacional, a Associação Internacional dos Trabalhadores, da qual Marx foi um dos fundadores e autor de seu manifesto inaugural. Depois da derrota da Comuna, o mundo viveu três décadas sem efervescência revolucionária, numa situação marcada pelo desenvolvimento econômico capitalista. Foram anos de surgimento do imperialismo, isto é, do início do domínio da formação econômica e social capitalista pelo capital financeiro, união do capital bancário e industrial, regime dos monopólios privados dos países centrais. Ao mesmo tempo, os partidos operários cresciam cada vez mais e o marxismo conquistou a hegemonia nestes partidos. As revoluções, contudo, silenciaram nos países centrais.

Já no final do século XIX, no interior do movimento operário socialista havia se consolidado uma ala oportunista, capitalizada por Eduard Bernstein na Alemanha, defensora da tese segundo a qual o movimento operário avançaria via a conquista de sucessivas reformas, sempre mais avançadas, melhorando a vida e aumentando a força do proletariado, sem necessitar a revolução. A base objetiva dessa tese oportunista era o crescimento do capitalismo, quando as guerras entre as potências europeias haviam sido exceções ao longo dos últimos 70 anos e a exploração das colônias, a partir do final do século XIX, permitia a repartição dos superlucros da burguesia imperialista com seu próprio proletariado.

 O ano de 1905 anunciou a mudança de época, o início da eclosão de uma nova onda revolucionária. Podemos dizer que a revolução russa de 1905 foi o primeiro sinal de que estava se encerrando a época reformista do desenvolvimento do capitalismo, isto é, um período de acumulação que derramava muitos benefícios também para a classe trabalhadora, permitindo concessões econômicas estáveis. Iniciava uma nova época revolucionária, onde o choque entre as classes seria mais direto, com o capitalismo com menores margens de manobra e empurrando sobre as costas dos trabalhadores o peso da crise. Em 1905, tivemos o primeiro trovão antes da eclosão da guerra imperialista de 1914 e dos processos revolucionários que se abriram depois da guerra mundial.

Vamos nos deter um pouco aqui nas três posições sobre a preparação da revolução de 1905 existentes entre os revolucionários russos organizados no Partido Operário Social-Democrata (nome dos marxistas organizados e ligados à II Internacional Socialista, fundada sob a direção de Engels).

 a) Escrevendo esquematicamente, podemos dizer que os bolcheviques – tendência dirigida por Lenin – defendiam que a revolução para derrubar a autocracia czarista seria democrático-burguesa, isto é, a economia seguiria sendo dominada pelo regime da propriedade privada. Mas, diante da força social do proletariado concentrado em grandes fábricas e do temor da burguesia com relação à mobilização revolucionária, a revolução deveria ser dirigida pelo proletariado em aliança com o campesinato – maioria da população –, inaugurando uma ditadura democrática revolucionária, cujo objetivo, além da queda da autocracia e da conquista de amplas liberdades democráticas, seria o de adotar medidas de melhoria da vida do povo, sobretudo a reforma agrária a partir da qual se desenvolveria um capitalismo não asiático, moderno, estimulando a industrialização, e um novo regime político democrático onde a luta do proletariado diretamente pelo socialismo se daria em melhores condições. Para tanto, o papel do partido era determinante.      

Em outras palavras, os bolcheviques e Lenin defendiam a realização de uma revolução burguesa conquistada por uma luta democrática revolucionária em que o proletariado defenderia um novo governo e um novo poder cuja característica seria a ditadura democrática do proletariado e do campesinato a partir do qual se inauguraria a lula direta pelo socialismo, cujas tarefas estariam mais próximas quanto mais profunda fosse a revolução democrática. Para o senso comum, parece antagônica a ideia de ditadura e democracia. Mas o marxismo demonstrou que mesmo a mais democrática das repúblicas burguesas é uma ditadura da burguesia sobre o proletariado, uma ditadura, no caso, de uma classe minoritária submetendo uma maioria. Assim, a ditadura defendida por Marx e Lenin era a inversão do domínio de classes, isto é, a ditadura da maioria sobre a minoria. A maioria seria todo o povo contra os defensores da autocracia e da contrarrevolução. Por isso, o conceito de ditadura democrática, acrescida da especificação “proletariado e campesinato”; indicação dos sujeitos sociais dominantes politicamente no novo regime político.

b) A posição dos mencheviques – tendência de oposição a Lenin – era de que a revolução também seria burguesa e que, por isso mesmo, quem deveria dirigir a revolução era a burguesia, cabendo aos socialistas impulsionar a revolução, mas serem cautelosos para manter a burguesia na oposição ao czarismo – para que  a mesma não abandonasse a luta contra a autocracia e deixasse desamparado o proletariado; defendiam não compor um eventual futuro governo no caso de vitória da revolução. Esta não participação era justificada porque, segundo os mencheviques, os socialistas não podiam se comprometer com o Estado burguês e deveriam acumular forças na oposição até se desenvolverem as condições de uma nova revolução, desta vez diretamente socialista. Toda sua estratégia, portanto, se centrava na defesa da instauração de um regime parlamentar burguês estável onde eles fossem a oposição.

c) E havia a posição de Trotsky – na época um político independente das duas frações – de que a revolução contra o czarismo e a autocracia assumiria um caráter socialista porque os operários seriam a vanguarda da revolução, perspectiva reforçada por seu peso social, sua concentração industrial e, nesta condição, não aceitariam conquistar o poder e manter a exploração da burguesia, o que quer dizer que o poder operário teria como desdobramento a implementação de medidas socialistas, concretamente, a alteração do regime de propriedade com a expropriação da burguesia.

Nas palavras do próprio Trotsky, sua posição foi assim resumida: “a revolução, que começar| como uma revolução burguesa quanto às suas primeiras tarefas, depressa levará as classes hostis a enfrentarem-se e não poderá conseguir a vitória final se não transferir o poder para a única classe capaz de se colocar à cabeça das massas oprimidas, o proletariado. Uma vez no poder, este não só não quererá, mas não poderá limitar-se à execução de um programa democrático-burguês; (…) O programa democrático-burguês da revolução será ultrapassado, ao mesmo tempo em que as suas limitações nacionais e a dominação política temporária da classe operária se desenvolverão numa ditadura socialista prolongada (…). Uma vez tomado o poder, o proletariado não poderá permanecer nos limites da democracia burguesa: terá que adotar a tática da revolução permanente, quer dizer, ultrapassar as barreiras entre programa mínimo e programa máximo da socialdemocracia (comunistas), realizar reformas sociais sempre mais radicais, e procurar um apoio direto e imediato na revolução na Europa Ocidental (página 11, Prefácio da edição russa de 1919 do livro Balanço e Perspectiva, Editora Antídoto – 1979).

Como se vê, a posição de Trotsky se aproximava dos bolcheviques ao definir o proletariado como a vanguarda da revolução, como sujeito social determinante do processo – separando-se, neste sentido, da posição menchevique. Por outro lado, se separava dos bolcheviques que sustentavam o caráter democrático burguês, não socialista da revolução, definição sociológica comum entre estes e os mencheviques, embora, como veremos, suas políticas eram opostas. A posição de Trotsky, entretanto, não era que a revolução era diretamente socialista, mas se transformava em socialista porque sua dinâmica de classe empurrava nesta direção. Ao mesmo tempo, coincidia com os mencheviques em não defender a necessidade de um partido revolucionário centralizado. Na verdade, se contamos com Parvus, marxista Alemão, são quatro posições, não três, já que este último defendia que a revolução teria que ser feita pela classe operária, embora seu caráter de classe fosse burguês, dispensando o papel determinante do partido revolucionário para disputar a direção do processo.

Lenin identificava as posições dos mencheviques como expressão russa da ala oportunista da II Internacional. E criticava Trotsky por sua posição de aliança com os mencheviques na questão do partido, criticando também a este por não hierarquizar a importância da aliança com o campesinato para a realização da revolução que se avizinhava, embora tal crítica jamais tenha tido o conteúdo, como a atribuiu o aparelho stalinista, de modo calunioso, segundo o qual Trotsky se opunha à aliança operária e camponesa. Mais adiante, voltaremos à posição de Trotsky sobre o campesinato e seus limites, e os limites de sua posição.

Não é ocioso discutir estas distintas formulações. Defensores de uma política de conciliação com a burguesia nos processos revolucionários – sobretudo na história das últimas seis décadas –, os PCs, vinculados com as posições políticas da burocracia do Kremlin, ou da China, trataram de se apoiar na autoridade de Lenin para defender sua política de conciliação com a burguesia. Foi o caso do PCdoB quando apoiou a Nova República, dirigida por Tancredo e Sarney, em 1985. E atualmente, mesmo com a falência do aparelho stalinista soviético, entre as correntes e partidos que reivindicam o movimento dos trabalhadores, não são poucos os que defendem a ideia de que não se pode romper com a burguesia, de que apenas unidos com um setor da burguesia se pode avançar. Alguns setores do PT seguem sustentando esta tese para camuflar sua traição aberta.

Por outro lado, alas esquerdistas, ao reivindicar a posição de Trotsky, atribuem também a Lenin uma posição etapista, isto é, a ideia de que Lenin defendeu que primeiro se fizesse uma revolução burguesa democrática, para só depois da consolidação da mesma, da estabilização do novo regime democrático burguês, como resultado do desenvolvimento capitalista, se lutasse pelo domínio dos trabalhadores. Nisso tampouco os esquerdistas têm razão. Está mais do que na hora de reivindicar Lenin e a atualidade de sua obra. Aliás, Eduardo Almeida, dirigente do PSTU, é um dos que tratam de atribuir a Lenin uma posição etapista, como se ele apenas em 1917 tivesse mudado de estratégia e, aí sim, acertado, finalmente, adotando a posição de Trotsky. O mesmo Eduardo Almeida, que não entende Lenin, tenta nos equiparar às posições dos mencheviques e stalinistas, embora não consiga encontrar em nosso resumo publicado uma única frase que sustente sua posição. Ao contrário, nosso texto define que a burguesia como classe não tem interesse na revolução, nem democrática, nem anti-imperialista, e muito menos na revolução socialista. Sustentamos, por sinal, o mesmo método de Lenin, alicerçado no chamado à revolução ininterrupta. Mas vejamos isso mais de perto.

“DUAS TÁTICAS” DE LÊNIN – UM CLÁSSICO DA REVOLUÇÃO

Ao longo deste texto, nos esforçamos por uma leitura mais autêntica, fiel ao pensamento de Lenin, cuja marca determinante é a compreensão da luta entre os contrários como fonte do desenvolvimento, dos saltos no desenvolvimento, da descontinuidade, da conexão entre os processos, portanto, da luta ininterrupta e da oposição ao etapismo. E nisso está a base de sua unidade com Trotsky em 1917. Começamos com o convite para que vejamos mais de perto a posição de Lenin expressa no seu livro “Duas Táticas da Socialdemocracia”. Segue uma síntese da orientação de “Duas táticas”:

 a) definia que o eixo da tática era a luta pela derrubada revolucionária do czarismo, ao mesmo tempo em que insistia na natureza burguesa da revolução, acreditando no desenvolvimento de um capitalismo moderno, não asiático, a partir do qual o proletariado lutaria pelo socialismo em melhores condições; sustentava que a burguesia era inconsequente nesta luta e na própria revolução democrático-burguesa.

 b) Defendia que o proletariado deveria assumir a direção do processo, em unidade, sobretudo, com o campesinato, constituído pela maioria da população russa e das demais repúblicas do império czarista.

c) Os bolcheviques lutavam pela mais radical democracia burguesa e pelas reivindicações do proletariado no interior deste bloco; em sua defesa da democracia burguesa, diferenciavam, porém, a democracia burguesa de um burguês e a de um camponês, sustentando sempre a aliança estratégica com este último. Criticavam, por exemplo, a proposta de Comuna, mas ao mesmo tempo queriam um novo governo que fosse radical contra qualquer vestígio do antigo regime.

d) Lenin aceitava a unidade com a burguesia mais democrática, definindo que neste caso teria duas alas da burguesia, uma mais ligada à monarquia e outra menos egoísta. Aceitava lutar pela revolução com esta, mas tampouco depositava confiança nela nem abandonava a tarefa da luta pela direção do proletariado nesta revolução democrática, sempre em aliança com o campesinato.

e) Discutia as condições de participação do partido socialdemocrata (nome dos revolucionários marxistas da época) num novo governo provisório revolucionário surgido da vitória da insurreição contra o czarismo, tendo a correlação de forças como uma das bases para a análise e a escolha acerca da participação ou não; o argumento menchevique (uma das alas do partido) de que participar de um governo em conjunto com representantes da burguesia seria cair no millerandismo (quando pela primeira vez na França os socialistas participaram de um governo burguês) –, ou seja, seria cair numa linha de sustentação do Estado burguês – era denunciado por Lenin como uma posição de esquerda apenas aparente, já que aceitava sem luta, sem tentativa de aproveitar para mudar o país “de cima para baixo” além de “de baixo para cima”.

A posição dos mencheviques era um sinônimo, portanto, de uma posição omissa, passiva, que entregava a direção da revolução e do governo, surgido da revolução, para a burguesia. Tratava-se, então, de uma política oportunista levada adiante com argumentos semianarquistas para não construir um governo da ditadura democrática do proletariado e do campesinato; Lenin, ao contrário, defendia a luta no interior deste governo: defendia que a entrada dos socialdemocratas dependia da correlação de forças, das possibilidades de intervenção real no processo de “cima para baixo” e que seu papel no governo era radicalizar a democracia, entregar a terra aos camponeses, defender as reivindicações mínimas do movimento operário – mas fundamentais para melhorar a vida dos mesmos – enfrentar a contrarrevolução e a própria burguesia que iria atacar os operários, e enfrentar inclusive a própria ala da burguesia que também pudesse integrar o governo.

 f) Logicamente, defendia também que o governo podia ser formado sem qualquer fração da burguesia se a mesma recuasse, e que uma política revolucionária de mobilizações de massas deveria ser levada adiante sem temor de assustar a burguesia. Delimita, então, uma luta ininterrupta; não aceitava, por exemplo, a ideia de um novo governo que regulasse a luta de classes como defendia a resolução da conferência menchevique.

g) Como princípio fundamental de toda sua estratégia, defendia a organização independente do proletariado, um partido próprio que manifestasse com clareza e de modo sistemático os interesses do proletariado, suas tarefas imediatas e históricas e o objetivo socialista de sua luta.

Sua posição era derivada de Marx, do Manifesto Comunista de 1848 e dos textos de 1850, das experiências das revoluções de 1848 e das conclusões de Marx destas experiências, conclamando a revolução permanente. Marx, na revolução alemã de 1848, percebeu com clareza que a burguesia não queria levar adiante uma revolução democrática consequente, preferia negociar com a nobreza e compor uma transformação gradual – ou mesmo manter a situação como estava – e não se unir com os operários e com o povo em mobilizações revolucionárias. A pequena burguesia também não era consequente, embora Marx defendesse a unidade entre o incipiente proletariado e os pequenos artesãos, camponeses, estudantes. Mas sua política expressa na mensagem à Liga dos Comunistas de 1850 apresentava o corte classista em defesa da necessidade de uma organização independente do proletariado. E ao mesmo tempo defendia que o movimento de massas deveria levar adiante suas demandas de forma cada vez mais clara, sem parar.

Ou seja, quando a burguesia já não tinha mais nada a ver com os jacobinos, isto é, com os únicos que poderiam defender bandeiras democráticas – justamente as bandeiras do movimento operário nas revoluções de 1848 – foram os próprios trabalhadores que assumiram o compromisso de levar adiante as bandeiras democráticas. Marx apenas intui esta mudança na dinâmica da relação entre as classes sociais e suas tarefas, que fizeram com que algumas classes assumissem tarefas de outras, concretamente os operários assumindo as tarefas não realizadas pela burguesia. Marx não formula esta dialética deste modo claro, embora sua posição claramente tenha servido de inspiração para a posição de Trotsky. Algumas de suas formulações, notadamente a mensagem à Liga, jogaram luzes de visionários, reivindicando a luta permanente até a conquista do poder do proletariado, a conquista dos principais instrumentos de produção e o triunfo da revolução nos principais países. Mas foram luzes rápidas, não articuladas numa estratégia global consolidada. Cada um deve tirar suas conclusões, mas minha impressão é de que a posição de Lenin é mais próxima da de Marx do que a posição de Trotsky, porque a defesa da revolução permanente em Marx respondia ao conceito de luta ininterrupta, não havendo nela uma avaliação mais acabada sobre a dialética entre as classes e as tarefas revolucionárias. Neste sentido, embora inspirado em Marx, Trotsky fez um aporte original.

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 E AS TESES DE ABRIL

A revolução russa de 1905 foi derrotada. Sua experiência, porém, foi determinante. Sem ela, segundo Lenin, a revolução não teria triunfado doze anos depois, nem a revolução de fevereiro, nem a de outubro de 1917. Posto isso, fazemos uma afirmação que retomaremos em seguida:  foi a orientação de Lenin de 1905 que permitiu que os bolcheviques adotassem uma linha política correta, cuja palavra de ordem central era “abaixo o czar” para impulsionar a revolução russa, cuja primeira vitória ocorreu em fevereiro de 1917. E sem a vitória de fevereiro, as condições da revolução dirigida pelos bolcheviques não teriam se realizado.

A primeira revolução vitoriosa ficou conhecida como a revolução de fevereiro: caiu o czarismo, o governo provisório foi assumido pelos mencheviques (já conformados em partido, depois da divisão definitiva com os bolcheviques de 1912), partidos representantes da classe média, como os SR (socialistas revolucionários), e setores da burguesia. O governo foi encabeçado pelo advogado Kerensky, da ala direita do partido Socialista Revolucionário. Lenin, ainda no exílio, decidiu não entrar no governo. Ao contrário, criticou duramente os bolcheviques que estavam na Rússia, entre eles Kamenev e Stalin, que defendiam, das páginas do Pravda (jornal do partido), uma posição de conciliação com o governo, de apoio crítico ao governo provisório. A posição de Stalin representava a tentativa de aplicação dogmática, estreita, conciliadora da defesa de Lenin da ditadura democrática de 1905. Mas Lenin repudiava esta tentativa de misturar suas posições com a conciliação. Nada mais distante da ideia de apoiar o governo e acumular forças para um futuro indefinido. Seu chamado foi pela luta direta e imediata. Nada de etapismo.

A realidade, como sempre, foi mais rica que a teoria: a revolução democrático-burguesa vitoriosa de fevereiro foi mais rica que os esquemas anteriores dos bolcheviques E isso deu margem para que uma determinada leitura, dogmática e não dialética, das teses bolchevistas de 1905 conduzisse à capitulação. Foi uma deformação da tese, embora alguma guarida encontrasse nelas. Por isso, Lenin, ajustou o curso e propôs as “Teses de Abril”, uma mudança no programa bolchevista.

O contexto da nova orientação foi no desdobramento da revolução de fevereiro. Ou seja, não tinha como ser elaborada antes da vitória da revolução porque justamente foi uma resposta à nova situação originada por esta vitória. Na Rússia, havia se estabelecido um regime de duplo poder. Em todos os lados, surgiram conselhos de operários, camponeses e soldados, cujos poderes – no controle da distribuição da produção, nas questões da segurança das cidades, nas decisões políticas etc. – muitas vezes eram superiores aos do governo provisório, embora, nos primeiros meses, os soviets apoiassem majoritariamente o governo, com os mencheviques e SRs tendo ampla maioria. O novo governo não resolveu o problema da terra e da paz, nem publicou os acordos secretos do czarismo. Não aceitava muito menos formalizar os soviets como instituição de centralização de todo o poder, tentando, na prática, esvaziar seu conteúdo e consolidar a força do governo provisório. Ou seja, a hegemonia do novo governo estava totalmente clara e não correspondia aos interesses da continuidade da revolução. Lenin seguiu exigindo as demandas não realizadas.

Diante do novo governo, cuja essência era contra a revolução, com os soviets em ascensão, a ruptura de Lenin com o velho programa se afirmava: abandonou a rejeição à Comuna e declarou o fim da separação entre o programa mínimo e máximo. Logo proclamou o caráter socialista da revolução. Foi o momento de aproximação entre Lenin e Trotsky, quando ambos defenderam uma nova revolução contra a burguesia, que abriria a etapa do poder do proletariado e do campesinato sob hegemonia do proletariado e do inicio da realização de tarefas econômicas e sociais anticapitalistas.

No prefácio da edição de 1919 de Balanço e Perspectiva, Trotsky reivindica sua teoria. A reivindicação é justa, porque de fato a segunda revolução russa, a de outubro de 1917, dirigida pelos bolcheviques, não desembocou num crescimento não asiático do capitalismo, mas num novo regime de propriedade, na expropriação dos expropriadores, tudo isso em questão de meses, não de anos. Em 1918, a expropriação da burguesia se confirma. A revolução não era burguesa nem ocorreu desenvolvimento do capitalismo, mas o início da construção socialista, como proclamou Lenin em 1917, negando suas posições anteriores. As teses de abril marcaram este giro, esta nova orientação, impulsionando a nova revolução. Tudo isso é incontestável.

De fato, Lenin abandonou a ideia de que a revolução traria um progresso do capitalismo, superando os traços feudais e asiáticos do mesmo na Rússia. Proclamou o caráter socialista e de abertura da revolução europeia. Então, é clara a ruptura, a mudança. Como apontou Löwy, Nahuel Moreno e outros autores, tudo realmente indica que a leitura da lógica de Hegel teve seu papel e também a eclosão da guerra mundial na evolução do pensamento político de Lenin. Apesar disso, Lenin jamais escreveu uma linha sequer de adesão à teoria da revolução permanente formulada por Trotsky. Isso pelo menos sugere que a relação entre a posição de Lenin e esta teoria foi mais complexa do que a maioria das escolas trotskistas supõe ao simplesmente defender a tese da adesão de Lenin à posição de Trotsky. Em 1915, por exemplo, a guerra já estava em curso e ele já havia estudado a lógica. Mesmo assim, criticava Trotsky duramente. “A tarefa principal de um partido revolucionário é esclarecer a correlação de classes na revolução que se aproxima (…) Trotsky propõe uma solução errônea no Nashe Slovo, repetindo sua ‘original’ teoria de 1905 e negando-se a refletir sobre as causas pelas quais, durante dez anos, a vida passou ao largo desta magnífica teoria” (pg. 83, acerca das duas linhas da revolução. Obras completas, Tomo 27).

Creio, então, que é incorreto definir que as teses de abril foram uma conversão pura e simples de Lenin à permanente de Trotsky defendida em 1905. Primeiro, porque Trotsky não dava importância em 1905 – como ele mesmo obviamente reconheceu –, ao papel do partido revolucionário na revolução para a realização de uma revolução como a de outubro. Em segundo lugar – e este neste caso é o fator mais importante – porque a política de Lenin em defesa de uma nova revolução era desdobramento de sua ideia de luta ininterrupta. Em inúmeros escritos de Lenin fica claro que as teses de abril foram uma ruptura, mas também uma continuidade. Foram uma superação. Tanto é assim que Lenin tinha claro duas questões que alicerçaram a teoria de Trotsky: a combinação de tarefas e o desenvolvimento desigual e combinado, embora não formulasse nenhuma destas questões com a genialidade e a clareza de Trotsky que, corretamente, definiu o desenvolvimento desigual e combinado como uma lei, hierarquizando a mesma em sua elaboração teórica.

Mantendo sua posição em que separava de modo ainda rígido a revolução burguesa da revolução socialista, Lenin já apontava a combinação de tarefas. “Naturalmente”, dizia Lenin em 1905, “numa situação histórica concreta se entrelaçam os elementos do passado e do futuro, se confundem um e outro caminho. O trabalho assalariado e sua luta contra a propriedade privada existem também sob a autocracia, nascem inclusive num regime de servidão. Porém isso não impede minimamente em distinguir lógica e historicamente as grandes fases do desenvolvimento. Todos nós contrapomos a revolução burguesa à socialista, todos nós insistimos na necessidade de fazer uma distinção rigorosa entre as mesmas, porém se pode negar que na história se entrelaçam elementos soltos, particulares de uma e outra revolução? Por acaso a época das revoluções democráticas não registra na Europa uma série de movimentos socialistas e tentativas socialistas? E por acaso a futura revolução socialista na Europa não terá todavia muito para fazer para dar fim ao que ficou incompleto no terreno da democracia?” (página 78, Duas Táticas. Editorial Progresso, Moscou).

SÍNTESE DAS TESES DE 1905 E DA REVOLUÇÃO PERMANENTE DE TROTSKY

A reivindicação da continuidade no pensamento de Lênin se reforça quando levamos em conta que, quando Lênin assume a defesa da necessidade de uma nova revolução, desta vez de caráter socialista, já havia ocorrido a queda do czarismo, com a primeira revolução, a de fevereiro, cujo resultado imediato foi a abertura de um período de muita democracia. Segundo Lênin, esta revolução garantiu a instauração de um regime democrático na Rússia com maiores liberdades de organização do que nos países da Europa. Ou seja, a consigna central dos bolcheviques de “abaixo o czar”, consigna democrática, não socialista, havia se realizado plenamente. E a revolução de fevereiro uniu vários setores do povo e vários partidos, sobretudo os representativos do campesinato e dos soldados, que não eram na sua imensa maioria adeptos do bolchevismo. Na última hora, na agonia final do czarismo, setores burgueses também aderiram. E sem fevereiro, não teriam se desdobrado as contradições nem se clarificado as políticas dos partidos e os interesses de classe correspondentes para permitir que os bolcheviques ganhassem tão rapidamente a influência na maioria das massas, e, em primeiro lugar —e isso foi o determinante — entre a maioria dos operários dos sovietes de Petrogrado e Moscou. Os sovietes também se formaram em fevereiro, estabelecendo um regime de duplo poder.

A questão, portanto, é que até a queda do czarismo o eixo da ação de massas era democrático, era o “abaixo o czar”, não a revolução socialista, não o poder operário e popular concretizado nos sovietes. Podemos dizer então que a politica se apresentava mais pela negativa, não pela positiva. Neste sentido é importante lembrar como Nahuel Moreno, um dos principais dirigentes trotskistas do pós-guerra, corretamente defendia a consigna “abaixo a ditadura” no cone sul no final da década de 1970 e início dos anos 1980, tendo esta consigna como tarefa central da revolução, sem colocar muitas outras. Parece que neste caso seguia mais a armação política de Lênin.

Em outras palavras, a armação política correta em 1905 era centrada na luta pela revolução democrática, pela vitória contra o czarismo e no chamado aberto para unir forças e mobilizá-las para derrubar o poder do czar. Outras bandeiras democráticas eram a reforma agrária e a luta pela paz. Esta orientação seguiu até a vitória da revolução de fevereiro, e armou a intervenção bolchevista em todo este período histórico. Ao mesmo tempo Lênin sempre defendeu que a luta era ininterrupta — depois da queda do Czar, seguiu a luta pela paz e pela terra – e sempre defendeu que a entrada no governo dependia da correlação de forças e das possibilidades de mudar o país “de cima pura baixo” e não apenas de “baixo para cima”. Entrando ou não no governo, a mobilização revolucionária deveria continuar. Em fevereiro de 1917 a opção foi por não entrar, já que a natureza e a política do governo  provisório de Kerensky iam contra a mobilização, tendo ademais adotado uma política pro-imperialista, de conciliação com os privilegiados, não garantindo nem o pão, nem a terra, nem a paz, sendo um governo, portanto, oposto aos interesses da revolução mundial. Nestas condições, participar ou apoiar significava ceder no essencial e desarmar a continuidade da luta, Na Rússia, em 1917, como a revolução de fevereiro, Lênin não teve dúvida em chamar a não confiar no governo, e manteve os bolcheviques na oposição com a expectativa de ganhar as massas, de ser a ala consequente da revolução fora do governo, demonstrando sua real natureza.

Antes de seguir, não resistimos em antecipar uma pergunta sobre um tema que logo retomaremos: por acaso Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa defendem uma política pré-imperialista como defendeu Kerensky? Nos parece delirante responder que sim. Por isso achamos delirante a posição de esquerdistas em geral, e de Eduardo Almeida do PSTU em particular, quando definem como similares estes governos latino-americanos e o governo de Kerensky.

Como prova de que o pensamento de Lênin não tinha nada que ver com o esquematismo dogmático, depois da revolução de fevereiro, mas antes de outubro, Lênin propôs um compromisso com os mencheviques e socialistas revolucionários: se eles aceitassem o poder dos sovietes —num momento em que Lênin era minoria nesta instituição— os bolcheviques renunciariam a defesa da insurreição e disputariam o poder pela via pacifica. Esta proposta não era uma manobra, mas uma convicção de que os sovietes, como organismos máximos de poder, representariam, como mínimo, a concretização da ditadura democrática do proletariado e do campesinato, abrindo a possibilidade de uma disputa no seu interior pelos rumos da revolução.

Assim, fica claro que Lênin entendeu o governo provisório de Kerensky como uma tentativa de roubar das massas o trunfo da revolução. A continuidade e o aprofundamento da revolução dependiam de uma oposição clara a este governo. Onde mais se expressava o caráter inconsequente do novo governo com a própria revolução de fevereiro foi sua negativa de entregar o poder para os sovietes. A inconsequência e a traição do governo provisório ficaram provadas na covardia para enfrentar Kornilov, representante da contra-revolução — apoiado pelo czarismo e pela burguesia europeia – e depois na aceitação de Kornilov na conciliação com os exércitos imperialistas para derrotar a nova revolução defendida por Lênin e pelos bolcheviques.

ENTAO, QUAL RELAÇÃO ENTRE AS TESES DE ABRIL E A TESE DA REVOLUÇÃO PERMANENTE?

Para Eduardo Almeida do PSTU, “em 1917, a história testou as distintas estratégias”, como se a elaboração de Lênin de 1905 e a de Leon Trotsky fossem antagônicas. E como se Lênin tivesse defendido uma linha estratégica durante 12 anos e, em 1917, a tivesse abandonado. Os bolcheviques desavisados teriam mantido a estratégia anterior e por isso apoiaram Kerensky. A realidade, porém, não permite estas simplificações que acabam distorcendo a real dinâmica histórica do processo revolucionário e as mudanças não apenas nas estratégias e nas políticas, mas nas condições em que estas estratégias se realizavam, e como se modificavam as próprias estratégias na medida em que se realizavam, parcial ou completamente.

Eduardo Almeida vende a ideia de que os bolcheviques eram etapistas. A posição deles, porém, era da revolução ininterrupta, isto é, defendiam a realização de uma revolução burguesa conquistada por uma luta democrática revolucionária em que o proletariado defenderia um novo governo e um novo poder cuja característica seria a ditadura democrática do proletariado e do campesinato a partir do qual se inauguraria a luta direta pelo socialismo, cujas tarefas estariam mais próximas quando mais profunda fosse a revolução democrática. Esta defesa permitiu uma intervenção correta durante anos, uma intervenção intransigente na defesa do avanço da revolução, do caráter ininterrupto da mesma.

Quando triunfa a revolução de fevereiro se realizam parcialmente os objetivos da revolução democrático-burguesa, mas mesmo estes objetivos estavam ameaçados com a continuidade do governo provisório. A questão agrária tampouco havia sido solucionada. Insistimos que apenas parcialmente os objetivos da ditadura democrática haviam sido alcançados porque o pensamento de Lênin indicava a necessidade de uma nova revolução justamente para levar adiante as tarefas não realizadas, combinando desta vez as tarefas democráticas com as tarefas antiburguesas, diretamente socialistas, indissoluvelmente ligadas a revolução socialista europeia.

Creio, portanto, que a estratégia de Lênin em 1917 foi mais uma síntese, não uma adesão, à posição de Trotsky, isto é, uma síntese entre as teses de 1905 defendidas pelo próprio Lênin e as teses da permanente defendidas por Trotski.

Henri Lefevbre, em seu clássico estudo sobre Lênin, sustentou que a ditadura democrática do proletariado e do campesinato defendida por Lênin em 1905 foi estabelecida apenas na revolução de outubro de 1917, quando foi instaurado o governo dos bolcheviques em aliança com os socialistas revolucionários de esquerda. Trata-se de uma simplificação, como se a realidade tivesse seguido a risca a teoria e o esquema de 1905. A verdade é que a ditadura democrática, como havia concebido Lênin, não se realizou nem em fevereiro nem em outubro. Em fevereiro ficou aquém; em outubro foi além.

A revolução de outubro, além da questão agrária e da paz, foi contra toda a burguesia, iniciando as mudanças diretamente socialistas. O fato da expropriação da burguesia ter ocorrido apenas em 1918 não anula que o começo da revolução socialista tenha sido em outubro do ano anterior, porque tais medidas econômicas e sociais foram desdobramentos Iógicos do novo regime conquistado em outubro, do domínio operário e revolucionário da nova máquina estatal, uma confirmação da dinâmica de classe da revolução defendida pela posição de Trotsky e em sintonia com a linha estratégica de Lênin.

E sua linha estratégica teve um fio de continuidade claro: o. internacionalismo. Primeiro, em 1905, o internacionalismo de Lênin se expressava na defesa de que a revolução russa com a conquista de um governo revolucionário do proletariado e do campesinato era para acender a fogueira da revolução na Europa. Em 1915, a guerra mundial abriu a situação revolucionaria europeia e a revolução de 1917 acendeu esta fogueira. Os tempos as encurtaram e as tarefas da revolução democrática e da revolução socialista se entrelaçaram. A partir daí o triunfo definitivo do proletariado russo dependia do triunfo do proletariado europeu e mundial.

Então, o grande acordo de fundo entre Lênin e Trotsky foi a defesa da concepção do papel determinante da revolução socialista mundial, cujo ensaio geral foi a revolução de 1905 e que foi aberta de modo claro com a revolução de outubro de 1917. E o conceito fundamental que liga Lênin e Trotsky. E a defesa de que a revolução começa na arena nacional e segue no terreno internacional é a essência da teoria da revolução permanente; sua atualidade é indiscutível, a marca de uma verdadeira e autêntica ditadura revolucionaria do proletariado. Neste sentido Lênin e Trotsky sio permanentistas. Além desta defesa do caráter internacional da revolução, da necessidade, portanto, de uma organização internacional, ambos eram defensores intransigentes de que a classe trabalhadora era o sujeito social fundamental da revolução socialista mundial, a única classe capaz de ir até o final neste sentido, sendo necessário que a classe operaria industrial assumisse o papel de vanguarda, razão pela qual era preciso sempre garantir e impulsionar a independência organizativa da classe e a mobilização pelas suas demandas no marco do objetivo maior: a luta pelo poder político.

Mas ao desenvolver esta estratégia Lênin tinha muito claro o conceito de luta ininterrupta — não precisando recorrer teoria da revolução permanente, embora a genialidade de Trotsky seja evidente ao se confirmar a tese central da permanente segundo a qual os operários no poder não iriam se autolimitar e aceitar a continuidade da exploração do capital. Para complicar mais as questões, vale também lembrar que o próprio Trotsky, apesar desta tese, defendeu a introdução da NEP, isto é, uma certa abertura e estimulo ao capital privado, um ano antes de Lenin, depois que a revolução havia sido desgastada por três anos de guerra civil e quando estava claro a necessidade de ganhar tempo.

Esta lembrança vale também para mostrar que Trotsky não tinha uma posição esquemática acerca das tarefas econômicas e sociais da revolução. Para ele o determinante era o aspecto político, o caráter de classe do poder. Em uma carta de 29 de margo de 1927 comentando sobre a situação chinesa, seu pensamento a respeito é exposto com muita clareza: “O problema da luta por um governo operário e camponês de forma alguma deve ser confundido com a questão de caminhos ‘não capitalistas’ de desenvolvimento para a China. Isto só pode ser proposto, e apenas nesse caso, na perspectiva do desenvolvimento da revolução mundial. Só um ignorante da variação socialista-reacionária poderia achar que a China de hoje, com seus atuais alicerces tecnológicos e econômicos, passa, através de seu próprio esforço, pular a fase capitalista. Uma concepção desse tipo seria a pior caricatura da teoria do socialismo em um único país, e levar esta concepção ao absurdo ajudaria a Comintern, depurando sua ação dessa sujeira de uma vez por todas dali em diante. Se, assim, o problema que a revolução chinesa venha a se transformar em uma revolução socialista, neste momento é apenas uma opção a longo prazo, totalmente dependente do desenvolvimento da revolução proletária mundial; a questão da luta por um governo operário e camponês tem uma importância mais imediata para o curso da revolução chinesa, bem como para a educação na revolução do proletariado e de seu partido.” Esta citação ajuda a clarificar também a real posição de Trotsky, ou seja, a demonstração de que ele no colocava um sinal de igual entre conquista do poder pelo proletariado e a aplicação imediata de medidas econômicas e sociais de natureza socialista.

Permita-nos agora um parêntese. No que li e reli não encontrei uma resposta que salde as discussões e as possibilidades de diferenças entre o pensamento de Lênin e de Trotsky na abordagem da questão do poder no que diz respeito, mais especificamente, ao caráter preciso de classe do novo poder conquistado por revoluções. Expliquemo-nos melhor.

A fórmula da ditadura democrática do proletariado e do campesinato defendida por Lênin em 1905 expressava uma posição mais algébrica sobre o caráter de classe de um novo governo. Seu peso essencial estava assentado na ideia da aliança de classes entre o proletariado e o campesinato, entre o partido revolucionário operário e a pequena burguesia com seus organismos políticos. Não deixava claro exatamente qual classe e qual o partido teria a hegemonia nesta ditadura. Trotsky era taxativo neste ponto desde 1905 e argumentava que o campesinato não podia ter a hegemonia, porque como classe era incapaz de ter uma posição independente, seguindo ora o proletariado ora a burguesia.

Como dissemos, em outubro de 1917, o que ocorreu foi mais do que ditadura democrática, pois abriu a etapa da expropriação da burguesia pelo estabelecimento direto de uma ditadura do proletariado, isto é, um poder operário revolucionário em aliança com o campesinato, mas sob a hegemonia do proletariado e do seu partido revolucionário. Foi mais, portanto, do que a fórmula de 1905. Lênin foi consciente de que tarefas democráticas, para serem cumpridas, exigiriam um poder operário revolucionário que enfrentasse imediatamente a burguesia e abrisse uma etapa no qual estaria posta a aplicação de medidas de socialização da produção.

Enganam-se, porém, os que afirmam que a controvérsia sobre as relações entre as classes exploradas na formação de um novo regime político estaria resolvida. Muito menos estavam resolvidos os desafios estratégicos nas lutas de libertação nacional. Depois da morte de Lênin. Trotsky sustentou que a formula ditadura democrática, como havia sido formulada por Lênin em 1905, não mais se realizaria. Isto é, Trotsky concluiu, sobretudo da experiência de outubro, que sua tese de 1905 teria validade universal. Como veremos mais adiante as experiências de Cuba e, sobretudo da China, parecem contradizer Trotsky. De qualquer forma Lênin não escreveu um balanço sobre sua evolução teórica depois da experiência de outubro. E quando escreveu as teses do Oriente, para armar as revoluções nos países coloniais e semicoloniais, depois da revolução de outubro de 1917, podemos dizer que reafirmou a tese da ditadura democrática do proletariado e do campesinato, ao propor que os partidos comunistas integrassem — sempre mantendo sua independência organizativa — os movimentos nacionalistas revolucionários, inclusive com setores burgueses nacionalistas revolucionários. Isso prova mais uma vez que Lênin nunca deu razão para a teoria da revolução permanente como a havia formulado Trotsky. Nem muito menos descartou a ditadura democrática do proletariado e do campesinato como havia formula ele mesmo em 1905.

Vale lembrar que Lênin percebia já naquele período que a burguesia estava cada vez mais conservadora. Percebeu este fenômeno já em 1905, razão pela qual sempre defendeu a luta pela hegemonia do proletariado e a sua independência. Por isso chamava os movimentos nacionalistas dos anos 20, cujo eixo era a libertação nacional, não tanto de nacionalistas burgueses, mas de nacionalistas revolucionários, prevendo a dinâmica contraria destes movimentos aos interesses burgueses. Tratava-se, portanto, de assumir para o proletariado estas bandeiras democráticas e ao redor delas chamar a aliança com outras classes interessadas, em especial o campesinato e a pequena-burguesia de modo geral.

As posições esquerdistas parecem desconhecer as elaborações da III Internacional dirigida por Lênin. Isso depois do teste de 1917. Quando acusam hoje, por exemplo, as posições dos operários revolucionários de Valência e outros dirigentes revolucionários de Caracas, que formaram o antigo PST venezuelano, de integrar o PSUV — afirmando que é a mesma linha do stalinismo de integrar o Kuomintang (partido nacionalista dirigido por setores nacionalistas burgueses da China), esquecem de dizer que esta tática foi defendida por Lênin e pela III Internacional, antes, portanto, da ascensão do stalinismo. Durante um período este partido esteve na linha de frente da resistência ao colonialismo e os comunistas cresceram com esta tática. Quando o Kuomintang atuou contra a revolução na China era correto romper com este partido, e a III, já estalinizada, não rompeu, mas isso e outra história. O fato é que Lênin avalizou uma tática clara de unidade com setores nacionalistas, sempre que esta tática não significasse a dissolução da necessidade de uma política independente do proletariado.

Das teses do Oriente para cá, o papel revolucionário da burguesia foi ainda mais reduzido, a tal ponto que, como regra, podemos afirmar que não há setores nacionalistas revolucionários da burguesia. Mas da pequena burguesia há muitos, e desconsiderá-los é condenar a revolução à impotência. Atualmente, ademais, estamos convencidos de que é necessário afirmar, nos países dependentes e atrasados, uma linha de luta ininterrupta, isto é, uma estratégia de construção e de alianças alicerçada na defesa de um programa democrático e antiimperialista, cuja dinâmica de classes desencadeia no processo revolucionário e no enfrentamento contra os interesses do capital enquanto um todo. Assim, embora não se possa contar com a burguesia enquanto classe, a política dos revolucionários deve ter eixos e prioridades claras de ataque cujo ordenamento é dado pelas necessidades mais urgentes da luta e do desenvolvimento do país, pela resistência ao capital financeiro e ao imperialismo, respondendo aos interesses do proletariado e de acordo com a correlação de forças nacional e internacional. Somente assim podemos aproveitar brechas e divisões nas classes dominantes e aprender a manobrar na relação com elas, atraindo aliados da pequena-burguesia, classes médias empobrecidas, camponeses, estudantes, explorados e oprimidos de modo geral. Vale a pena, ademais, alertar para a necessidade da defesa nacional dos países agredidos, sobretudo num cenário mundial em que o imperialismo promove agressões militares como a do Iraque e ameaça o Irã.

E SE A REVOLUÇÃO DE 1905 TIVESSE SIDO VITORIOSA?

Fechamos o parêntese sem esperança de saldar as diferenças entre Lênin e Trotsky sobre a ditadura democrática do proletariado e do campesinato. Como exercício, façamos ainda uma pergunta: e se a revolução de 1905 fosse vitoriosa? A tese da revolução democrática como descrita por Lênin teria se confirmado? Teria ocorrido a ditadura democrática do proletariado e do campesinato naquele momento? Este raciocínio, embora não passe hoje de hipótese sem possibilidade de comprovação, e, portanto, de exercício no cientifico, ajuda a entender que a verdade é sempre concreta.

“Duas táticas” de Lênin foi para armar centralmente o período em que a Rússia era governada pelo czarismo. Se o czarismo tivesse caído em 1905 nem os bolcheviques teriam a força que tinham em 1917 nem a Rússia estaria na guerra mundial. E a linha de Lênin era participar de um governo provisório revolucionário, sendo que os processos de experiência com as direções teriam sido muito mais mediados.

Se isso ocorresse então poderia ter se realizado um governo coma participação dos bolcheviques e mencheviques, setores burgueses, um governo de crise, de choques internos, instável totalmente, Lênin não teria entrado? Sua posição indica que sim, que estava decidido a entrar, denunciando os mencheviques como oportunistas por não defenderem o ingresso, deixando claro que o discurso contra a entrada se apoiava na rejeição a colaborar com o “estado burguês” ou até na defesa de que a entrada se justificaria apenas se a revolução fosse socialista. Lênin rejeitava estes argumentos e defendia com clareza a hipótese de entrar, sempre que os membros do governo tivessem o controle férreo do partido, que era uma de suas condições. Embora não se possa voltar no tempo e esta hipótese não tenha como passar o teste da experiência, tal discussão tem sua importância.

A SITUAÇÃO ATUAL NA AMÉRICA LATINA

Nos últimos anos, a América Latina tem vivido inúmeros processos de mobilizações revolucionárias, de insurreições e semi-insurreições que não culminaram com a destruição do Estado burguês. Em algumas delas, notadamente Bolívia e Venezuela, surgiram destes processos – pela combinação de insurreições e eleições – governos que enfrentam o neoliberalismo – política econômica atual do capitalismo imperialista e desenvolvem políticas que conduzem estes países à condição de nações independentes no sentido conceituado por Lenin e pela III Internacional.

 No que o estudo da experiência russa pode nos servir para discutir estes processos revolucionários? Durante muito tempo o trotskismo, mais especificamente os setores vinculados à escola de Nahuel Moreno, utilizou a analogia com fevereiro e outubro para examinar diferentes revoluções. Não tenho dúvida de que a analogia é um poderoso instrumento de conhecimento. Entretanto, seguir utilizando a analogia de revoluções de fevereiro e de outubro para definir estes processas atuais latino-americanos como se tal analogia fosse suficiente para explicar a riqueza e a complexidade destes processos me parece um grave abuso no qual caem as posições mais dogmáticas.

Para estes companheiros, os governos de Chávez e de Evo Morales, na melhor das hipóteses, seriam governos provisórios como foi o de Kerensky. Digo na melhor das hipóteses porque alguns sustentam que tais governos sequer foram produtos de triunfos revolucionários E a ideia de identidade entre os governos atuais de Chávez e de Evo Morales com o governo de Kerensky conduz a uma posição de confronto permanente contra estes governos, como se a política revolucionária fosse preparar a nova revolução para derrubá-los. Esta é a posição defendida pelo PSTU e sustentada no texto de Eduardo Almeida supracitado. Assim, num período em que o imperialismo e as burguesias locais têm como objetivo isolar e derrotar os governos de Evo Morales e de Chávez, não é preciso ir muito longe para perceber o desastre desta armação.

O outro lado da moeda, neste caso distante da escola morenista, é a orientação etapista, cujo resumo pode ser dado pela defesa sem crítica destes governos, justificando toda e qualquer posição por eles assumida e não sustentando a necessidade de uma política e de uma organização dos revolucionários marxistas independentes no interior deste movimento amplo. Neste texto nos detemos mais no desvio esquerdista, embora no Brasil, o mais nefasto, olhando para trás, tenha sido o desvio de direita. Afinal, o desvio de direita extremo se viu de modo vergonhoso com a capitulação enorme da maioria da então esquerda diante do governo Lula, ainda que neste caso tenha ficado claro desde 2003 seu caráter claramente burguês e contra-revolucionário. A capitulação é maior até porque o governo Lula não tem como ser comparado com o governo de Chávez, (embora o PSTU os compare) nem com o de Evo Morales nem com o de Correa. E uma das diferenças qualitativas da natureza do governo Lula para aqueles é que Lula assumiu na esteira do refluxo, não do ascenso revolucionário, A este desvio direitista, mais apropriadamente chamado de capitulação aberta de correntes como a Democracia Socialista e a Articulação de Esquerda (correntes internas do PT), a direção do MST e do PC do B, respondemos com a fundação do PSOL. Nosso desafio agora é muito prático: fortalecer este novo projeto. Mas retomemos as lições russas e as possíveis analogias.

Creio que um dos graves erros dogmáticos é não tirar conclusões das experiências revolucionárias das últimas décadas e tentar impor um esquema a realidade. O intervalo entre o fevereiro e o outubro russo foi de meses. A particularidade russa, portanto, foi de que o peso do proletariado permitiu que fosse um processo rápido, ininterrupto, Não só o peso do proletariado, mas a guerra, o ascenso e depois o duplo poder, que viabilizou a tomada de poder.

É importante ter em conta que a maioria das revoluções posteriores à revolução russa não seguiram o modelo de revoluções democráticas seguidas quase que ininterruptamente por revoluções socialistas. Creio que a experiência cubana foi exceção, isto é, a revolução democrática triunfou e pouco tempo depois, em dois anos, a revolução se transformou em socialista, embora Moreno tenha mantido para Cuba a categoria de revolução de fevereiro, os chamados fevereiros que expropriam. Esta categoria é usada também para os países em que a revolução democrática acabou se realizando diretamente como socialista, como é o caso chinês e iugoslavo, isto é, de países atrasados com regimes autoritários que viveram a experiência simultânea entre a realização de tarefas democráticas e de independência nacional e tarefas econômicas e sociais anticapitalistas. Assim o conceito de revolução de fevereiro vai se generalizando e perdendo capacidade de explicação do processo concreto. Sua utilidade se mantém, mas como elemento de comparação, não como explicação em si mesmo, como se a simples menção ao conceito resolvesse a análise, uma preguiça mental que em nada tem a ver com o marxismo.

Em muitos outros países, sobretudo na América Latina, tivemos processos opostos, em que regimes autoritários foram derrubados, mas a burguesia assumiu o controle do novo regime e as revoluções foram congeladas e abortaram. Assim tivemos uma clara separação entre a revolução democrática e a socialista, separação que, com o tempo, e diante da inconsequência da própria burguesia na defesa das medidas democráticas e de independência nacional, levaram o movimento de massas a ter que retomar com mais força a defesa de demandas democráticas e antiimperialistas. Ou seja, não foram assumidas demandas diretamente socialistas como eixo ordenador do seu necessário programa contra os regimes democráticos burgueses surgidos depois das quedas das ditaduras. Isso vale para Brasil e Argentina, por exemplo. Moreno não viu a diferença tio expressiva no tempo entre estas duas revoluções — a democrática e a socialista – e escreveu o livro “1982, começa a revolução”, apresentando a necessidade da política do partido assumir como eixo a defesa da revolução socialista, tendo em vista que a revolução democrática ji havia triunfado. Algumas correntes que se reivindicam morenistas seguem aplicando está posição, sem perceber que a distância entre uma revolução e outra atualizou tarefas democráticas e produziu mediações para as tarefas diretamente socialistas, embora nunca como hoje seja tão viva e real a combinação de tarefas. A pergunta que fica é clara: que peso devem ter as tarefas democráticas e antiimperialistas na revolução brasileira ¢ latino-americana? Para o PSOL o peso é fundamental. A luta contra a corrupção e a impunidade, pelo direito a terra, pelo controle do câmbio e de remessa de lucro são algumas destas bandeiras.

Tendo isso em conta, aclaramos que ao não aceitar a analogia como método exclusivo de análise não negamos nem desconsideramos sua importância, nem muito menos negamos a experiência russa para estudar os processos atuais. Mas queremos ampliar os horizontes desta discussão. Não é válido, por exemplo, definir que o que temos visto na Venezuela de hoje, no Equador e na Bolívia, são uma espécie de governo provisório revolucionário do tipo defendido por Lênin em 1905? Nas teses da revolução permanente Trotsky negou a possibilidade de tal regime ocorrer. De minha parte creio que é cedo para um resposta afirmativa, embora me parece uma aproximação da realidade definir que tais governos têm um pouco destas características. Por isso também voltaremos a dialogar com o que disse Trotsky neste aspecto. De qualquer forma parece evidente que nestes países não há participação no governo de partidos do estilo bolchevique porque o atraso na formação de uma direção socialista revolucionária do proletariado é enorme.

Na Bolívia e no Equador a maioria da população é camponesa e indígena ou trabalha na economia informal; em nenhum deles o proletariado conseguiu ainda construir uma organização revolucionária independente. Mas existem setores revolucionários nestes governos e muitos deles, em particular o de Chávez, tem cumprido um papel progressista, contribuído no avanço revolucionário do continente, por mais que o governo tenha contradições e terríveis equívocos, como, por exemplo, o de apoiar o Presidente Lula no Brasil, expressão externa dos erros internos de muitas de suas políticas de concessão a setores da burocracia, conciliadores e muitas vezes corruptos da própria Venezuela.

Então, quando dizemos que há semelhanças com a ditadura democrática do proletariado e de campesinato não queremos colocar um sinal de igual e dizer que finalmente se realizou a hipótese pela qual lutava Lênin em 1905. Queremos, ao contrário, derrubar esquemas sem vida, destacar a originalidade da situação e ao mesmo tempo mostrar que a tática dos revolucionários admite golpear por cima, isto é, a participação dos revolucionários nestes governos tem legitimidade nos clássicos do marxismo. Em alguns casos, trata-se de uma necessidade, de uma politica correta, de um esforço de tentar golpear “de cima para baixo”, não apenas de baixo para cima. A posição de não participar afirmando que isso significa sustentar o “estado burguês” pode parecer muito de esquerda, mas pode ser também a posição gémea do menchevismo, do oportunismo que não disputa em todos os terrenos os rumos da revolução.

Então, estudar está hipótese é importante pelos aspectos práticos. Do ponto de vista teórico, quando nas teses da Permanente, o dirigente russo nega a possibilidade de uma ditadura democrática do proletariado e do campesinato se estabelecer. Seu argumento parte de uma premissa: a mesma “sé seria realizável se pudesse existir um partido revolucionário independente que exprimisse os interesses da democracia camponesa e pequeno-burguesa em geral e, com o auxilio do proletariado, fosse capaz de conquistar o poder e determinar seu programa revolucionário” (tese 6). Trotsky segue dizendo que a experiência contemporânea, e, sobretudo, a experiência russa dos últimos 25 anos, nega a existência de tal partido camponês. Pois a história da revolução chinesa mostra o contrário.

O maoísmo se desenvolveu como “tendência revolucionária socialista agraria, até 1935, direção oficial do PC e governo das zonas liberadas, refletindo o movimento nacional agrário de resistência ao imperialismo japonês, até 1945” (Nahuel Moreno, China x Vietnã, p. 62). Em seguida se converteu em governo de toda a China Popular, “que triunfa apoiando-se numa revolução de camponeses pobres do norte da China” (idem). Na experiência chinesa, marcada por uma revolução cujo sujeito social fundamental foi o campesinato, desenvolveu-se uma tendência socialista revolucionária agrária que encabeçou o processo, negando a premissa de Trotsky (Moreno, aliás, foi quem mais chamou atenção para esta necessidade de revisar a tese de Trotsky). Caindo a premissa — infelizmente nisso acho que Moreno não tirou todas as consequências -, caiu também a conclusão segundo a qual “entre o regime de Kerensky e o poder bolchevique, entre o Kuomintang e a ditadura do proletariado, não há nem pode haver nenhum regime intermediário, isto é, nenhuma ditadura democrática dos operários e dos camponeses” (Trotsky, tese 06). Pois a experiência inicial do governo maoísta não é a primeira ditadura deste tipo? Não tivemos aí um regime intermediário? E o regime surgido da vitória da revolução cubana de 1959 não teve também o mesmo caráter? Parece evidente que no mínimo se conquistou em Cuba uma ditadura democrática do proletariado e do campesinato como a defendida por Lênin em 1905. E logo depois, diante da contra-revolução imperialista, a resposta do regime castrista foi a expropriação da burguesia. Mas mesmo antes da expropriação, é evidente que o regime cubano não era democrático burguês, mas um regime de transição.

Guardadas as lógicas diferenças, o Movimento ao Socialismo (MAS) na Bolívia também não representa um partido que encabeça ou pode vir a encabeçar um regime deste tipo? Seu caráter camponês é evidente. Seu protagonismo no ascenso revolucionário foi a explicação de seu crescimento e enraizamento junto ao campesinato, sobretudo na região de Cochabamba, Evo Morales não assumiu como presidente simplesmente porque venceu as eleições presidências. Mas triunfou nas eleições porque antes delas as insurreições foram vitoriosas. Sua posse não foi produto direto da insurreição, mas não se explica sem ela. Da mesma forma Correa no Equador. Em outras palavras, não creio que se possa definir os regimes de Evo e de Rafael Correa como regimes burgueses comuns, come se não tivessem sido sacudidos por revoluções democráticas poderosas. Estas revoluções abalaram a dominação burguesa e produziram um novo regime com muitas características intermediarias entre o regime burguês e o regime proletário, isto é, características de um regime de ditadura democrática do proletariado e do campesinato, para usar o conceito leniniano.

Dos processos revolucionários atuais, na Venezuela é onde encontramos um regime político mais claramente distinto dos regimes burgueses vigentes na América Latina. Ao invés de defini-lo como ditadura democrática do proletariado e do campesinato, provavelmente seja melhor defini-lo como um regime bonapartista sui generis de esquerda, que se coloca acima das classes, arbitrando entre elas. O chavismo somente se explica pela radicalização da pequena burguesia expressa na baixa oficialidade das Forças Armadas Venezuelanas. Neste caso não foi o movimento camponês, mas parcelas da classe média que: se radicalizaram e assumiram um programa nacionalista revolucionário. Se na Bolívia é mais duvidoso, porque o peso das instituições democráticas burguesas é ainda muito presente, com a cúpula do Exército mais ou menos inalterada, na Venezuela categoricamente surgiu um regime “intermediário entre Kerensky e o poder bolchevique” porque o regime burguês anterior foi claramente derrotado, e, muitos oficiais reacionários foram marginalizados depois da derrota do golpe de abril de 2002. Existem posições: esquerdistas que não reconhecem este fato elementar. E a politica revolucionária que não levar isso em conta se limitará à propaganda socialista, ou, melhor dizendo, a péssima propaganda, no socialista, mas a fraseologia esquerdista que acaba fazendo o jogo da direita golpista e contra-revolucionaria.

Disputar “por cima” e não apenas “por baixo” não quer dizer prever um curso indefinidamente progressista destes governos. Aliás, as limitaões destes governos, seus equívocos e possibilidades de capitulação, o risco presente de retrocesso nas relações com a burguesia e com o movimento de massas, tudo isso são dados também pela natureza de classe destes governos, pelo fato de serem hegemonizados pela pequena burguesia, uma, classe oscilante, sem base econômica sólida. Como corretamente apontava Trotsky, seguindo Engels, estaríamos diante de uma classe pequeno burguesa expressa por um setor militar de esquerda radicalizado, no caso venezuelano e por um setor camponês, no caso boliviano.

Para estudar estes governos também é valido se apoiar na conceituação de governos operários-burgueses ou stalinistas-burgueses. Mas nenhum dos dois conceitos me convence. Nestes dois casos, cujos exemplos foram os governos de Angola e Moçambique, o stalinismo soviético era dominante como aparato do movimento de massas mundial. Hoje o aparelho stalinista soviético não existe mais. Antes, um pais que rompia com o imperialismo quase imediatamente sofria a pressão para aderir à área de influência de Moscou, cujo desdobramento era consolidar uma burocracia interna com uma política de desmobilização interna e de adesão externa aos interesses do Kremlin. Agora isso deixou de existir e um país independente necessita se apoiar mais nas suas próprias massas ou em poderosos recursos econômicos para se manter. Daí a importância, tanto no caso da Venezuela quanto do Irã, da questão do petróleo; da ideologia de massas antiimperialista e anticapitalista, no caso do primeiro, e, contraditoriamente, da ideologia religiosa reacionária e antiocidental, no caso do segundo, embora no Irã, pelos informes que temos, os planos econômicos são de natureza neoliberal.

Particularmente no caso da Venezuela o caráter independente do país abre um debate sobre o tipo de Estado. Neste sentido é importante ver a definição de bonapartismo sui generis, resgatada por Moreno de um texto de Trotsky sobre as empresas nacionalizadas do México, Pedro Pujals lermbrou deste texto e insiste que é a melhor definição de Estado para a Venezuela. Eduardo Almeida quando leu está definição na versão resumida deste texto deu um pulo de contente; pensando encontrar aí um ponto fraco em nossa argumentação. Como então, se perguntou Eduardo Almeida, se sé existe Estado operário ou Estado burguês, Robaina define o Estado da Venezuela? Eduardo Almeida pensa que com esta disjuntiva os problemas políticos estão resolvidos. Burguês ou operário, eis a pergunta cheia de perigos.

Se definirmos o Estado venezuelano como operário, estaríamos negando uma realidade evidente: a economia venezuelana é capitalista e o governo não é composto pelas organizações autônomas do movimento de massas. Ou seja, não podemos definir a Venezuela como um Estado operário nem pelo aspecto econômico-social nem pelo político-social. Se não é operário, então, diria Eduardo Almeida, o Estado é burguês. Logo, o governo Chávez é burguês, defende o capitalismo e deve ser derrotado. Caso contrário, estaremos capitulando paras burguesia. Assim, estaremos abandonando a estratégia da revolução. Estes silogismos resumem todo o pensamento de Eduardo Almeida: A é igual a A, e A é diferente de B, isto é, um Estado burguês é igual a um Estado burguês e é diferente de um Estado operário. A lógica formal é sem dúvida uma importante conquista do pensamento humano. Mas já se passaram dois mil anos da descoberta da lógica aristotélica. A lógica dialética, isto é, a lógica do movimento, mostra que a definição A é igual a A é uma definição pobre, vazia de conteúdo, um pensamento tautológico.

Os Estados burgueses não são todos iguais. E no marxismo há momentos em que a natureza de classe do Estado não está de todo clara, mas está mais aberta, em trânsito, com elementos híbridos. Vejamos como Engels definia o Estado e como definia também seus momentos excepcionais:

“O Estado que se origina da necessidade de manter os antagonismos de classe sob controle, mas que também se origina no meio da luta entre as classes, é, normalmente, o Estado da classe economicamente dirigente, que, por seus recursos, torna-se também a classe politicamente dirigente, e, assim obtém novos meios de controlar e explorar as classes oprimidas. O Estado antigo era, antes de mais nada, o Estado dos senhores de escravos para controlar os escravos, assim como o Estado feudal era o órgão da nobreza para oprimir os servos camponeses, e o Estado representativo moderno é o instrumento para explorar a mão de obra assalariada pelo capital. No entanto, ocorrem períodos excepcionais – quando ¢lasses antagônicas quase se igualam em forças — em que o poder do Estado, como aparente mediador, adquire, naquele momento, certa independência em relação a ambas as classes” (Engels,F. – Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, 1941, p. 157)

“O qué?” – Gritaria Eduardo Almeida – “Certa independência em relação a ambas as classes? Não pode, tem que ser operário ou burguês!” De nossa parte, porém, acompanhamos Engels e deixamos Eduardo Almeida com seus protestos. Sabemos que definições sociológicas, embora fundamentais, não são tão simples. E sabemos mais ainda que elas não representam a solução política das questões. Ou seja, as definições de classe apenas nos dão uma base, mas não encerram a elaboração. O caso venezuelano é um exemplo. É evidente que o Estado não é operário e que o capitalismo continua como modo de produção dominante, mas é evidente também que a classe economicamente dominante não está dirigindo o Estado, dominado, sobretudo, pelos setores militares com posições nacionalistas e sob pressão tremenda das massas populares. As análises do PSTU de que o governo de Chávez é burguês se completam com a definição política de que é autoritário. Assim, seguindo a lógica de Eduardo Almeida, seria um governo burguês autoritário. Dessa caracterização deriva uma política: a defesa das liberdades democráticas até a revolução para derrubar o governo. Com esta armação política o PSTU se opôs ao fim da concessão para a RCT. Assim, na prática, o PSTU acompanhou a posição da burguesia venezuelana que denuncia Chávez como ditador, realizando uma oposição implacável contra o fim da concessão do canal de TV. Logo, sua definição de que Chávez é um governo burguês levou ao PSTU a adotar a mesma posição da burguesia que se opõe a Chávez, a mesma posição do imperialismo norteamericano.

A posição dos companheiros é prisioneira da analogia russa — uma analogia estabelecida de modo incorreto – e por esta via se perdem completamente. Segundo Lênin e Trotsky, o governo de Kerensky era contra-revolucionário, pró-imperialista. Este é o tipo de governo de Morales, de Chávez, de Rafael Correa? A resposta do PSTU de que só governos como o de Kerenky não tem realmente nada que ver coma vida. Segundo o PSTU, na melhor das hipóteses, é um governo como de Lula, que, por sua vez, é igual ao de FHC. Ou seja, todos os governos são iguais, como A é igual a A. Mas se consideramos um Estado burguês, o governo não pode ter outro caráter de classe? Segundo Eduardo Almeida não.

Para sermos justos, vale reconhecer que há um momento em seu texto que Eduardo Almeida aceita, pelo menos, que o Estado é o governo nem sempre são iguais. Ainda bem. Em suas palavras, “existem pouquíssimos exemplos na história de contradições de classe entre o governo e o Estado num ascenso revolucionário”. Segundo Eduardo Almeida isso ocorreu depois da revolução russa de outubro de 1917 e antes da expropriação da burguesia de 1918. Neste caso, até quando acerta no conceito, Eduardo Almeida erra no exemplo, porque na Rússia, embora a expropriação tenha ocorrido em 1918, é evidente que o Estado operário começou em 1917, tendo o Estado e o governo o mesmo caráter de classe não em função das medidas econômicas essencialmente, mas pelo caráter revolucionário do aparato estatal e governamental. O que chama atenção, entretanto, não é este erro. O mais grave é como segue seu argumento. Depois de dizer que está contradição de classe entre Estado e governo somente pode ocorrer depois de uma revolução. Eduardo Almeida pergunta triunfante: “Será que ocorreu uma revolução operaria na Venezuela e na Bolívia e o mundo não percebeu?”.

E realmente incrível. O mundo todo percebeu e Eduardo Almeida não viu? É claro que não foi uma revolução diretamente socialista. Nem teve a classe operária como centro. Mas a Venezuela e a Bolívia vivem processos revolucionários contínuos, um processo revolucionário popular, indígena, operário, cujo eixo político motor é democrático e antiimperialista, mas cuja dinâmica é socialista, justamente porque as tarefas democráticas e antiimperialistas se chocam com a burguesia, tanto externa quanto interna, e somente podem ser plenamente realizadas por um governo socialista e revolucionário. Não estamos dizendo nada novo. Isso é o básico de quem teve uma formação autenticamente trotskista.

Os governos atuais não se assumem e não são governos marxistas revolucionários, mas são governos de ruptura, antiimperialistas e com um grau de democracia muito superior aos governos anteriores, expressões de rupturas e cujas politicas não têm sido jogar o processo para trás. São processos que estão inacabados, inconclusos, podem ser congelados e, portanto, retrocederem. Mas desconsiderar que nestes processos tivemos momentos de situação revolucionária e de crise revolucionaria é não ver a vida. Não ver as insurreições, isto é, os pontos altos de uma revolução que estão marcando esta história é não entender nada do que ocorre na Bolívia e na Venezuela, ou mesmo no Equador.

Nada se explica na Venezuela de hoje se não partimos do caracazo; a semiinsurreição popular de 1989 a partir do qual se iniciou a quebra da principal instituição do Estado Burguês; as Forças Armadas. Depois, em 2002, uma nova insurreição derrotou o golpe militar pré-oligarca e pré-imperialista planejado pela Fedecameras e pelo Departamento de Estudo dos EUA. Insurreição não é ponto alto da revolução, revolução concentrada no tempo, golpe de massas? Não é uma ação violenta que decide as disjuntivas, que abala estruturas? Os companheiros do PSTU acham que tudo isso ocorreu e nenhuma estrutura ficou abalada? Ou acham que não ocorreu revolução alguma e o que temos é uma sucessão de governos democrático-burgueses essencialmente iguais?

Quanto a Bolívia, primeiro tivemos a Guerra da Água, em 2000, quando o povo de Cochabamba expulsa, no centro do país, a norte-americana Bechtel, que queria aumentar de modo abusivo as tarifas. Evo surgiu como liderança incontestável neste processo. Poucos anos depois, em 17 de outubro de 2003, ocorreu uma insurreição popular liderada pela cidade de El Alto, ao lado de La Paz. Foram mais de 60 mortos, mas os bolivianos obrigaram o então presidente Gonzalo Sánchez de Lozada a fugir para Miami. A insurreição expulsou o presidente assassino, mas não teve força para impor também a queda do vice-presidente Carlos Mesa, que assumiu, tendo que convocar um referendum sobre a recuperação do gás e do petróleo. Isso representou uma clara conquista democrática um avanço na conquista da soberania do país. Uma insurreição que conquistou uma reforma. Os bolivianos não pararam e no desdobramento da derrota de Sánchez de Lozada, elegeram Evo Morales nas eleições de dezembro de 2005. A nacionalização ocorrida até agora foi parcial, insuficiente, tímida, mas não há dúvida de que o regime político foi alterado, que o governo atual não tem o mesmo caráter entreguista dos anteriores e mantém, mesmo que de modo inseguro, indefinido, com possibilidades de retrocesso, algum nível de compromisso com o mandato dado pela insurreição de 2003.

Voltando ao exemplo da consigna da ditadura democrática do proletariado e do campesinato defendida pelos bolcheviques em 1905, esclarecemos que nosso objetivo é apenas suscitar a reflexão. Não queremos convencer que os governos atuais da América Latina sio ditaduras democráticas do proletariado e do campesinato, segundo a formula de Lênin. Não se trata de repetir fórmulas. A questão é se temos algo ainda a aprender com as elaborações de Lênin no ensaio geral da revolução russa ou se temos que jogar tudo fora. Concluo que no mínimo será incorreto definir como superada a ideia de ditadura democrática do proletariado e do campesinato, isto é, a possibilidade de termos governos que, não sendo socialistas, possam ser progressistas, surgidos de revoluções e que justifiquem, inclusive, a participação dos revolucionários socialistas no seu interior. Depende da correlação de forças e das possibilidades de incidência real no processo, das possibilidades de se golpear “por cima”, para usara expressão de Lênin, a favor da continuidade e aprofundamento da revolução.

O que caducou na posição de Lênin de 1905 é a defesa por parte dos socialistas do desenvolvimento capitalista como desdobramento inevitável da revolução democrática. Em alguns países, de fato, pode ocorrer. Isso aconteceu na Espanha depois da queda de Franco, e com Portugal, depois da queda de Salazar. Mas não há uma lei que diga isso. O próprio Lênin nas teses sobre o Oriente afirma a possibilidade dos países atrasados não terem que passar pela etapa de desenvolvimento capitalista como etapa inevitável.

Em outros contextos, ademais, a burguesia fez sua revolução burguesa num longo processo econômico e social, sem revolução democrática, isto é, sem mobilizações de massas que abriram períodos de grande transformação com conquistas para o povo, muitas das vezes ligadas a derrota de algum tipo de autocracia e de ditadura. A regra é que a burguesia, quando precisou tentou fazer a sua revolução burguesa na economia, dirigindo a mesma, controlando o processo, tentou abafar ou desviar a mobilização revolucionária das massas. No Brasil, por exemplo, a partir da revolução de 30, obtiveram-se claros avanços nas relações econômicas e sociais capitalistas, mas a revolução foi dirigida pela burguesia e os aspectos democráticos foram deixados de lado, a tal ponto que podemos dizer que o grosso das relações econômicas e sociais da revolução burguesa foi estabelecido sem revolução democrática, limitando sobremaneira as conquistas das massas trabalhadoras e congelando e frustrando a possibilidade de avanços na questão agraria, na reforma urbana, na independência nacional, etc. Os períodos ou situações em que a luta democrática tomou corpo de massas se impondo como uma necessidade nacional, a burguesia optou pelo golpe militar ou tentou canalizar para limitá-la nos marcos da democracia formal, e ainda com conciliação com o regime autoritário.

Sem pretender aprofundar estas variantes, o certo é que por mais que tenha ocorrido desenvolvimento capitalista depois de revoluções democráticas, ou mesmo estabelecimento e desenvolvimento do capitalismo sem revolução política anti-ditatorial, a posição a favor do desenvolvimento capitalista caducou porque sistema de conjunto encontra-se em seu estágio de decadência, razão pela qual os socialistas devem disputar no sentido de avançar na implementação de medidas econômicas e sociais anticapitalistas, a favor do desenvolvimento socialista, sem aceitar o capitalismo como modo de produção dominante. Para tanto, não devem deixar de levar em conta a correlação de forças nacional e internacional para medir os ritmos desta orientação ¢estratégica, sabendo, portanto, que o avanço de novas relações de propriedade depende da combinação entre o desenvolvimento das contradições internas e da situação mundial.

Hoje, por exemplo, depois do colapso do leste e da ex-URSS, atualizou-se a necessidade da revolução econômica-social nos países centrais do capitalismo como caminho mais seguro ao desenvolvimento econômico dos países dependentes e de periferia.

REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA E LUTA ENTRE REGIMES POLÍTICOS

A discussão sobre a revolução democrática abre também um debate sobre a luta entre regimes políticos sob as mesmas bases sociais. O fascismo foi um regime contra-revolucionário, de guerra civil contra o povo e de liquidação das instituições democráticas. A ascensão do nazifascismo enfrentou os regimes democráticos burgueses nos períodos prévios e, sobretudo, na segunda guerra. Moreno abordou este tema como uma possível tragédia do trotskismo, citando o exemplo do nazismo, mostrando que no início Trotsky foi brilhante ao defender a frente única dos comunistas e sociais democratas contra o nazismo e ao próprio poder do parlamento burguês contra a ascensão de Hitler. Depois abandonou sua linha ao não seguir sustentando a unidade com os regimes democráticos burgueses, da URSS e dos povos do mundo contra o nazismo, o que, segundo Moreno, pode ter sido a principal explicação de porque o trotskismo se marginalizou. Ernest Mandel, outro importante dirigente trotskista, não concordou com esta crítica de Moreno e sustentou até o final de sua vida que era certa a posição de Trotsky.

Minha tendência neste caso é concordar com Moreno. Os textos de Fernandes Claudin sobre este período mostram como esteve colocada na França a possibilidade real da revolução socialista. Sua construção, porém, era desdobramento da luta pelo poder da Resistência Francesa, do movimento unificado no qual os comunistas tinham peso predominante sobre os combatentes. Se na França do final da segunda grande guerra o movimento de massas organizado ne Resistência tivesse lutado pelo seu próprio poder, a revolução poderia ter sido vitoriosa, dando lugar possivelmente a um regime nos moldes do defendendo por Lênin em 1905, passe intermediário para uma ditadura do proletariado, para usar a clássica expressão do manifesto comunista.

Nos dias atuais, em se tratando de conflitos entre países atrasados e o imperialismo, e ainda mais importante ter uma posição clara sobre o terreno político-militar. Hoje é inegável que existe um enfrentamento entre estados: Iraque contra os EUA, e agora Irã e Venezuela contra os EUA. Os revolucionários neste conflito precisam deixar claro de que lado estão. Sem perder de vista as possibilidades de desenvolvimento revolucionário nos EUA, país de imensa tradição democrática e revolucionaria, não há dúvida de que enquanto seus governos forem representantes da dominação do mundo pelo capital financeiro, da lógica do lucro e das agressões contra os povos da América Latina, da África, da Ásia e do Oriente Médio, é preciso estar do lado das nações agredidas, do Iraque, de Cuba, da Venezuela e do Irã contra os EUA.

UM PROGRAMA DEMOCRÁTICO E ANTI-IMPERIALISTA PARA A REVOLUÇÃO SOCIALISTA BRASILEIRA

Não quero terminar este texto sem lembrar um dos eixos de diferença e de confluência entre Lenin e Trotsky ao longo da construção do movimento revolucionário russo no século XX: a questão do partido. Apenas em 1917 Trotsky compreendeu a importância da construção de uma organização de combate disciplinada, de um partido centralizado. Quando compreendeu, segundo o próprio Lenin, Trotsky tomou-se o melhor bolchevique. Tal elogio não foi gratuito: revelou a profunda unidade que havia sido construída entre ambos os revolucionários. A história de Lenin foi de continuidade nesta questão, atuando sempre com este objetivo: construir um estado maior da revolução social. Mas, ao contrário dos que tentam apresentar a história do partido como uma construção linear de um núcleo de direção homogêneo que vai ganhando musculatura e influência de modo contínuo, paulatino, evolutivo, a construção deste estado maior passou por diferentes estágios e envolveu distintas formas de atuação. No livro que escrevi em comum com Luciana Genro colocamos:

“É conhecido o fato dos militantes dos quais Lenin era o principal dirigente terem se organizado como fração no interior do Partido Operário Social Democrata Russo de 1903 até 1911. Durante anos foram defendendo a construção deste partido com determinado perfil, com um programa revolucionário e um caráter militante. No POSDR, havia diversas outras frações, sobretudo os mencheviques, a ala oportunista do partido. Trotsky ficava numa posição intermediária, defendendo a unidade do partido, mas denunciando o trabalho de fração, como se ele mesmo não constituísse sua própria fração. Os bolcheviques por sua vez, ao mesmo tempo em que se organizavam como fração, defendiam a unidade do partido, exigindo apenas o respeito e a subordinação dos militantes e correntes às instâncias do partido. Apenas quando uma parte dos mencheviques defendeu a liquidação das estruturas que haviam sustentado o partido durante os anos de contrarrevolução, os bolcheviques chamaram o restante das frações a garantir a organização e a vida do partido sem os liquidacionistas. Somente aí, em 1912, se configurou a divisão definitiva entre bolcheviques e mencheviques.

Por que é tão significativo este exemplo? Justamente porque os revolucionários russos eram conscientes de que a construção de uma ferramenta política de massas para os trabalhadores não tem nada que ver com o auto isolamento e exige uma longa batalha ideológica e política para ir selecionando os quadros e ligando estes quadros com o povo. Nesta batalha, a vida do partido não exclui a existência de tendências nem de frações, mas as enquadra em determinadas regras. Também é notável a combinação feita pelos bolcheviques entre o trabalho de partido com o necessário trabalho de fração, não transformando a fração em partido a não ser que as circunstâncias forcem tal transformação, nem perdendo de vista a necessidade da organização no interior do partido por uma orientação autenticamente marxista e revolucionária”.

O PSOL tem que aprender com esta história. Isso significa não aceitar a concepção monolítica do PSTU, que apenas aceita tendências e frações durante os três meses prévios aos seus congressos, proibindo esse direito durante a maior parte do tempo; significa também combater a concepção oportunista que nega a unidade de ação e transforma o partido em uma soma de tendências e frações permanentes sem responsabilidades coletivas.

Estamos tratando de construir o PSOL levando em conta estes desafios. Estamos entre os que sustentam que existem duas estratégias permanentes dos revolucionários: impulsionar a mobilização de massas até a tomada do poder pelos trabalhadores e o povo e construir o partido revolucionário dos trabalhadores. Estas definições são fundamentais para enfrentar tanto o sectarismo quanto o oportunismo. Tanto um quanto o outro se expressam no terreno político e organizativo.

 Começando pelo oportunismo, podemos dizer que sua variante política, de uma forma ou outra, nega a importância primordial da mobilização de massas na orientação do partido, considerando, no seu caso extremo, como possível a mudança radical a favor do povo das estruturas da economia e da política sem o enfrentamento violento entre as classes sociais em luta, como se a burguesia pudesse abrir mão pacificamente dos seus privilégios fundamentais. O desdobramento prático de hierarquizar a mobilização como estratégica  é a valorização das greves, das ocupações urbanas e rurais, dos protestos, das lutas concretas, seja por reivindicações mínimas, econômicas, até políticas, orientando a intervenção partidária neste sentido, isto é, a participar, prestar solidariedade e impulsionar estes conflitos. Mas vinculando sempre esta intervenção com a luta política, clarificando nela os interesses de classe envolvidos e buscando apontar para a necessidade da luta pelo poder, o que implica, necessariamente, em construir o partido nestas intervenções, não caindo, portanto, no sindicalismo e no economicismo.

Justamente a outra variante do oportunismo, no terreno organizativo, nega de uma forma ou outra o papel determinante do partido, dilui sua tarefa de construção na defesa dos movimentos sociais, como se existisse política sem partido. Na prática, acaba fazendo o jogo dos partidos do regime, concretamente, no caso brasileiro, o jogo do PT.

Mas aos riscos do oportunismo se somam os desvios do sectarismo e do esquerdismo. Neste sentido, há dois erros graves que não podem ser cometidos: primeiro, a ideia de que o programa da revolução brasileira é necessariamente diretamente socialista; segundo, a negação de uma política de alianças de classes, como se a mera afirmação dos interesses da classe operária fosse suficiente numa estratégia revolucionária.

O primeiro erro representa uma posição que impede a disputa de massas porque não parte da hierarquia correta segundo a qual é preciso defender as tarefas mais urgentes, cuja realização não foi garantida pelas classes da grande propriedade mesmo que tenham sido historicamente por elas reivindicadas.  Ou seja, no Brasil, tarefas democráticas são determinantes na elaboração do programa da revolução. Um exemplo bem simples é a questão da corrupção.

Revolucionários como Robespierre, que derrotaram a monarquia na revolução democrático-burguesa da França de 1789, eram líderes de reputação inatacável. A corrupção, por sua vez era marca da nobreza. Não se pode dizer, portanto, que esta luta seja uma lula diretamente socialista. O combate contra os privilégios e o parasitismo esteve entre os motores propulsores da revolução burguesa. Reconhecendo este fato, alguns setores do próprio PSOL assumem uma posição de crítica à ideia de adotar a luta contra a corrupção como um dos eixos centrais de uma política socialista. Dizem que se trata de uma bandeira burguesa e que o partido não pode ficar batendo somente nisso. Este é um “tipo ideal” de militante político com pensamento não dialético. É lógico que não se deve apenas denunciar e lutar contra a corrupção. Mas a luta contra a corrupção, embora não esteja ligada diretamente à luta socialista, apenas pode ser desenvolvida contra os grandes capitalistas, enfrentando os interesses do capital, hoje indissociavelmente ligados à corrupção, aos privilégios e ao parasitismo.  Heloisa Helena definiu corretamente na reunião da direção nacional do PSOL de fevereiro de 2007: “denunciar a corrupção é revolucionário porque a corrupção tira dinheiro dos pobres para dar para os ricos”. Então, uma bandeira democrática é hoje um dos motores da indignação popular e uma arma poderosa para lutar contra o sistema capitalista e seus regimes e governos. Combatendo a corrupção enfraquecemos os partidos do regime e por essa via enfraquecemos os planos de ajuste econômico contra o povo que eles levam adiante.

Outro exemplo de bandeira democrática, não diretamente socialista, é a reforma urbana, além da reforma agrária. Estas lutas devem ser combinadas com as demandas econômicas e sociais como salário, emprego, defesa dos serviços públicos, além da defesa da nacionalização das empresas privatizadas, parte determinante de um programa de independência nacional.

Assim, cremos que se devem hierarquizar estas tarefas democráticas e anti-imperialistas, entre elas o combate contra a dívida externa e o controle dos capitais e da remessa de lucros. Uma luta consequente por estas medidas impulsionará a revolução brasileira, cuja dinâmica é socialista porque enfrentará, inevitavelmente, a classe burguesa, embora hoje seja impossível saber em que momento da revolução as tarefas econômicas e sociais diretamente socialistas, em particular a expropriação do grande capital, estariam postas na ordem do dia. Mas não há dúvida de que o não pagamento, nem que seja dos juros da dívida para o imperialismo, ou a realização de uma ampla reforma urbana, ou a prisão de grandes empresários e políticos corruptos, ou a abertura dos arquivos da ditadura militar, ou mesmo controlar os capitais, provocaria choques tremendos com a atual classe dominante. Afinal, a burguesia não quer mudanças porque, como dizia Maquiavel, uma mudança leva a uma mudança sucessiva.

 Logo, a dinâmica socialista da revolução está vinculada não com uma lista enorme de palavras de ordem, não com programas completos ou com várias medidas socialistas. Poucas medidas, muito poucas medidas, se por elas se luta de modo pesado, se são capazes de mobilizar multidões, são suficientes para fazer girar como nunca no Brasil a roda da história a favor dos interesses da maioria do povo e da construção do socialismo. Por isso estamos vendo os choques entre as classes na Venezuela, com a burguesia e o imperialismo em oposição ao governo, por mais que as medidas iniciais de Chávez não tenham sido socialistas. Temos visto na Bolívia e no Equador. O exemplo contrário foi dado pelo PT. Nem mesmo seu programa moderado de Recife foi aplicado quando Lula chegou ao governo. E não foi aplicado porque, naquele programa, estava prevista a ruptura dos contratos com o FMI. Isso não poderia ter sido feito sem enfrentar a burguesia, sem romper a aliança que o PT tinha aceitado fazer com a classe dominante. Ao não romper com a burguesia, rompeu com seu programa. Um programa que, não sendo socialista, se aplicado, teria revolucionado o país.

Portanto, estão errados os que dizem que a traição do PT foi ter defendido o programa democrático popular e não um programa claramente socialista. Estes setores são os que insistem na crítica de que o PSOL, nas eleições, cometeu um grave erro em “rebaixar” o seu programa. O tal “rebaixamento” foi a opção que fizemos em centrar nossa agitação, nosso pouco tempo, na denúncia da corrupção, na defesa da redução dos juros, no controle dos capitais, no combate às privatizações, na defesa dos serviços e dos servidores público, no direito de terra para quem nela trabalha e de moradia para o povo etc. Estas propostas não têm nada de rebaixadas.  Estou convencido de que na campanha eleitoral do Rio Grande do Sul, com um discurso de diálogo com o povo, não centrado na propaganda socialista em abstrato, conseguimos deixar claro no debate político as relações de classe e os interesses de classe por trás dos problemas mais sentidos pelo povo.

Nahuel Moreno já escrevia na década de 40: “As teses da revolução permanente não são as teses da revolução socialista, sim da combinação das duas revoluções, democrático-burguesa e socialista. A necessidade dessa combinação surge inexoravelmente das estruturas econômico-sociais de nossos países atrasados, que combinam distintos segmentos, formas, relações de produção e de classe” (Quatro teses da colonização espanhola e portuguesa da América. Nahuel Moreno). Esta citação de Moreno é clara, mostrando que nossa posição não inventa nada, mas apenas resgata posições clássicas. Os que nos criticam deveriam ler toda obra de Moreno, não apenas suas elaborações dos anos 80, notadamente as mais unilaterais, justamente quando Moreno se atrapalhou com o excesso de utilização da analogia russa e adotou uma caracterização equivocada de que a situação mundial era revolucionária.  Mesmo neste período, porém, Moreno não abriu mão da ideia correta de defender a revolução como uma combinação de tarefas, sendo em algumas situações ordenada pelas tarefas democráticas.

A chave de uma política revolucionária, portanto, não é a defesa de um programa diretamente socialista, não é a agitação de muitas palavras de ordem revolucionárias no papel – e apenas no papel – e, por isso mesmo, fraseologia revolucionária, não política marxista. A chave é insistir nas tarefas mais urgentes, nas necessidades mais sentidas pelas massas do povo, em bandeiras claras, que contribuam na mobilização das massas e, para tanto, levem em conta o seu nível de consciência.  Propostas, aliás, que devem se vincular sempre com a necessidade de lutar por um novo poder.

Nesta luta, o PSOL deve apresentar-se defendendo a aliança dos trabalhadores com as classes médias urbanas, com os desempregados e excluídos, com os setores camponeses pobres e médios, com a intelectualidade progressista. A construção de uma política de alianças desta natureza não é uma tarefa fácil, até porque as superestruturas sociais e políticas representativas dos interesses de classes médias aliadas estão fragilizadas – bem como as instituições sociais do proletariado e dos excluídos – muitas vezes atuando de modo inconsequente, como é o caso do MST, sofrendo as pressões do governo e do regime.  Assim, a responsabilidade do PSOL aumenta ainda mais: afirmando a construção de uma organização independente dos trabalhadores, deve tratar sempre, nas batalhas táticas, de demonstrar sua natureza não sectária, capaz de impulsionar um bloco social e político democrático, anti-imperialista e anti-neoliberal. Em cada conjuntura, diante dos problemas do momento, devemos sempre apresentar a necessidade de um novo um poder, um poder dos de baixo, dos trabalhadores, da classe média cada vez mais empobrecida, dos trabalhadores em geral, dos desempregados, camponesa, soldados etc. Para lutar por este objetivo, o PSOL existe. Para tanto, se postula a governar o Brasil. Esta é a essência do método do programa de transição elaborado por Trotsky.


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Pedro Micussi