Dialogar com os evangélicos não é dialogar com quem faz da fé um negócio capitalista
Guilherme Boulos não fala em nome do PSOL ao reunir com Marcos Pereira, presidente do Republicanos.
Nessa terça (20), Guilherme Boulos publicou em sua coluna na Folha de S.Paulo um texto sobre a relação entre a esquerda e os evangélicos. O artigo parte de um ponto genérico — a defesa do diálogo — para armar uma política confusa, pois Boulos não explica exatamente o tipo de diálogo que defende. A confusão ganha traços mais preocupantes por surgir um dia depois da notícia de sua reunião recente com Marcos Pereira, presidente nacional dos Republicanos, nos Jardins, em São Paulo.
Boulos argumenta que a penetração da Igreja nas massas trabalhadoras é grande, diante do abandono do Estado, da crise social e do sofrimento. Isso é verdadeiro. Também é verdade que a Igreja mobiliza, frequentemente, os princípios da solidariedade e do acolhimento para conquistar seguidores. Assim como é fato que, entre os evangélicos, há inúmeros progressistas, muitos dos quais, inclusive, filiados ao PSOL.
O programa histórico marxista defende a emancipação da classe trabalhadora do jugo de qualquer alienação, inclusive da religiosa. Mas isso não significa que a nós não caiba o diálogo e a disputa. No PSOL, aliás, erguemos a bandeira do socialismo e da liberdade, o que significa uma visão de mundo em que a liberdade religiosa deve ser defendida. E independentemente das questões de fé, estamos em diálogo com a vida concreta da classe trabalhadora e com suas aspirações, para construir um partido da classe e enraizado nas periferias.
Boulos, contudo, comete um erro crasso, intencional ou não. Confunde o que são “os evangélicos” (sobretudo, a classe trabalhadora que é evangélica) com o que é a direção política do fundamentalismo religioso no Brasil. Dialogar com os primeiros é correto e necessário. Buscar qualquer negociação ou construção comum com os segundos é inaceitável.
Cabe lembrar quem é Marcos Pereira e o que são os Republicanos. Ambos são da base do governo Bolsonaro, que tem dois filhos no partido. Pereira, além disso, foi ministro do golpista Michel Temer. Politicamente, eles representam o partido da Igreja Universal de Edir Macedo, que em nada tem a ver com um evangelismo popular ou progressista, mas, sim, com negócios capitalistas graúdos e muitas vezes corruptos. No âmbito da política, defendem projetos neoliberais, fundamentalistas, machistas e LGBTfóbicos, enquanto espalham o lobby de seus interesses por vários parlamentos do país. Atualmente, defendem que fiéis se exponham à Covid-19 em cultos presenciais, pois não admitem paralisar seus “negócios”. Pereira e os Republicanos, portanto, não são “os evangélicos” a que se refere Boulos. São, isso sim, um partido burguês e fundamentalista que explora e manipula politicamente a classe trabalhadora.
E o erro de Boulos vai além. No texto, ele alega que “muitas lideranças evangélicas apoiaram Lula em seu governo”. Parece que ele considera este um fato positivo, o que é escandaloso. A aliança de Lula e do PT com o fundamentalismo religioso foi um dos aspectos mais atrasados dos próprios governos petistas. Graças a ela, pautas ligadas aos direitos civis, à defesa das mulheres, da população LGBT e da juventude negra foram rifadas e o governo ajudou a fortalecer os conglomerados fundamentalistas, mantendo todos os privilégios das Igrejas, como as isenções. No final, saiu fortalecida a política conservadora e não a “popular”, como sempre acontece quando a “esquerda” concede e se alia à direita. Os mesmos aliados de Lula, como Marcos Pereira e Edir Macedo, foram aliados de Temer e agora são de Bolsonaro.
Além disso, a aproximação de Lula com o fundamentalismo religioso aconteceu em conjunto com a sua aproximação com os bancos e o grande empresariado. Foi resultado de uma estratégia política e eleitoral consciente, que envolvia a traição de classe com o objetivo de vencer eleições e de governar. Com isso, a maioria dos evangélicos foi prejudicada, na medida em que são da classe trabalhadora e sofrem com as políticas neoliberais. É o exato oposto do que defende o PSOL. E Boulos deve explicar se também é o oposto ou não do que ele pensa.
Como a liderança que é, Boulos deve explicações à militância do PSOL, que soube apenas pela imprensa de sua reunião com o Republicanos. Enquanto isso, nós que representamos o PSOL independente, anticapitalista e libertário, afirmamos: agindo assim, Boulos age por si próprio, não em nome do nosso partido.
Reverenda Alexya Salvador – Grupo Emergente da Igreja da Comunidade Metropolitana em Mairiporã
Sâmia Bomfim – Deputada Federal
Luana Alves – Vereadora de São Paulo
Erika Hilton – Vereadora de São Paulo
Monica Seixas – Codeputada Estadual
Raul Marcelo – ex-Deputado Estadual
Mariana Conti – Vereadora de Campinas
Fernanda Garcia – Vereadora de Sorocaba
Bruna Bionde – Covereadora de São Caetano do Sul
Fernanda Gomes – Covereadora de São Caetano do Sul
Juliana Gomes – Covereadora de Osasco
Leandro Sartori – Vereador de Itapira
Reverendo Marcio Tavares Retamero da Silva – Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo
Pastora Ivana Warwick – Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo
Presbitéria Eleni Rodrigues Mender Rangel
Presbitério Hermes Mender Rangel – Igreja Presbiteriana Independente do Brasil
Reverenda Sue’Hellen Monteiro de Matos – Igreja Presbiteriana Independente do Brasil
Pastor Daniel Santos – Comunidade Cristã na Zona Leste (SP)
Presbitério William Carvalho – Comunidade Cristã na Zona Leste (SP)