Megamineração, prisões e assédio em Andalgalá
Repressão ao movimento social em município argentino.
O projeto extrativista MARA[1], sem qualquer tipo de licença social, continua seu avanço. Ontem, membros da Assembleia de El Algarrobo foram presos no que afirmam ser uma ação antidemocrática, fraudulenta e pró-mineração por parte do governo provincial.
Manuel Fontenla, membro de Pucara “Pueblos Catamarqueños en Resistencia y Autodeterminación”, nos conta que na segunda-feira a cidade de Andalgalá foi sitiada. Policiais da província de Catamarca e grupos especiais iniciaram uma série de prisões na manhã dos membros da Assembléia de El Algarrobo e vizinhos que se manifestavam pacificamente, como fazem todos os sábados durante o agora histórico “Caminhadas pela Vida e pela Água” que a cidade vem realizando há mais de 10 anos.
As ordens para prender e interrogar os membros da assembleia popular foram emitidas pela promotora Soledad Rodriguez. Manuel diz que foi comprovado que ela trabalhou como advogada para as empresas mineiras. As prisões aconteceram na segunda-feira, mas não se espera que os detidos sejam interrogados até quarta-feira: “Este procedimento não tem razão de existir”. Estas prisões nada mais fazem do que demonstrar que as ações antidemocráticas e fraudulentas estão tentando impulsionar o Projeto MARA a todo custo[1] [2] “.
A razão das prisões está numa série de distúrbios ocorridos no sábado passado nos escritórios que Agua Rica tem no centro da cidade e na sede da Frente para la Victoria, centros simbólicos do aparelho repressivo do estado megaminero.
Em um comunicado na noite de sábado, a Assembleia El Algarrobo [2] negou qualquer conexão com os incidentes violentos enquanto denunciava publicamente a polícia por liberar a área e enviar infiltrados que iniciaram os incêndios e ataques contra os edifícios.
Manuel descreve o clima hostil que havia sido percebido durante dias na cidade, afirmando a entrada de muitas vans e grupos especiais da polícia com a aparente justificação da situação sanitária em relação à COVID. Mas todos os cidadãos sabiam que a situação tinha a ver com a política pró-minas do governo e com uma política claramente repressiva em relação àqueles que se manifestam contra este projeto. Semanas atrás José Martiarene, membro da Assembleia de El Algarrobo, denunciou que viviam situações de intimidação onde estavam sendo filmados pela polícia e ameaçados de cometer um crime, já que estavam impedindo o desenvolvimento da megamineração, atividade que foi classificada como essencial por decreto do Governo Nacional. Paradoxo existencial, pois coloca em risco a qualidade e a quantidade de água necessária para o cuidado da saúde de todo o Departamento de Andalgalá.
Além da situação no sábado, a tensão em Catamarca foi reacendida quando os vizinhos decidiram fazer um corte seletivo no dia 22 de março, quando assembléias de todo o país se reuniram para se mobilizar para o Dia Mundial da Água. Foram bloqueios rodoviários seletivos nos distritos de El Potrero e Choya, onde a mineradora multinacional Yamana Gold tem tentado realizar um projeto extrativista que põe em perigo a água e a vida em todo o território. O bloqueio seletivo e informativo está localizado nas estradas comunitárias, que é por onde a empresa passaria em direção ao local onde ocorrerá a exploração. Há alguns dias, os vizinhos viram que as máquinas de perfuração e exploração estavam começando a subir a colina, o que significa o início in situ da exploração do Cerro Aconquija e o início do Projeto MARA.
É um projeto que não tem licença social. As diferentes organizações ambientais afirmam sua ilegalidade, já que a empresa está violando duas resoluções emitidas pelo ex-secretário provincial de Minas (hoje Ministério) em 2009, que proíbe o tráfego de mineração na estrada para Choya e Potrero, os dois acessos que a assembleia vem bloqueando seletivamente há duas semanas. Ao mesmo tempo, em Andalgalá, ainda está em vigor a portaria municipal 029/16, que “proíbe toda atividade de mineração metalífera, a céu aberto, e de mineração nuclear, sob qualquer forma, na bacia superior do rio Andalgalá”. Além disso, o projeto MARA viola a Lei dos Glaciares, a Lei Geral do Meio Ambiente e o artigo 41 da Constituição. Também não tem os Relatórios de Impacto Ambiental aprovados como requerido. Os argumentos, razões e provas foram apresentados mil vezes pelas assembleias de Catamarca, por universidades nacionais, por pesquisadores nacionais e internacionais[3].
As reivindicações do povo de Andalgalá contra o mega-projeto de mineração de Água Rica são protegidas pela portaria 029/16 acima mencionada, aprovada por unanimidade em 2016. O mesmo proíbe a atividade de megaminera na bacia superior do rio Andalgalá. Agua Rica está localizada bem na nascente do Rio Minas, que é um dos tributários que compõem o Rio Andalgalá, que fornece água para todo o departamento. Este empreendimento onde a mina será construída fica a 17 km da cidade. Não por acaso, um dia antes da noite de Natal de 2020, a portaria foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de Catamarca, mas não por unanimidade.
Ana Chayle, integrante da Assembleia El Algarrobo, diz em uma entrevista de rádio sobre “El Grito de la Tierra”[4] (Rádio Sudaca) que eles entendem que houve subornos naquela instância já que havia juízes com um histórico de ter apresentado projetos para proibir a atividade de megamineração: “Entendemos que sua mudança de opinião não pode ser devida a nada além de um suborno, porque ninguém pode mudar bruscamente em uma mudança tão brutal dos acontecimentos”. Além disso, foi declarada inconstitucional justamente quando as férias jurídicas estavam começando a dar às empresas mineiras tempo para iniciar seus trabalhos, mas assim que a feira foi levantada, tanto o município como a assembleia recorreram da medida, que está atualmente em litígio e, portanto, não tem sentença final.
Ana diz que eles encontram muita ambivalência nas declarações do prefeito Eduardo Córdoba que, na mídia, diz estar muito irritado com o avanço da mineração estatal, expressando o desejo de acompanhar as lutas do povo. Mas, a partir da assembleia, exigem que este desejo se materialize em ações concretas: “Ele deveria decretar a proibição da megamineração porque Eduardo Córdoba ganhou as eleições expressando sua rejeição a estes projetos extrativos, celebrados pelo grito popular “no nevado não se toca”. Precisamos desse grito para nos tornarmos uma realidade. Precisamos que ele tome medidas para deter este ecocídio. Precisamos dele para representar as pessoas que votaram nele.
Neste contexto, a chegada de um contingente de 60 policiais dos grupos especiais da província para “cuidar” do povo de Andalgalá devido à pandemia da COVID 19 não é coincidência, enquanto o hospital não tem água quente para o saneamento das pessoas hospitalizadas, não tem suprimentos e não tem pessoal médico em um prédio que foi construído com royalties de mineração e que os habitantes da cidade pró-mineração consideram um monumento ao progresso: “Não temos sequer um traumatologista em Andalgalá. Sabemos que a polícia vem para assegurar às empresas que elas poderão trabalhar em paz” – diz Ana na entrevista de rádio acima mencionada.
Enquanto isso, como uma Assembleia, seus membros têm feito o trabalho que deveria ser feito por seus representantes eleitos democraticamente, incluindo a própria polícia. Durante todo esse tempo, nos últimos 10 anos e antes de iniciar os bloqueios e o acampamento, nas estradas de acesso que levam de Andalgalá à mina, os caminhões e máquinas circulavam livremente, violando as duas resoluções do atual Ministério de Minas. Ana diz: “Então tomamos a decisão de impor o que a polícia deveria ter aplicado. E temos que colocar nossas vidas e nossos empregos em segundo plano para poder estar lá 24 horas por dia durante 7 dias, muitos de nós colocando nossa saúde em risco. Entretanto, na sexta-feira passavam várias vans, vigiadas por veículos da polícia, para assegurar-lhes seu trabalho.
O caminho da Assembleia El Algarrobo
José nos conta que a luta da assembleia começou há mais de uma década, em 2009, como reação a um novo mega-projeto de mineração na província de Catamarca: “Tivemos 12 anos de experiência com a Alumbrera, que começou em 1997 e foi uma das maiores operações de mineração da América do Sul. Nós já sabíamos da pobreza que ela trazia e das divisões sociais que o extrativismo gera em nossas cidades.
Uma vez criada a assembleia, como forma de protesto, eles começaram a fazer caminhadas, muitas delas maciças, todos os sábados, contornando a praça duas vezes.
Hoje, 23 anos após a instalação de Alumbrera, a província é a segunda mais pobre do país. Os mitos de emprego e geração de riqueza só são sustentados por mentiras. Durante esses 11 anos, a empresa trabalhou para aprofundar ainda mais o abismo social que o extrativismo gera dentro dos vilarejos onde eles querem se desenvolver: vínculos com vários setores da sociedade a fim de alcançar um certo grau de legitimidade. O foco é intervir em escolas, clubes, centros de aposentadoria, espaços culturais e, sobretudo, na mídia, o que torna invisíveis os problemas e as lutas que estão sendo realizadas. Em uma cidade de aproximadamente 20.000 habitantes “80% não querem a mina e 20% a querem”. Entre estes últimos estão obviamente os homens de negócios e a maioria da classe política.
Nesta ação das empresas em conjunto com os diferentes setores dominantes de cada território, é importante destacar a chegada de diferentes ONGs servis que estão trabalhando para criar consenso. Por exemplo, a ONG “Eco-Consciência” de Rodolfo Tarraubella (subsidiada pela ONU). Eles estão se inserindo na sociedade andaluza e gerando uma espécie de mesas de diálogo onde asseguram controles socioambientais que não existem, cruzando este tipo de ações com ações de caridade e eventos culturais, conseguindo confundir a população e fomentando esta lacuna em relação à licença social que NÃO possuem nas aldeias.
A partir da Assembleia El Algarrobo eles asseguram que são fortes, organizados e com a convicção de lutar até o fim. Nas palavras de Ana: “Andalgalá é uma cidade de 500 anos de resistência. “Bronca e tristeza”. Porque é incrível que nossa vida seja sempre assim. Sempre alerta, sempre lutando. Estamos tão perto de perder tudo e por isso precisamos não só Andalgalá para nos acompanhar, mas todo o país e toda a América Latina, porque estamos na mesma luta para defender nossos territórios”.
Artigo originalmente publicado em Contrahemonia Web. Reprodução da tradução realizada pela Fundação Lauro Campos.