Na Bolívia, o voto duro foi quebrado e o MAS perde os quatro governadores

No segundo turno eleitoral para os governos, MAS tem derrota importante.

Verónika Zapata 29 abr 2021, 17:42

Em 11 de abril, no segundo turno eleitoral para os governos de La Paz, Tarija, Pando e Chuquisaca, o Movimento ao Socialismo (MAS) perdeu por uma margem de 10 pontos em cada um, o que significa uma reconfiguração do poder político territorial do país, o que poderia determinar a eleição presidencial de 2025.

Em Tarija, Oscar Montes venceu por “Unidos por Tarija” (UXT) com 55% contra 54% pelo MAS; em Chuquisaca, Damián Condori de Chiquisaca Somos Todos (CST) venceu com 57% contra o MAS com 43% -14 pontos percentuais de dustancia-; e em Pando, Regis Richter do Movimiento Tercer Sistema (MTS) venceu com 55% contra o MAS com 45%.

Em La Paz, o novo governador é Santos Quispe de Jallalla La Paz com 55%, comparado com 45% para Franklin Flores, o candidato do MAS. O jovem Aymara e profissional substituiu seu recém falecido pai Felipe Quispe, El Mallku, um histórico líder indígena que com certeza iria vencer como governador.

É claro que nenhum filho herda o conhecimento ou a experiência de seu pai, mas Santos Quispere atualizou uma disputa histórica de seu pai com o que ele descreveu como um “grupo de intelectuais brancos de classe média” que compõem o MAS, a quem ele acusou de “usar os indígenas como escada” para obter acesso ao poder, de ser “racista” e “bloquear o caminho para novas lideranças indígenas”.

Dentro do MAS, há muitos críticos de longa data da liderança do partido, entre eles Chato Peredo – o último guerrilheiro de Che – o líder mineiro Orlando Gutiérrez (ambos falecidos), e Segundina Flores da Confederação Bartolina Sisa de Mulheres Indígenas.

Recentemente, Segundina afirmou que “há uma equipe de mentirosos do MAS que fazem Evo Morales errar” e que ainda mantêm sua influência. Santos Quispe e Eva Copa, de Jallalla La Paz, também apontam para este setor.

Mapa do poder territorial

Os resultados finais das eleições subnacionais de 7 de março e do segundo turno de 11 de abril confirmam que o MAS ganhou apenas três dos nove cargos de governador (Cochabamba, Oruro, e Potosí). Em nível prefeitoral fez melhor, mas deve-se levar em conta que não há outras opções nos municípios, como Jallalla La Paz, e a disputa foi entre a direita e o MAS.

De 336 prefeituras, o MAS ganhou 239, 67% do total. Também ganhou e mantém uma maioria na composição das assembléias legislativas em nível nacional. Perdeu nas áreas metropolitanas de Santa Cruz, La Paz e Cochabamba para as forças pró-acampamento.

Fernando Camacho foi eleito governador de Santa Cruz com 55,62% dos votos, Iván Arias, ex-ministro de Obras Públicas do presidente de facto Jeanine Áñez, foi eleito prefeito de La Paz com 49,52%, Manfred Reyes Villa, líder do que foi chamado de Media Luna de onde a tentativa de golpe foi articulada em 2008, ganhou a prefeitura com 55,63%.

Esta vitória dos líderes golpistas em lugares estratégicos abre o caminho para uma possível rearticulação da ultra-direita, embora no momento eles só mantenham núcleos regionais de poder, carentes de um projeto político nacional. Embora o MAS nunca tenha ganho em Santa Cruz, não se deve subestimar o fato de que Camacho ganhou o cargo de governador após o golpe.

Por sua vez, Carlos Mesa, ex-presidente e candidato presidencial em 2020, foi obscurecido nesta eleição, na qual não pôde capitalizar o que havia ganho.

Nova liderança

MAS perdeu em El Alto de forma retumbante para Eva Copa, ex-presidente do Senado, que foi expulsa pelo MAS. Como candidata do grupo Jallalla La Paz, ela venceu com 68,70% de apoio, gerando o fenômeno Eva Copa no país.

Desta forma, o voto indígena duro foi quebrado e a fratura dentro do MAS foi causada por sua expulsão, o que arrastou parte do voto do MAS para outras opções. Este fenômeno está acontecendo em El Alto, um lugar histórico e de vital importância no cenário político do país, um núcleo de resistência indígena, que foi uma vanguarda do MAS.

É a segunda cidade mais populosa da Bolívia e a primeira de La Paz. É a cidade onde ocorreu a insurreição da chamada “Guerra do Gás” em 2003, que permitiu a Evo Morales chegar ao poder em 2005, e foi também estratégica para a derrubada do governo que surgiu após o último golpe de Estado.

Se Eva Copa se sair bem como prefeita, sua força poderá irradiar nacionalmente e ela poderá concorrer à presidência em 2025. É algo que já está sendo falado nas ruas.

Alguns analistas se perguntam se Eva Copa e Santos Quispe de Jallalla La Paz pertencem à direita, se são “trotskistas” funcionais para a direita, ou se fazem parte do surgimento de uma nova opção dentro da esquerda no país. A análise é tão complexa quanto a diversificada realidade boliviana, pois existem setores do movimento indígena que não se identificam com os pólos políticos tradicionais: direita e esquerda, mas sim são indianistas.

Por exemplo, El Mallku argumentou que os indígenas eram historicamente usados como uma “escada” para ocupar posições políticas e que esta ação era replicada tanto pela direita quanto pela esquerda colonial. E acrescentou que embora a esquerda “unida” com os indígenas, uma vez no poder eles não lhes permitiram ocupar posições decisivas de poder e abandonaram sua filosofia andina.

Do pensamento político ocidental que reina na região, que analisa tudo a partir de uma lógica binária direita-esquerda e com categorias conceituais insuficientes para analisar a realidade dos povos originais, é impossível entender o pensamento indígena.

Há duas hipóteses em relação a essas lideranças: A primeira defende que ambos são funcionais à direita como uma espécie de “trotskismo” ou que fazem parte da própria direita. Alguns setores do MAS até os acusaram de serem financiados pela Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) e de serem traidores aliados ao golpe.

A segunda hipótese é que ela faz parte da conformação de uma nova opção que basicamente postula o pensamento andino e, a partir de uma concepção ocidental, poderia ser catalogada como “esquerdista”. Lembremos que os princípios filosóficos da cultura andina estão na constituição boliviana e são os princípios originais do MAS.

Eva Copa disse em sua campanha: “Estou cansada de ouvir cada coisa estúpida que dizem, que eu sou da direita e que sou uma líder do golpe. Quero dizer a essas pessoas que tive a coragem de ficar aqui com meu povo e lutar pelo meu povo, e não me escondi.

Quando tudo indicava que ela seria a candidata do MAS para prefeito de El Alto, ela foi descartada e Ratuki Maquera, desconhecido até então, tomou seu lugar. Mais tarde, ela foi expulsa das fileiras do MAS e, a fim de disputar o poder e não se contentar com cargos políticos menores, ela tomou emprestada a sigla de Jallala La Paz, concorreu a prefeito e ganhou com quase 70% de apoio. .

Após sua expulsão do MAS, ela recebeu o apoio de várias personalidades do partido: Segundina Flores, ex-líder de Bartolina Sisa, Esther Soria, governadora de Cochabamba, Lidia Patty, ex-conselheira e denunciadora do “caso de golpe de estado” que tem Jeanine Áñez na cadeia, e “el Gringo” Gonzales, ex-presidente do Senado boliviano, todos concordaram que sua expulsão foi um “grave erro”.

A este respeito, Gringo Gonzales disse: “Não entendo os mecanismos pelos quais a liderança do MAS escolhe seus candidatos”.

Como explicar estes resultados após a vitória de 55% do MAS?

Antes de tudo, deve-se levar em conta que nas eleições presidenciais, nas quais Luís Arce venceu, esses votos não foram votos do MAS, mas sim um voto antigolpista. O mesmo Felipe Quispe “El Mallku” chamou para votar no MAS, sem pertencer a suas fileiras, diante do ressurgimento do fascismo na Bolívia.

Em segundo lugar, houve um voto de punição, produto do desconforto produzido pela imposição de candidatos – “dedazos” sem o reconhecimento do posto e do arquivo – muitos dos quais foram rejeitados. Durante a seleção dos candidatos, brigas ferozes irromperam e chegaram à cabeça quando o ex-presidente Evo Morales recebeu um “sillazo”[cadeiraço], supostamente por causa de desentendimentos sobre seus “dedazos”.

O ex-presidente negou que este é o mecanismo pelo qual os candidatos são eleitos e que o “sillazo” veio de setores da “ala direita” infiltrada. Eva Copa recebeu o voto daqueles insatisfeitos com os “dedazos”. O mesmo aconteceu com vários ex-masistas que, descartados pela liderança, decidiram concorrer com outro partido e acabaram ganhando as eleições, como no caso dos governadores de Pando e Chuquisaca.

Em terceiro lugar, o “voto anti-MAS” que, por exemplo, Santos Quispe capitalizou: setores da direita votaram nele apenas por ódio ao MAS.

Há também vários outros fatores em ação: os fortes problemas internos dentro do MAS, as várias acusações de corrupção, especialmente a venda de postos, a presença de “pititas” (seguidores dos golpistas) no Estado, e perguntas sobre a nomeação de alguns funcionários, entre outros.

Estes fatores interagem com uma demanda generalizada de renovação e aprofundamento do processo de mudança que foi a promessa da campanha presidencial de Arce e Choquehuanca em 2020.

Artigo originalmente publicado em Rebelión. Reprodução da tradução realizada pela Fundação Lauro Campos.


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