Luta feminista no atacado e no varejo
Não podemos homenagear criminoso! Pela mudança imediata do nome da Rua Samuel Klein, em São Caetano do Sul.
A sede da primeira Casas Bahia, em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, é como um atalho para quem usa as linhas do trem e o sistema de ônibus com a ideia de desembarcar na área comercial do centro da cidade. É por dentro da loja que as pessoas cortam caminho e desembocam na Rua Samuel Klein, via que leva o nome do fundador da rede Casas Bahia. A homenagem foi iniciativa do prefeito José Auricchio Junior, que, em 2018, apresentou à Câmara Municipal de São Caetano do Sul um projeto de lei para alterar a designação de um trecho da Rua João Pessoa e, assim, prestar honras ao judeu polonês que fugiu dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial e se instalou no Brasil.
Em quatro páginas, a justificativa do projeto de lei enaltece as qualidades de Samuel Klein como homem empreendedor e que, com muito trabalho e persistência, criou um império varejista voltado ao consumidor mais popular. O nome da rede fundada em 1952 é, inclusive, uma homenagem aos principais clientes de Klein quando ainda era um mascate que vendia de porta em porta cobertores e roupas de cama: os nordestinos que chegavam à Grande São Paulo em busca de emprego nas montadoras de carros multinacionais, recém-autorizadas por Juscelino Kubitschek a operarem no país.
Mas as mais honrosas biografias sempre estão vulneráveis aos segredos dos biografados, e a de Samuel Klein, morto em 2014, enlameou-se quando veio à tona um esquema de aliciamento de crianças e adolescentes para exploração sexual em que o próprio empresário e seu filho Saul Klein são os protagonistas. O corredor da sede da Casas Bahia não levava somente famílias pobres aos seus sonhos de consumo, mas também à armadilha criminosa que os Klein mantinham dentro da rede varejista. As iscas para atrair as vítimas eram produtos da loja. O pagamento viria em forma de exploração sexual, estupros e violência.
O escândalo, cuja investigação já rendeu a Saul Klein mais de 30 acusações de estupro e aliciamento, motivou a luta das covereadoras do mandato coletivo Mulheres por Mais Direitos, que colocou o PSOL pela primeira vez pelo voto no cenário da Câmara Municipal de São Caetano. Bruna Biondi, Fernanda Gomes e Paula Aviles encabeçam uma mobilização para que a Rua Samuel Klein não tenha mais essa denominação, assim como o Centro de Especialidades Médicas Samuel Klein. Mantê-los assim seria uma afronta às vítimas e suas famílias.
– Nossa proposta é que a rua passe a se chamar 8 de Março, uma referência ao Dia Internacional da Mulher. Se não for, que volte a ser João Pessoa, mas o que não dá é homenagear um criminoso – diz Bruna.
Frente aos depoimentos das vítimas e até da confirmações de alguns relatos pelos próprios acusados, esperava-se que o rebatismo da rua e do centro médico fosse pacífico na cidade. Não é bem assim. Quem se opõe à mudança justifica que a medida poderia espantar a empresa e causar desemprego, o que não parece estar vislumbrado pela Via Varejo, dona da rede Casas Bahia que há pouco também se rebatizou. Agora, chama-se somente Via. Representantes da companhia chegaram a acompanhar um pequeno protesto organizado pelas vereadoras em frente à sede da Casas Bahia e demonstraram respeito ao movimento. O mandato coletivo do PSOL também criou um abaixo-assinado* para que o nome de Samuel Klein suma das fachadas de São Caetano do Sul. E isso passa pela sensibilização do prefeito, já que nomes de logradouros e áreas públicas dependem de projetos do Executivo. A iniciativa já tem mais de 3 mil assinaturas, e o mandato coletivo está empenhado em coletar muitas outras mais.
A luta levada adiante pelas vereadoras não tem apenas um sentido simbólico. Espera-se que o simbólico seja capaz de contribuir para que o machismo não se perpetue, tampouco a violência e a impunidade. Quando a luta das mulheres em todo mundo pulsa cada vez mais forte, São Caetano do Sul não poderia desviar de crimes tão claramente demonstrados. As combativas vereadoras Bruna, Fernanda e Paula não permitirão isso.
*Assine o abaixo-assinado: https://mulherespormaisdireitos.com.br/assine-nao-homenagearemos-samuel-klein/