Qual lugar Marcelo Freixo quer ocupar na política?

Qual lugar Marcelo Freixo quer ocupar na política?

Roberto Robaina escreve sobre a saída de Freixo do PSOL.

Roberto Robaina 23 jun 2021, 10:56

Marcelo Freixo ficou cerca de 16 anos no PSOL. Durante seu primeiro mandato de deputado estadual, revelou-se como a principal liderança da luta pelos direitos humanos no Rio de Janeiro. Foi sua a condução de uma CPI histórica em que foi revelado o crime dentro da máquina pública, em particular, no interior das forças policiais. Teve muita gente corrupta e assassina presa por conta disso. Após os trabalhos da CPI das milícias, foi lançado o filme de José Padilha Tropa de Elite II, em que a figura de Freixo ganhou as telas no personagem Fraga. Nesta época, editamos, com a colaboração de Freixo e de outros camaradas, uma revista cuja capa anunciava “O deputado Fraga existe e é do PSOL”. Pois agora, como todos sabem, não é mais. A pergunta é se o deputado Fraga segue existindo. Esta é uma questão em aberto, porque Freixo fez a opção por outro lugar na política. Qual é esse lugar?

Poderíamos argumentar que sua nova opção partidária, o PSB, teve a maioria dos seus deputados apoiando o voto em Aécio Neves em 2014 e, menos de dois anos depois, votou a favor do impeachment de Dilma; e agregar que o marqueteiro da sua pré-campanha ao governo do Estado, Renato Pereira, foi o ex-marqueteiro de Sergio Cabral e o pai do “Pato da Fiesp”. Tudo isso é verdade e diz muito sobre seu novo lugar. Mas creio que seria uma explicação superficial. Seria argumentar pelo lado mais frágil, pela aparência visivelmente mais inconsistente de sua escolha.

Marcelo Freixo explicou de modo transparente sua motivação para sair do PSOL e escolher o PSB. Segundo o deputado, no PSOL ele não teria condições de armar uma ampla aliança para disputar o governo estadual do Rio de Janeiro. Já na disputa pela prefeitura do Rio, em 2020, embora fosse escolhido por consenso como candidato do PSOL e tenha recebido o apoio do PT, Freixo desistiu de concorrer. Pode-se deduzir deste fato que ele pretende uma aliança mais ampla. Levando em conta que vencer as eleições no Estado do Rio é mais difícil do que vencer a disputa para a prefeitura, quer uma aliança bem mais ampla. Freixo não esconde essa política. Diz que, no PSB, é mais fácil armar tal aliança e que apenas assim pode disputar e realmente tentar vencer as eleições do Rio de Janeiro. O argumento é claro. E Freixo está coberto de razão de que no PSOL não pode desenvolver a nova política que defende diante do que ele diz ser uma nova situação que a exige. Quando reivindica a necessidade de uma aliança com Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, é evidente que não encontra guarida no PSOL. A defesa da figura do ex-presidente é seu passaporte para tentar ganhar o apoio e obter aliados deste campo político, quem sabe de Rodrigo Maia e do próprio prefeito Eduardo Paes, herdeiro do ex-governador Sérgio Cabral e agora no PSD.

Quando Freixo elogia FHC não está apenas ressaltando a importância da unidade democrática contra qualquer tipo de ataque autoritário, uma posição que o PSOL também compartilha. Freixo defende uma posição de governo comum com os representantes da posição de FHC. A materialização disso é que Freixo já reivindica como um de seus principais colaboradores o economista André Lara Resende. O que estou dizendo são fatos. Sua admiração por Lara Resende é revelada com entusiasmo nas entrevistas. Seria estupidez criticá-lo por isso. André Lara Resende é indiscutivelmente um dos intelectuais mais preparados do Brasil. Foi o principal pensador e elaborador do Plano Real, estudioso de sofisticada inteligência e conceituado internacionalmente. Hoje, Lara Resende é um crítico das políticas de ajuste fiscal draconianas, mas, como todos sabem, um economista defensor das relações capitalistas. E aqui se mostra que as explicações que o próprio Freixo apresenta de suas movimentações não são capazes de explicar tudo. Indicam sua política, seus desejos, mas não apresentam as movimentações mais profundas das classes sociais aí implicadas. O fato de que um economista de sólida formação na defesa do sistema capitalista se disponha a colaborar com Freixo mostra que a explicação de movimentação do deputado não é apenas um movimento escolhido por ele. Ele também foi convidado para ocupar um lugar. Esse lugar não lhe está garantido. Mas há um convite para que ele o queira. Uma porta foi aberta para que Freixo caminhe noutra direção. Sua perspectiva analítica, que jamais compreendeu a política como uma luta entre classes, muito menos a natureza do Estado como aparelho de dominação de classes, talvez não seja capaz de perceber que ele está sendo convidado para ocupar o lugar de representante de outros interesses de classe.

É preciso ler a movimentação de Freixo como parte de um deslocamento na relação entre as classes, seus partidos, e suas lideranças. Seu novo lugar surge pelo vazio deixado pela crise dos líderes políticos da burguesia e pela decisão de setores burgueses de buscar, em outras classes sociais, e mesmo em partidos plebeus como o PSOL, lideranças que, pelo menos provisoriamente, possam impedir a permanência deste lugar vago. Preencher o vazio na política, nos espaços de poder do regime democrático burguês, é uma necessidade do Capital.

Nos últimos 40 anos do Brasil, nunca a crise política burguesa foi tão pesada quanto a crise política do Rio de Janeiro. E, no Brasil, a burguesia aceitou que Lula ocupasse o lugar de presidente. Marcelo Freixo pretende ocupar um lugar semelhante. A questão é que as condições estão totalmente mudadas. E Lula, ao invés de sair de seu partido, moldou-o a sua estratégia. Freixo é um homem sem partido. Vimos como a burguesia aceitou os governos de Lula para estabilizar o capitalismo brasileiro e descartou os governos petistas quando achou conveniente e possível fazê-lo. Mas ao substituir o PT por agentes políticos diretamente ligados a sua classe social, a incapacidade da burguesia de formar líderes políticos se revelou de tal forma que, de suas entranhas, surgiu o irracionalismo como projeto de poder.

A burguesia liberal se assustou com o que sua própria obra foi capaz de produzir e, embora uma parcela dos liberais não tenha tido vergonha de se converter em base da extrema direita, outra está aceitando buscar no PT, novamente, um instrumento para equilibrar a situação política. É certo que procuram mais Lula do que o PT. Mas sabem que Lula não abre mão de seu partido. No Rio de Janeiro, onde o PT entrou em crise há muitos anos, em 1998, no episódio da intervenção contra Vladimir Palmeira, o vazio deixado pelo PT foi ocupado pelo PSOL.

Ao longo dos anos, o PSol cresceu muito em militância e, sobretudo, em apoio eleitoral. Freixo foi sua principal expressão. O partido no Rio, porém, equivocadamente não tinha preocupação em organizar militância. De toda forma, havia no Rio, na esteira da luta democrática da CPI das milícias comandada por Freixo, na rebelião de junho de 2013, na chamada Primavera carioca da campanha eleitoral de 2016 (também na campanha de 2012), nas lutas sociais e políticas criticas de modo geral, como na resistência contra o massacre no Jacarezinho, uma pulsão por uma nova institucionalidade. Mais ou menos anárquica, mais ou menos consciente, a possibilidade de refundação do Rio se encontrava nesses momentos de mobilizações de massa. Na sua permanência e institucionalização. Freixo ocupava um lugar importante como referência. O pulso deste processo de lutas dos de baixo ainda pulsa. Mas Freixo se deslocou dele. Sair do PSOL foi seu sinal neste sentido. O partido não está domesticado para uma linha de governo comum com a burguesia, embora existam tendências que pressionam nesta direção. Mas Freixo quer ir mais rápido e mais distante. Aceitou sair do partido para fazer a política que uma parte da burguesia defende que ele faça: postular-se como administrador da máquina estatal do Rio de Janeiro. Mas a burguesia não lhe prometeu a vitória. Apenas deu o recado de que o aceita ocupando o lugar vazio da crise política democrática burguesa. Há outros candidatos. No Rio de Janeiro, embora a crise política da classe dominante seja maior do que no Brasil em geral, em particular da burguesia liberal (não é à toa que o bolsonarismo é tão forte no Rio), há políticos como Eduardo Paes que têm a preferência para dar primeiro as cartas. Mesmo Lula aceita que Paes tenha a iniciativa. Antes de usar políticos emprestados, a burguesia sempre prefere os seus. Com os seus, não precisa se esforçar para convencê-los de que a máquina pública de poder burguês não está sujeita a reformas profundas. Os seus, como Paes, já estão educados nisso.

Por isso tudo, o passo de Freixo é também arriscado. Seu desejo de ser governador pode lhe custar caro. Pode ter perdido qualquer vínculo maior com o deputado Fraga. Se ganhar as eleições numa aliança com a burguesia como pretende, creio que muito pouco do deputado Fraga comandará o seu governo. Se perder, Fraga poderá, quem sabe, ainda andar por aí. Mas terá se enfraquecido muito pela opção que fez. Estará sem partido e sem mandato. E pior de tudo: sem o respeito e a disposição de acompanhá-lo que moveram dezenas de milhares de ativistas Brasil afora.


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