Argentina: um retrato das eleições primárias

Argentina: um retrato das eleições primárias

Israel Dutra, Secretário de Relações Internacionais do PSOL, escreve sobre as eleições primárias na Argentina, ocorridas no último domingo (12/09).

Israel Dutra 17 set 2021, 11:13

No último domingo, 12/09, aconteceram as PASO (Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias), eleições internas nos partidos na Argentina; a eleição primária indica as tendências fundamentais para a eleição parlamentar de novembro, quando se renova metade dos assentos na Câmara dos Deputados e um terço do Senado Argentino. Os resultados foram um desastre para o governo peronista. Ainda nessa semana, fruto da derrota eleitoral, se abriu uma crise no coração do governo, com parte dos ministros colocando o cargo à disposição.

É muito importante acompanhar a política no país vizinho. Vez por outra, Bolsonaro vocifera contra o modelo do governo de Alberto; uma parte da centro- esquerda toma o governo peronista como referência de modelo igualitário e democrático. Até Guilherme Boulos apoia movimentos da chamada ala esquerda do governo e recentemente fez uma live com Axel Kicillof, governador peronista de esquerda da província de Buenos Aires. Guardando as particularidades, a Argentina ativa dois elementos : tanto Bolsonaro cita a Argentina como mau exemplo, como parte da oposição e setores mesmo de esquerda fazem eco com o peronismo, especialmente sua “ala esquerda”, o peronismo K.

Ou seja, entender o que se passa no país “hermano” é fundamental, sobretudo num cenário de uma América Latina movida e cheia de contradições. Vejamos mais de perto os resultados.

O peronismo teve o seu pior resultado histórico em eleições deste tipo. A aliança “Frente de todos” composta por Alberto Fernandez/Cristina Kichner perdeu em 18 províncias, entre elas as cinco maiores; a derrota mais amarga foi na Província de Buenos Aires, onde governa, e em Santa Cruz, berço do Kirchnerismo.

Como escreveu a jornalista Sylvia Colombo, para a Folha de São Paulo: “ Ao final, a principal força da oposição, a coalizão de centro-direita Juntos pela Transformação, obteve 40, 02% dos votos em nível nacional, enquanto o peronismo obteve 31, 03%”. Na Província de Buenos Aires, Juntos pela transformação, somando seus dois candidatos superou o peronismo. A coalizão macrista venceu com folga a disputa na Cidade de Buenos Aires, com Maria Eugenia Vidal chegando perto de 50%, contra apenas 24,66% do governista Santoro. Esse padrão de resultados se repetiu por todo o país.

A primeira grande conclusão é a derrota do governo. Alberto Fernandez foi o grande derrotado da noite de domingo. O fracasso peronista abriu uma crise dentro do seio do governo. A semana foi marcada pelas cartas de renúncia de toda ala Kirchnerista do governo. Cristina K foi à público colocar em questão a orientação política do presidente. Vários setores da dita “esquerda K” não escondem o mal-estar, motivada pela derrota do modelo de Alberto. A miséria, o desemprego e a fome cresceram durante a pandemia. A política de privilegiar os mega empreendimentos ligados ao capital, pela via da mineração, resultou em lutas importantes como na região de Chubut. E estamos às vésperas de uma nova negociação com o Fundo Monetário Internacional. Um novo acordo entreguista faria cair por terra qualquer discurso “nacional e popular”.

Na contramão da crise peronista, as urnas mostraram um macrismo vivo. Expressão da linha da burguesia mais conservadora, apoiada nas classes médias conservadoras, a aliança de Macri, Juntos pela transformação, retomou importantes posições, e se prepara para ser a grande vencedora nas eleições de novembro.

Há um novo elemento, contudo, na retomada da oposição de direita. O surgimento de uma corrente à direita do macrismo, com certos traços que dialogam com a extrema-direita, representada pelos chamados “libertários”. O seu líder, o controverso economista Javier Miley, fez atividades virtuais com Eduardo Bolsonaro e radicalizou pela direita seu discurso. Um partido com uma cartilha ultraliberal, que flerta com posições ainda mais à direita, marcou a entrada na capital federal, fazendo 13%. Como em outros países, Vox na Espanha e México, Chega em Portugal, o deslocamento eleitoral de uma ampla parcela para posições mais à direita é uma das novidades da PASO na Argentina.

Contudo, há um outro polo que se fortalece, independente do governo e da oposição de direita. A Frente de Esquerda (Unidade) realizou uma eleição surpreendente. Conquistando mais de um milhão de votos, a Frente de Esquerda se consolidou como terceira força nacional. Como saldo de uma extensão nacional, a FIT(U) pode ter quatro deputados mais no âmbito nacional, com destaques para as votações na Província- com Nicolas del Cano e Alejandro Bodart-, em Chubut, Salta e outras províncias. O grande destaque foi chegar perto de 24% em Jujuy, com o líder dos trabalhadores da limpeza, o indígena Alejandro Vilca. Tomada de conjunto a esquerda fez 1 milhão e 300 mil votos. Uma expressão importante. Há um espaço real para a “esquerda da esquerda”.

Esse fortalecimento da esquerda indica uma dinâmica. A luta que o PTS e o MST deram para buscar a unidade de toda a esquerda- para além do FIT(U) com o Novo Mas e Luiz Zamora- se verificou justa. Se somados os votos na Capital Federal, chegaria perto dos 9% em termos absolutos. Contudo, uma chapa com essa arrancada poderia gerar uma sinergia capaz de ir além da soma dos votos da FIT e Zamora e disputar com Miley, combatendo o crescimento da linha reacionária.

Há uma série de debates dentro da Frente de Esquerda. O MST está lutando para que o projeto se amplie para disputar franjas que se deslocam do peronismo e das ilusões que a vitória de Alberto despertou. Para o avanço da esquerda da esquerda é fundamental não se “apaixonar” pela votação positiva obtida nas PASO e sim lutar para a ampliação desse projeto. Os bons resultados da lista “Revolucionar a esquerda”, do MST, mostram o espaço para essa ampliação. Por outro lado, não se pode minimizar o peso da extrema-direita e sim se deve combatê-la como estamos fazendo no Brasil e em outras partes do mundo.

O desafio argentino é grande. A crise orgânica na América Latina deve seguir por todo um período, com giros bruscos, à esquerda e à direita. Construir uma esquerda independente, mas capaz de dialogar com diferentes trajetórias, disputar setores de massas e se preparar para as batalhas que estão pela frente é a tarefa mais urgente dos dias que vivemos.


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