A importância da luta ideológica contra as influências deletérias da ordem burguesa

A importância da luta ideológica contra as influências deletérias da ordem burguesa

Leandro Fontes escreve em sua coluna semanal sobre o papel da disputa ideológica no interior da luta política.

Leandro Fontes 11 out 2021, 13:29

Miriam Leitão completou 30 anos de Globo e acaba de lançar o seu 13º livro: “A democracia na armadilha”. Segundo Cora Rónai, no artigo de exaltação da carreira de Miriam no Globo (10/10/2021), a jornalista multimídia que acorda às 5h da manhã, não só cataloga seus próprios livros, tem dois filhos jornalistas, escreve para o jornal e logo cedo está no ar na Rádio CBN, depois no telejornal Bom dia Brasil e em seguida Globo News. Não só, além disso, Miriam Leitão é “precursora na preservação do meio ambiente (…) já plantou 32 mil mudas de espécies nativas em sua fazenda”. 

Isto é, Miriam é apresentada como uma fotografia perfeita de uma mulher madura, preocupada com pautas ecológicas, que construiu uma carreira de sucesso, ganhou fama e prestígio, enriqueceu e tem sua imagem transmitida para milhões de brasileiros como uma das principais analistas de economia e de política do país. Porém, Miriam Leitão não se resume a essa pintura e a moldura do retrato. A rigor, a jornalista representa um alto escalão de intelectuais orgânicos da burguesia brasileira que atuam dia e noite para manutenção do status quo no Brasil.    

Quer dizer, Miriam, assim como Merval Pereira, Arnaldo Jabor, Carlos Alberto Sardenberg, Vera Magalhães, entre outros, é uma peça chave sofisticada na engrenagem de alienação da indústria de difusão de informação manipulada e orientada por uma matriz ideológica liberal que nutre conscientemente no senso comum, com seus meios de comunicação de massa – em especial da televisão, a ideia do individualismo, do consumismo, do comodismo e de que nada pode ser alterado por fora da representação do Estado capitalista e do regime democrático burguês. 

Logicamente, os jornalistas e/ou intelectuais partidários do Grupo Globo, que até produzem conteúdo de oposição pela direita liberal ao bolsonarismo (sem esquecer de atacar a concepção socialista), reservam-se no direito de “opinião” para desaguar em transmissão sem filtro para milhões de pessoas as ideias da dominação capitalista que beneficia uma ínfima minoria de privilegiados sobre a esmagadora maioria dos trabalhadores e do povo. Essa fórmula contraditória só se torna possível a partir da combinação de dois elementos que se cruzam: repressão e hegemonia. É nesse então que atuam de modo contundente as instituições do Estado como muito bem registrou Roberto Robaina no livro “Uma visão pela esquerda”:       

A definição do Estado como instrumento de dominação não nega o papel da ideologia como suporte subjetivo imprescindível à manutenção da ordem. Ao contrário. Na verdade, o Estado capitalista trata de aumentar o domínio econômico das maiores corporações e tem os trabalhadores assalariados, em particular os pobres, como bestas de carga. Sabe que não manterá sua dominação apenas pela força bruta. É preciso construir uma prisão em torno dos cérebros das classes trabalhadoras, domesticá-las e embrutecêlas. A escola oficial, a Imprensa oficial e a Igreja são instrumentos desta prisão. No Brasil de hoje, basta lembrar o papel da Rede Globo para concretizar o que ultimamente tem se chamado de 4º poder. Daí também deriva a importância atual de tanta campanha a favor das “intervenções humanitárias” e agora do combate ao terrorismo, cobertura ideologia da violência estatal cuja política militarista “ianque” é a máxima representação (ROBAINA, Robaina. Rio de Janeiro. Fundação Lauro Campos. 2014.p. 66).

Nesse sentido, a luta ideológica se torna central como parte constituinte da luta política, tendo como primeira porta a disputa de consciência de setores de vanguarda. Para tanto, nesse terreno de batalha, a classe trabalhadora igualmente detém seus “porta-vozes” e seus instrumentos de propaganda ideológica e de agitação política. Todavia, em muitos casos, o que chamo de porta-vozes – no plural e com aspas – não corresponde necessariamente como indivíduos genuinamente oriundos do proletariado. Ou seja, a história da luta pelo socialismo no século XIX nos ensina que, diante do quadro de extrema exploração dos trabalhadores, setores da intelectualidade burguesa ou pequeno-burguesa ou, até mesmo, da baixa nobreza, romperam com os objetivos de suas classes de origem para se dedicar ao combate da exploração e da opressão.

Nunca é demais lembrar que Marx e Engels, um doutor em filosofia e um autodidata filho de um rico industrial respectivamente, foram, em seu tempo, um produto da cisão dessa intelectualidade ou, como enquadravam os russos, dessa intelligentsia. Esse fenômeno não se restringiu aos fundadores do socialismo científico, que outrora haviam sido influenciados por Hegel e por Feuerbach. Pelo contrário, no século XIX, sob o calor da greve geral em Manchester, da insurreição de Lyon sob a bandeira da república, do levante dos tecelões da Silésia prussiana, das revoluções de 1848, do Manifesto Comunista, da fundação da Primeira Internacional e da Comuna de Paris, autores teatrais, poetas, músicos, literários e, até mesmo, teólogos foram contagiados pela bandeira da classe operária e da revolução.

Outro exemplo célebre desse riquíssimo processo se deu na Rússia e que influenciou diretamente nada mais nada menos do que Lênin e toda a primeira geração de marxistas revolucionários russos. A intelligentsia russa sob a roupagem literária contribuiu de modo decisivo na fermentação de gerações de revolucionários que atuaram de modo decidido pela derrubada da autocracia czarista.  Não é à toa que Lênin no Que Fazer? descreve a intelligentsia, isto é, a intelectualidade russa, como precursores do Partido Operário Social Democrata Russo: 

De momento, queremos simplesmente indicar que só um partido guiado por uma teoria de vanguarda pode desempenhar o papel de combatente de vanguarda. E, para se fazer uma ideia um pouco concreta do que significa isto, que o leitor recorde os precursores da social-democracia russa, como Herzen, Belínski, Tchernichévski e a brilhante plêiade de revolucionários da década de 70; que pense na importância universal que atualmente a literatura russa vai adquirindo; que… mas basta! (LENIN. Vladimir. Que Fazer?. São Paulo. Boitempo, 2020.p. 40/41)

Nota-se o tamanho da influência da intelectualidade russa no pensamento de Lênin, não só pela menção em si na famosa obra de 1902. Mas, sobretudo, o próprio título do livro foi copiado na integra da obra do crítico literário Nicolay Tchernichévski, que sob o título “Que Fazer?” escreveu na prisão em 1862 um romance, recheado de metáforas, que nas entrelinhas combatia ideologicamente a chamada “reforma emancipadora” czarista de 1861, que correspondia com a tardia abolição da servidão na Rússia. Quer dizer, de certa forma, Tchernichévski inaugurou o debate sobre reforma e revolução em solo russo. Obviamente, que tamanha ousadia não iria passar despercebida pelos olhares atentos de Lênin, tampouco passou despercebido pela revolucionária Vera Zasulich que em troca de cartas com Marx, entre os debates polêmicos da luta contra o czarismo, cita o trabalho destacado de Tchernichévski.

Igual, o ponto fundamental não passa pelos olhares atentos de Lênin e Vera Zasulich. O cerne da questão é outro, que condiz na necessidade perene da luta contra-hegemônica das ideias. Porém, logicamente, numa situação distinta dos fundadores do marxismo revolucionário. Contudo, a problemática segue colocada, se há por um lado intelectuais orgânicos da burguesia atuando ideologicamente para manutenção desse estado de coisas. Por outro, faz-se necessário o trabalho dos intelectuais ligados a classe trabalhadora e comprometidos com o socialismo, atuando dia e noite em todas as brechas possíveis. 

Mas, afinal, o que é um “intelectual”? Leandro Konder, em seu livro de memórias, irá de modo divertido e didático dar luz a essa indagação: 

“O que distingue dos que não são intelectuais? O intelectual é alguém que pensa melhor que os outros? Quando a gente vê a quantidade de besteiras que muitos intelectuais já disseram e fizeram, torna-se impossível sustentar essa pretensa superioridade de pensamento”. (…) “O intelectual marxista Antonio Gramsci propôs um critério baseado na função social. Intelectual é aquele que adquiriu conhecimentos que capacitam para desempenhar determinadas funções nos movimentos culturais. Assim como o cozinheiro sabe cozinhar, a costureira sabe costurar, o metalúrgico sabe trabalhar com metais, o intelectual adquiriu determinados saberes que a sua sociedade reconhece como necessários”. (KONDER, Leandro. Memórias de um intelectual comunista. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2008.p. 5)

Quer dizer, segundo o critério de Gramsci, referenciado na função social, saber fritar um ovo não torna uma pessoa cozinheira. Por isso, Gramsci “aponta uma exigência de nível de formação para caracterização do intelectual” (KONDER. 2008). 

Entretanto, Konder emenda de primeira na forquilha:

“O intelectual pode ser burro, preconceituoso, safado, porém há de ter tido um aprendizado que, em principio, deveria prepará-lo para argumentar com mais consistência, para lidar com questões teóricas, sabendo (ou acreditando saber) do que tratam”.  (KONDER. 2008).

Os adjetivos acima do xará se encaixam perfeitamente nos intelectuais da direita brasileira. O que não era o caso de Konder (comunista que se desligou do PT, ao lado de Milton Temer e Carlos Nelson Coutinho, no mesmo dia da expulsão dos Radicais em 2003) que conclui sem rodeios: “na acepção gramsciana posso reconhecer minha condição de intelectual sem cometer a tolice de me envaidecer com ela” (KONDER. 2008). 

 De toda forma, a existência do intelectual “comunista ou socialista”, atuando sob a vanguarda e contribuindo na luta ideológica, por si só não é o suficiente para colocar em movimento os trabalhadores, confiando em suas próprias forças, em direção a revolução, defendendo um programa que contenha em seu conteúdo as necessidades imediatas e os objetivos históricos. É preciso ação. Sem ação o trem da história não anda. Isso ocorre porque a massa da classe trabalhadora aprende através de sua própria experiência empírica no calor da luta de classes.

Para tanto, a classe trabalhadora e os setores oprimidos, precisam de uma organização política independente que possibilite a convergência de todos os elementos em jogo no tabuleiro da luta de classes. Isso significa, em termo mais amplo, que a consciência dos trabalhadores precisa ser concretizada e difundida por um partido político próprio que seja a amálgama universal da luta ideológica, das táticas e das estratégias pelo socialismo. 


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