A marcha da FNL levantou uma bandeira vitoriosa

A marcha da FNL levantou uma bandeira vitoriosa

Após um período de preparação e articulação, a marcha da Frente Nacional de Lutas Campo e Cidade (FNL) atingiu seus objetivos, de forma vitoriosa.

Israel Dutra e Nathália Bittencurt 19 nov 2021, 18:12

Foram 70 km de caminhada de Sorocaba até a capital paulista, durante seis dias. A mobilização envolveu cerca de 1.500 ativistas, entre camponeses pobres, lutadores por moradia e movimentos sociais que saíram em apoio. O saldo é de um triunfo, do início ao fim. A ideia de realizar uma marcha deste tipo foi ameaçada pelo governo e pela Justiça a todo momento, com intimações, interditos e outros expedientes. O fato é que arrancou do governo estadual uma reunião com a Secretaria de Segurança Pública e o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP) logo no terceiro dia de caminhada.

No Movimento Esquerda Socialista, nossa organização política, estamos orgulhosos de ter apostado no potencial de marchar ao lado dos lutadores pela terra desde o início. Atuamos dentro das fileiras do PSOL e com a vanguarda lutadora de movimentos sociais e da juventude, esforço esse que cumpriu um papel determinante para que a marcha tenha se tornado realidade.

Quando novos personagens entram em cena 

A marcha foi preparada por uma nova onda de ocupações de terra na região do Pontal do Paranapanema, que começou em junho deste ano. A ofensiva da FNL no oeste paulista chamou a atenção dos movimentos sociais e do governo paulista, que há muitos anos não via novas ocupações com centenas de famílias surgirem a cada semana, se transformando em grandes acampamentos organizamos com militantes determinados a resistir para conquistar um pedaço de chão para morar e trabalho para prover seu sustento.

Esse método de luta social trouxe de volta à mesa o debate histórico sobre a Reforma Agrária no Brasil. Grande parte de nosso território é formado por terras ociosas, enquanto há milhares de famílias sem ter onde morar. Da mesma forma, tampouco há incentivo para a agricultura familiar que resiste e produz parte fundamental dos alimentos nas regiões urbanas. Hoje, com o retorno do país para o mapa da fome mundial, é urgente encarar a Reforma Agrária como eixo na solução para o combate à insegurança alimentar e à pobreza.

As cenas da marcha na beira de estrada lembraram em muito as grandes marchas pela reforma agrária protagonizadas pelo MST nos anos 90. Contudo, o Brasil mudou muito de lá para cá. O cenário é outro. 

No Brasil de Bolsonaro, com Nabban Garcia (fundador e organizador das milícias rurais da UDR) à frente da Secretaria de Assuntos Fundiários, aumenta a tensão na luta no campo. Uma parte do agronegócio,  com base no Pontal do Paranapanema e no centro-oeste brasileiro, é base fundamental dos atos fascistas, como assistimos no 7 de setembro em Brasília. 

Estamos numa conjuntura muito grave do ponto de vista da crise social. Alta dos preços, combustíveis. A indignação popular ainda está represada. A entrada em cena da FNL rompe esse dique e demonstra um exemplo para centenas de milhares que estão sofrendo com as mazelas da profunda crise social. As ocupações rurais e urbanas devem se multiplicar.

Um caminho cheio de lições

A jornada de preparação até a marcha foi longa. Em outubro, cerca de 40 movimentos, entre partidos, coletivos de juventude, sindicatos, centrais sindicais e associações, realizaram uma plenária de mobilização em São Paulo. O encontro, impulsionado pelo MES, aproximou setores sociais importantes para ampliar o apoio à marcha e às bandeiras da FNL, assim como fortalecer a campanha de arrecadação financeira independente e incentivar as caravanas de dentro e de fora do estado a participar deste momento histórico.

Já na terça-feira à noite, centenas de ativistas se concentravam no km 79 da rodovia Castelo Branco, em Sorocaba. Na quarta-feira, mais de mil marchantes surpreenderam no primeiro dia de caminhada, demonstrando organização, disciplina e sobretudo orgulho de trazer a cultura de marchar de volta às ruas do país. Ao mesmo tempo em que a juventude presente transmitia apoio e fortalecia laços de camaradagem com os lutadores do campo, os militantes da FNL ensinavam sobre combatividade e garra para os novos ativistas, que até então não conheciam este método de luta social – a não ser por alguns livros de História.

A marcha andava entre 10 e 14 quilômetros, em média, diariamente e sempre com partida nas madrugadas. A chegada não significava pausa, pelo contrário. Havia um acampamento a ser montado, para que as refeições do dia e o descanso da noite contasse com um pouco de conforto aos marchantes. Partir de madrugada para chegar no próximo ponto de parada ainda com o sol não tão escaldante, é uma tática para tentar poupar o esforço das famílias que carregam suas crianças e idosos nas fileiras da marcha. A FNL ensinou sobre auto organização e coletividade.

Na sexta-feira, 12, a reunião com o secretário de Segurança Pública, João Camilo Pires de Campos, e representantes do ITESP, intermediada pelo então deputado estadual Raul Marcelo (PSOL) demonstrou a força da marcha. O governo se comprometeu a fazer as demarcações das áreas públicas reivindicadas pela Frente, além de iniciar o cadastro das milhares de famílias acampadas ainda em novembro, entre outras medidas. A chegada em Barueri, no sábado, foi comemorada com uma grande plenária com o conjunto dos ativistas.

Uma parceria que deu certo

No domingo, o fechamento da marcha teve seu auge no Sindicato dos Metroviários, onde todos os marchantes se encontraram. Encerrar a marcha com um ato político dentro da tradicional sede dos metroviários, um local constantemente ameaçado pelo governo paulista, também foi um ato de resistência e um gesto que simbolizou a solidariedade ativa entre os lutadores do campo e a categoria metroviária, reconhecida por sua combatividade e greves históricas na cidade. A aliança MES e FNL, como falou o companheiro Marron, dirigente da FNL de Alagoas, é “um casamento que deu certo”. Mesmo com o cansaço de muitos dias de luta, o encerramento foi emocionante e renovou a disposição de luta do movimento.

A marcha encerrou mas as atividades da FNL não pararam por ali. Na segunda-feira, um grande ato marcou a fundação de um núcleo da Frente na zona sul da capital paulista, no Grajaú. O 15 de novembro foi um dia preparado para levar às ruas as reivindicações populares e o Fora Bolsonaro. No entanto, ao longo de outubro e das últimas semanas, a mobilização do conjunto dos movimentos sociais foi desmontada pelos partidos e coletivos que insistem em aguardar o desfecho da eleição presidencial de 2022, à reboque da agenda lulista.Assim, a marcha da FNL também afirmou-se como alternativa. 

No dia seguinte, já completando uma semana de mobilização, a FNL surpreendeu com atos políticos descentralizados em Campo Grande, Brasília, Porto Alegre e Maceió. A agenda nacional de mobilização pressionou pela desapropriação das terras já vistoriadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), um processo que foi totalmente paralisado durante o governo Bolsonaro. Em Campo Grande, onde estava o coordenador nacional da FNL Zé Rainha, cerca de 300 militantes marcharam pela capital.  “O que move a luta é a necessidade. Não basta ter vontade se se na prática não buscarmos a luta como caminho e a aliança com os lutadores do povo.” – alertou o coordenador da FNL no MS, Beto.

A luta por liberdade continua

A FNL também tem batalhado na Justiça contra a perseguição política. O processo ilegal que condenou Zé Rainha e Claudemir Novais à prisão, novamente, gerou uma campanha nacional pela liberdade dos coordenadores de outras lideranças regionais também perseguidas pelos latifundiários e pelo Estado, como Diolinda Souza. O direito de lutar pela terra e pela reforma agrária também é uma pauta fundamental não somente para a militância da FNL, mas para todos que também enxergam no governo Bolsonaro uma ameaça constante para os movimentos sociais que se organizam para defender direitos. Nós seguimos com essa campanha de defesa da liberdade dos que lutam.

Todos nós aprendemos e contribuímos no processo de construção da marcha. A parceria entre MES e FNL tem demonstrado, através da mobilização e incentivo à ocupação de territórios públicos, e agora com a marcha, que somente com combatividade e iniciativas coletivas é possível enfrentar governos autoritários como o de Bolsonaro. Somente assim será possível destravar a Reforma Agrária e retomar o debate sobre a função social da terra no Brasil e impulsionar a resistência aos ataques do governo federal. Nesta visão em comum sobre a urgência da luta, que não pode aguardar definições eleitorais, se baseia também a aliança entre MES e FNL. Vamos por mais.


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