Com Alckmin, Lula também se candidata a vaga de terceira via?

Com Alckmin, Lula também se candidata a vaga de terceira via?

Leandro Fontes escreve em sua coluna sobre a atualização do tabuleiro eleitoral e a tarefa de derrotar Bolsonaro. Diante disso, cresce a necessidade por uma candidatura que vocalize o programa das ruas.

Leandro Fontes 30 nov 2021, 11:00

A burguesia liberal que apoiou Geraldo Alckmin no primeiro turno de 2018, votou em Bolsonaro no segundo turno, endossou Paulo Guedes no governo e foi conscientemente contra o impeachment em 2020 e 2021, agora luta para sangrar Bolsonaro por um lado e, por outro, construir sua candidatura de “terceira via”. Acontece que as pesquisas de intenção de votos mantêm Lula (48%) liderando a disputa, com uma vantagem confortável em relação a Jair Bolsonaro (21%), segundo colocado. O fato novo é que para além dessa vantagem, Lula pode ter Alckmin como vice, o que permite sua “guinada para o centro”, como definiu Merval Pereira. Por outro lado, mesmo não abandonado o golpismo como estratégia, Bolsonaro passou a reagir buscando ganhar musculatura para a disputa eleitoral.

Assim sendo, Bolsonaro articulou sua filiação, ligando seus parlamentares correligionários, ao corrupto Partido Liberal. O ingresso do bolsonarismo ao PL deve transformar a legenda comandada por Valdemar Costa Neto no maior partido da Câmara Federal e este contará com o maior fundo partidário entre as demais legendas. Quer dizer, Bolsonaro no PL terá uma campanha rica e um elástico tempo de TV. Mas, não só. O acordo com Valdemar Costa Neto sela uma aliança com o eixo do “Centrão”, tendo como fórmula Bolsonaro presidente pelo PL e podendo ter como vice um nome do PP de Arthur Lira, legenda que até então era vista com mais naturalidade de incorporação da corrente bolsonarista. 

A jogada de Bolsonaro não é para nada primária. Sua filiação ao PL obedece a objetivos concretos e pragmáticos da disputa eleitoral, a começar pela amarração de estruturas político-eleitorais mantidas por caciques do PL em âmbito nacional. Tudo isso patrocinado por emendas, como a PEC dos Precatórios, comandadas por Lira na Câmara Federal. Além disso, a filiação ao PL ajuda Bolsonaro bloquear um movimento de cooptação de parte desse partido para a campanha Lula, tendo como canal acordos eleitorais nos Estados e municípios, o caso do Rio de Janeiro é sintomático, onde Washington Quaquá “troca figurinhas” com Cláudio Castro. 

Enquanto isso, a pitoresca prévia do PSDB chega ao seu ponto final, tendo como vencedor João Doria. Porém, o destaque não foi à vitória do governador de São Paulo sobre Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul. Mas, sim, o fracasso retumbante do principal partido da burguesia liberal brasileira. O papelão digno a programas humorísticos contraditoriamente foi contado, capítulo por capítulo, pelo jornalismo do Grupo Globo, que, por sua vez, desmoralizou-se ao promover e moldar artificialmente a prévia tucana como se fosse um tipo de prévia do partido Democrata dos EUA. De tal maneira, o Grupo Globo, que apostava na reabilitação e na nova “roupagem” do PSDB com prévias democráticas, se chocou com a dura realidade: os tucanos tupiniquins não os Democratas ianques. E o PSDB não é comandado pelo erudito liberal FHC. Longe disso, já que está nítido que parte fundamental do controle da máquina do partido passa pelas mãos do lumpem-burguês Aécio Neves, tachado por Arthur Virgílio como “a maçã podre” que quer levar os tucanos para o “Centrão”, que foi gravado pedindo 2 milhões ao empresário Joesley Batista quando era Senador. Porém, Aécio foi poupado pela Lava Jato de Moro e logo em seguida passou a comandar a maioria da bancada tucana que apoia o governo.

Ocorre que Aécio, candidato à presidência da república em 2014 e que foi enquadrado por Luciana Genro no debate da Rede Globo, é apenas uma expressão toxicamente carcomida do que é a classe dominante brasileira. Quer dizer, como Mandel definiu: uma “lúmpen burguesia”. Portanto, atrasada, semicolonial e golpista. Assim sendo, com uma ou outra singularidade, essa é a face sem maquiagem da chamada “terceira via”, que nada mais é do que máscaras sortidas da direita liberal sem lastro eleitoral nacional. De tal maneira, Doria, mesmo depois da melancólica prévia tucana e da gafe no interior da Paraíba onde perguntou para a platéia quem já tinha ido a Dubai, acaba tendo uma casca mais sólida do que os balões de ensaio da direita liberal: Rodrigo Pacheco (PSD), Mandetta (União Brasil), Simone Tebet (MDB), Alessandro Vieira (Cidadania), Luiz Felipe D’Ávila (Novo), etc. 

Entretanto, o tucano, que gastava energia na disputa interna com Leite, foi ultrapassado por Moro, que se filiou ao Podemos e arrastou para a mesma estratégia Deltan Dallagnol e Rodrigo Janot, da Lava Jato, e ainda o general Santos Cruz. Além disso, Moro que já assumiu a terceira posição nas pesquisas, acima de Ciro (cada vez mais sem terreno para crescer na disputa eleitoral) e de Doria, agora busca roubar aliados de Bolsonaro, como é o caso do governador de Minas Gerais Romeu Zema. 

Deste modo, a polarização eleitoral entre Lula e Bolsonaro deve seguir. A tendência é que os dois caminhem para o segundo turno das eleições. Todavia, muita água vai passar por debaixo da ponte. Por isso, ainda não dá para apontar quem vai governar o país em 2023. Mas, o prognóstico indica que Lula é o favorito e há elementos sólidos para esse vetor. A começar pelo enfraquecimento de Bolsonaro por conta da pandemia e do retrocesso na condição de vida da maioria do povo por conta de seu trágico governo. Entretanto, Bolsonaro não está morto e vai lutar com o poderoso braço do poder executivo em aliança com o “Centrão” no parlamento para virar o jogo. Assim sendo, é prematuro apontar que uma candidatura que dispute o campo da extrema-direita como a de Moro possa vencer a corrida pelo segundo lugar contra Bolsonaro. Até porque, a burguesia brasileira segue dívida. Os tucanos, em que pese o trunfo de comandar o Estado de São Paulo, estão rachados e não demonstram força nacional. O ponto mais nítido dessa situação é Minas Gerais com Aécio que vai apoiar Bolsonaro e vai deixar Doria chupando o dedo. Por outro lado, Moro, em certa medida, rouba votos de Bolsonaro e Doria. Por outro, o teto eleitoral de Moro é baixo e a rejeição é alta. Soma-se ainda que Bolsonaro preserva 20% de apoio e tem poder de mobilização de rua.

Quer dizer, se esse quadro se mantém, contraditoriamente, a candidatura de Sérgio Moro pode ajudar o caminho de Lula, uma vez que esta contribui no enfraquecimento de Bolsonaro e, ao mesmo tempo, não tira um voto sequer de Lula. Mais do que isso, Moro igualmente será atacado na campanha eleitoral por todos os lados e os episódios da Vaza Jato voltaram à tona. Não é à toa que não está descartada a hipótese de Moro utilizar o palanque da pré-candidatura para restabelecer sua imagem e construir uma ponte segura para o Senado, onde terá oito anos confortáveis como político e imunidade parlamentar. 

Ainda é cedo para caracterizações conclusivas. Porém, um ponto é unânime nas análises das esquerdas e da burguesia liberal: Lula estará no segundo. E atua para vencer as eleições sem convocar o povo brasileiro para derrubar Bolsonaro. Evidentemente, nessa altura da batalha, as eleições acabam ganhando foco. No entanto, Lula constrói a olho nu um caminho em direção a burguesia com a velha fórmula da colaboração de classes na mão. Não é por nada que o nome de Alckmin brota com força como vice na chapa de Lula. Uma composição que só pode repetir, como máximo, o programa social-liberal que caracterizou os primeiros governos do PT. Porém, a situação econômica é distinta da primeira Carta ao Povo Brasileiro e com Alckmin, o novo governo petista será ainda mais vinculado com a burguesia e cederá às pressões do programa da direita liberal, hoje defendido na íntegra pelas representações da chamada “terceira via”. 

De tal maneira, diante da configuração estabelecida, tudo pode ser dito nas próximas eleições para o povo. Menos a necessidade da organização popular contra a extrema-direita e a burguesia liberal que irá seguir existindo e atuando após as eleições, da mobilização como método de luta e um programa que expresse de modo contundente que nem a fome e nem os ricaços deveriam existir, como sintetiza muito bem a palavra de ordem do coletivo Juntos. Portanto, um programa de enfrentamento contra a classe dominante e em defesa da maioria dos trabalhadores e do povo. 

Mas, quem poderia expressar esse programa? Os companheiros da corrente Resistência defendem publicamente que essa posição deveria ser assumida por Lula. Por isso, em seu editorial de 24/11/2021, afirmam que é um erro o PSOL lançar candidatura própria no primeiro turno e que, nesse momento, o partido deveria girar suas baterias para ganhar Lula e o PT para a discussão de um “programa das esquerdas” e para a ideia de que a vaga de vice-presidente seja ocupada por alguém do povo, como uma “mulher negra ou indígena”. Acontece que o que está escrito no papel da corrente Resistência não contém conexão digna de nota com a realidade. Pelo contrário, parece que essa organização se transportou para os debates internos e públicos do PT de 2001/2002, momento que a esquerda petista lutava contra a política do campo majoritário de composição com a burguesia e que teve como conclusão o vice do PL, José de Alencar, e logo em seguida a reforma da previdência, traição que deu origem ao PSOL. Tudo isso ocorreu num período de ascensão da esquerda na América Latina e com uma situação econômica favorável internacionalmente. Hoje a pressão para uma adaptação mais comprometida com os setores capitalistas é infinitamente maior e Lula está buscando esse caminho para vencer as eleições. Logo, a política da Resistência mascara a realidade e arma a militância e a vanguarda para uma ilusão. 

Portanto, diferente do que a corrente Resistência defende, é fundamental que o PSOL tenha cara própria no primeiro turno para expressar justamente a política e o programa que o Lula não irá defender e muito menos deseja aplicar. Essa posição preserva o partido no terreno da independência de classe, mantém o PSOL como uma alternativa no presente para setores de vanguarda e não veda, em nenhuma hipótese, o voto contra Bolsonaro no segundo turno das eleições. E que para tanto, é possível ter essa combinação com a candidatura de Lula, mesmo aliada com setores da burguesia liberal. Ou seja, é correto votar criticamente em Lula no segundo turno para derrotar Bolsonaro. Mas, sem se diluir no lulo-petismo, sem abandonar o programa anticapitalista e sem compromissos de composição de um possível governo de conciliação de classes encabeçado por Lula. De tal modo, se houvesse alguma chance de Bolsonaro vencer as eleições no primeiro turno, evidentemente que a tática seria outra. Porém, não é o caso, como as estrelas e o sol já sabem. Por isso, vamos de Glauber presidente.


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Pedro Micussi