O Grupo Globo é um partido político?

O Grupo Globo é um partido político?

Leandro Fontes escreve em sua coluna sobre a atuação do Grupo Globo na história do Brasil.

Leandro Fontes 1 nov 2021, 15:06

Há quase cem anos o Grupo Globo é parte da vida cotidiana do Brasil e dos brasileiros.  Sua influência social, econômica e política, cresceu gradativamente até o Golpe Militar de 1964, que catapultou as empresas de Roberto Marinho para a hegemonia soberana na imprensa escrita e nas telecomunicações no Brasil. Entretanto, a versão oficial que o Grupo Globo apresenta como fator preponderante para seu sucesso é a mítica trajetória de competência e êxito empresarial do astuto Dr. Roberto.

Sabe-se que a história não foi bem assim. O Grupo Globo teve como essência de seu crescimento a relação umbilical com forças econômicas nacionais e estrangeiras e com a superestrutura do Estado brasileiro. Todavia, O Globo, não nasceu como uma empresa poderosa. Longe disso, antes do Grupo Globo se tornar um império de comunicações e os Marinho enriquecerem assustadoramente, o jornal (primeiro empreendimento da família) teve momentos de instabilidade e passou por dificuldades para se estabelecer diante da imprensa concorrente do Rio de Janeiro.

Os próprios Marinhos não eram abastados. Pelo contrário, o Marinho originário, João, pai de Irineu, era imigrante português:

“chegou ao Brasil imperial não como o colonizador, e sim como imigrante pobre em busca de vida melhor, tornou-se um desses profissionais decisivos na luta por propriedade e sobrevivência de várias casas de comércio (…). Também sabemos que alcançou certa proeminência na Maçonaria, tendo sido nomeado cônsul honorário de Portugal na cidade de Resende”. 

(BIAL, Pedro. Roberto Marinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. p.43)

Quer dizer, os Marinhos faziam parte do que podemos chamar de classe média urbana tijucana nos anos da Primeira República. Mas, no período da Ditadura Militar se transformariam em uma das famílias mais ricas e poderosas do país.

O Globo iniciou oficialmente suas atividades em 29 de julho de 1925, sendo um jornal crítico ao governo de Arthur Bernardes e contendo simpatia ao heterogêneo movimento tenentista. Acontece que o cabeça do periódico, Irineu Marinho, morreu vinte e um dias após a fundação do jornal. Assim, Roberto Marinho, com 21 anos, ainda um jovem boêmio que remava no Boqueirão do Passeio, vai para a redação e gradativamente assume a dianteira do jornal da família. Porém, até 1931, o Globo é chefiado por Eurycles de Mattos, o sócio mais próximo e leal de Irineu, que irá falecer neste ano.

De tal maneira, O Globo, ainda como um pequeno jornal, que mostrava sua tendência política contrária a fajuta República Café com Leite, vai apoiar a chamada “Revolução de 1930″, encabeçado por Getúlio Vargas. Aliás, Roberto Marinho atua como repórter e assume tarefas como soldado (reservista), contribuindo em missões de transporte e escolta de generais e membros de alta patente do exército na ocasião. Contudo, Roberto Marinho, já à frente do jornal desde 1931, tem uma posição pendular frente a Getúlio. Ou seja, apóia no primeiro momento. Mas, logo depois o jornal dá holofotes às velhas oligarquias opositoras ao governo provisório. O exemplo mais evidente foi o apóio ao movimento Constitucionalista de 1932 em São Paulo. Todavia, em seguida, O Globo endossa a constituinte varguista de 1934.

O pêndulo de O Globo só não inclinaria para a esquerda. A partir de 1935 o jornal se coloca frontalmente contra a Aliança Nacional Libertadora (ALN), frente dirigida pelos comunistas que fazia oposição pela a esquerda ao governo Getúlio. Aliás, O Globo nas mãos de Roberto Marinho, passa a ter de modo definitivo um forte traço anti-comunista e anti-socialista. Nunca é demais lembrar que O Globo se colocou a favor da cassação do registro legal do PCB e dos parlamentares comunistas eleitos em 1947. Um pouco antes, diante do autoritarismo do Estado Novo varguista, O Globo passa para uma linha de oposição liberal ao governo. Não é à toa que Roberto Marinho foi favorável à derrubada de Getúlio e apoia o Brigadeiro Eduardo Gomes da UDN para presidente nas eleições de 1945 e irá apoiar, logo em seguida, o governo de Eurico Gaspar Dutra.

Acontece que Getúlio volta através do voto ao poder. E com ele estavam os concorrentes diretos de Roberto Marinho, como Assis Chateaubriand dos Diários Associados e Samuel Wainer do jornal Última Hora. Nesse então Roberto se alia a Carlos Lacerda, proprietário do jornal Tribuna da Imprensa, para combater o novo governo de Getúlio. A Rádio Globo, fundada em 1944, foi o palanque privilegiado dessa unidade política. No jornal, Roberto Marinho publicava de modo panfletário os discursos radiofônicos de Lacerda. Entretanto, Getúlio comete suicídio. E uma multidão tira a conclusão imediata que a responsabilidade da morte do “Pai dos Pobres” (mãe de uma parte dos ricos) tinha sido das organizações Globo. Assim, o povo sai às ruas do Rio de Janeiro enfurecidamente, tenta ocupar a rádio, apedreja a sede do jornal e incendeia as caminhonetes do Globo.

O episódio da “revolta contra o Globo” pode ter sido um gatilho na orientação política de Roberto Marinho, já que nos governos seguintes, sua posição foi em regra de composição ou de oposição na “hora certa”. De tal maneira, os Marinho conseguiram com Juscelino Kibtschek a concessão da TV Rio em 1957 e, logo depois, com João Goulart, adquiriram a concessão do canal de Brasília. Isto é, passos importantes para as pretensões de Roberto Marinho, mas o salto decisivo estava por vir com o regime de exceção.     

Assim sendo, O Globo outrora crítico ao fascismo tupiniquim dos Integralistas, mas editorialmente anti-comunista, apoiou desde o primeiro momento o Golpe de 1964 e a Ditadura Militar. É importante registrar, Roberto Marinho nutria relações cordiais e de acordos políticos desde 1930 com militares reacionários com fome de poder. Ao mesmo tempo, Marinho tinha tentáculos ligados ao imperialismo norte-americano vide a relação com a NBC e, principalmente, com a Time-Life. Sob essas diretrizes é formado o pacto afiançado por Washington: Ditadura-Globo, Globo-Ditadura. Quer dizer, o Grupo Globo apóia a Ditadura através de seus veículos de comunicação de massa e a Ditadura, por sua vez, facilita a vida do Grupo Globoem seu ambicioso projeto de desenvolvimento em larga escala. Simples assim.

Nesse sentido, no governo Costa e Silva, foi criado o ministério das comunicações, com investimentos robustos que permitiram a construção de um sistema nacional de telecomunicações. Assim, as emissoras de TV regionais puderam se transformar em TVs nacionais a partir de concessões privadas. Nessa jogada a TV Globo dará um salto sem precedentes. Isso porque as cadeias de TVs foram formadas a partir de um sistema de uma rede de emissoras afiliadas a uma emissora mãe. Esse foi o trampolim que forjou as condições da TV Globo ultrapassar a concorrência (principalmente a TV Tupi) e alcançar a hegemonia, que foi cristalizada no governo Sarney com o ministro de comunicações Antônio Carlos Magalhães, proprietário da TV Bahia.

Para dar vazão a esse audacioso projeto de integração nacional dos militares via a televisão, a Ditadura chega abrir um sistema de crédito para que a população possa comprar aparelhos de televisão. Quer dizer, a proposta era que cada família brasileira tivesse um televisor em sua casa transmitindo as “maravilhas” do regime autoritário. Não é à toa que o general Médici disse: “assistir ao Jornal Nacional da Globo é como tomar um calmante porque no noticiário da Globo o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz”.

Isto é, com pequenas divergências no percurso, o pacto Ditadura-Globo funcionou maravilhosamente bem para ambos no fundamental. Contudo, a resultante para o povo foi trágica. Mesmo assim, o Grupo Globo foi absolutamente leal aos militares ao ponto de se posicionar como o “último dos moicanos” a abandonar a defesa pragmática e ideológica da Ditadura, isso está comprovado não só pela ocultação dos atos de massivos pelas Diretas. Mas, sobretudo, pelo editorial histórico – “Julgamento da Revolução” – de O Globo de 7 de outubro de 1984, onde Roberto Marinho faz o balanço político do regime que apoiava:

Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada. Quando a nossa redação foi invadida por tropas anti-revolucionárias, mantivemo-nos firmes em nossa posição. Prosseguimos apoiando o movimento vitorioso desde os primeiros momentos de correção de rumos até o atual processo de abertura que deverá consolidar-se com a posse do futuro presidente. (…) O Globo, desde a Aliança Liberal, quando lutou contra os vícios políticos da Primeira República, vem pugnando por uma autêntica democracia e progresso econômico e social do país. Em 1964, teria de unir-se aos companheiros de jornadas anteriores, aos ‘tenentes e bacharéis’ que se mantinham coerentes com as tradições e os ideais de 1930.(…) Não há memória de que haja ocorrido aqui, ou em qualquer outro país, que um regime de força, consolidado há mais de dez anos, se tenha utilizado do seu próprio arbítrio para se autolimitar, extinguindo os poderes de exceção, anistiando adversários, ensejando novos quadros partidários, em plena liberdade de imprensa. E esse, indubitavelmente, o maior feito da Revolução de 1964. Neste momento em que se desenvolve o processo da sucessão presidencial, exige-se coerência de todos os que têm a missão de preservar as conquistas econômicas e políticas dos últimos decênios. O caminho para o aperfeiçoamento das instituições é reto. Não admite desvios aéticos, nem afastamentos do povo. Adotar outros rumos ou retroceder para atender a meras conveniências de facções ou assegurar a manutenção de privilégios seria trair a Revolução no seu ato final”.

O editorial de Roberto Marinho deixa cristalino que o Grupo Globo não se resume a um conglomerado de comunicação. A Globo atua decididamente como um partido político no que compete o objetivo final dessa ferramenta: a luta pelo poder. De tal modo fica fácil entender as posições reativas do Grupo Globo na redemocratização do país. Soma-se ainda: a tentativa de fraude contra Brizola em 1982 nas eleições para o governo do estado do Rio de Janeiro; a Globo foi peça chave na engrenagem para eleger Collor em 1989; apoiou de modo sistemático os oito anos de governo neoliberal de FHC; foi correligionária do movimento direitista que culminou com o golpe parlamentar contra Dilma e da tendenciosa operação lava jato. 

Tudo isso já seria o bastante. Porém, um genuíno partido político de massas atua todos os dias defendendo seu programa. E essa característica o Grupo Globo tem de sobra. Aliás, a Globo tem mais programa que os medonhos partidos políticos da burguesia brasileira. Basta observarmos seu jornalismo, seus analistas e porta-vozes de maior destaque e sua difusão cultural através principalmente de suas novelas, dando destaque aos objetivos e modo de vida da burguesia e da classe média alta. Nesse conjunto fica nítido a defesa de um programa capitalista liberal, atualizado nas pautas de costume, contendo a defesa do aborto do feto anencéfalo, pesquisa com células tronco, defesa de bandeiras inclusivas da população LGBTQIA+, das mulheres e da negritude. Contudo, o Grupo Globo não abre mão de sua orientação estratégica, que é a defesa do Estado mínimo para que os capitalistas, incluindo os Marinho, possam desenvolver seus negócios, obter mais lucro e poder.

Com esse programa na mão o Grupo Globo atua e influência a sociedade, políticos e as superestruturas do Estado. Assim sendo, os fundamentos de equidade e independência do jornalismo como missão pública cai por terra e o que verdadeiramente sobra é os interesses econômicos e políticos dos ricos proprietários dos veículos de comunicação.

Por isso, é decisivo atacar os objetivos e os privilégios do Grupo Globo, uma organização reacionária, que se desenvolveu aos olhos do público, via o fabuloso talento de grandes profissionais assalariados da empresa. Mas, que alcançou tamanho poder se vinculando com os algozes do povo brasileiro. Portanto, na primeira chance, a esquerda não pode perder a oportunidade de atacar esse “quarto poder” do Estado. Nesse ponto, os governos petistas de Lula e Dilma foram trágicos. Isso porque não tocaram em uma linha dos privilégios monopolistas do Grupo Globo, que no inicio dos anos 2000 vivia uma grave crise financeira, fruto de um alto endividamento em dólar que se agravou com a desvalorização do Real em 1999 e 2002. Entretanto, para socorrer a empresa, Lula em 2003 destina 59% das verbas publicitárias do governo federal e das estatais para a televisão vai para a TV Globo. Como elemento comparativo, no ano anterior FHC havia destina 49% das verbas para a emissora. Essa relação em proporções só irá ser alterada significativamente em 2014, quando o governo Dilma destina 36% das verbas publicitárias para a TV Globo.

Está claro que a capitulação de Lula e Dilma não foi capaz de poupar os governos de colaboração de classes do PT dos ataques fulminantes impulsionados pelo Grupo Globo. As ilusões do petismo no regime e na própria burguesia brasileira levaram os governos de frente popular apostarem numa relação republicana com uma empresa privada (política com influência de massas) historicamente reacionária e golpista. Deu no que deu, conforme alertava historicamente Brizola e Luciana Genro no debate presidencial de 2014. Portanto, assim como fez o comandante Chávez com a golpista RCTV da Venezuela, cabe aos socialistas um caminho distinto do petismo na necessária busca de libertação do povo brasileiro do Grupo Globo, o principal partido político de direita do Brasil.


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