O significado da disputa do Chile e o combate ao fascista Kast
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O significado da disputa do Chile e o combate ao fascista Kast

Uma vitória de Boric sobre o pinochetista Kast no próximo domingo terá reflexos em todo o continente.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 17 dez 2021, 12:00

Quase chegando no final do ano, apresentamos aos nossos leitores um editorial que trata de uma das últimas batalhas de vulto de 2021: o segundo turno da eleição presidencial chilena, que ocorrerá no próximo domingo (19).

A disputa, intensa e polarizada, ocorrerá entre Gabriel Boric, da Frente Ampla, contra o ex-deputado pinochetista José Kast, do Partido Republicano, de extrema-direita. No primeiro turno, Kast obteve 27,91% dos votos e ficou dois pontos à frente de Boric, com 25,82%. Enquanto o país andino aguarda os resultados de uma eleição histórica, seguem em andamento os trabalhos da Assembleia Constituinte, convocada após a pressão das rebelião popular que chacoalhou o país em 2019.

Os olhares da América Latina se voltam para a disputa desse domingo, com a ampla maiorias dos setores progressistas apoiando, votando e torcendo por Boric, apesar dos limites programáticos de sua candidatura.

Chile e Brasil, semelhanças e diferenças

A eleição revela semelhanças e diferenças entre as situações chilena e brasileira. Se, por um lado, é fato que Kast e Bolsonaro compartilham posições políticas e tem uma visão de mundo de extrema-direita, por outro lado, a ascensão de ambos é resultado de diferentes processos. Vale dizer que Kast tem feito a defesa do legado de Pinochet, em particular com relação à ultraliberalização da economia e ao combate às liberdades democráticas. Paulo Guedes, como aprendiz da Escola de Chicago e admirador da ditadura assassina de Pinochet, também ilustra as ligações entre tais projetos.

Bolsonaro é a expressão da crise orgânica do regime de 1988, após uma enorme frustração com o governo social-liberal do PT e a direitização de agentes políticos que promoveram o golpe parlamentar liderado por Temer. Kast é uma expressão mais direta da reação contrarrevolucionária à rebelião popular de 2019, iniciada por protestos de jovens e estudantes que questionavam o aumento de tarifas de transporte público e foram o estopim de manifestações multitudinárias que, enfrentando forte repressão, exigiram a reversão de medidas ultraliberais da ditadura, como o sistema de aposentadorias privatizado que condena à fome e à miséria milhões de idosos, e o próprio regime político do país, ainda hoje baseado na Constituição legada pela ditadura pinochetista.

Boric é uma das novidades do cenário político chileno. Podemos considerar as irrupções estudantis de 2005 e 2011 como antecessoras do levante de 2019, no qual uma nova geração de lideranças despontou e procurou um caminho político próprio, após décadas de experiência com os governos da Concertação. Gabriel Boric emergiu como uma liderança independente e com audiência de masssas, mas, durante o processo de luta, cometeu sérios equívocos, como a assinatura do pacto pela constituinte que resultou na paralisia do processo revolucionário. Nas prévias da coalizão de esquerda, venceu Daniel Jadue, do Partido Comunista. Durante a campanha, no entanto, Boric tem sinalizado sua defesa da “estabilidade econômica” e, num primeiro turno com alta abstenção, ficou atrás do candidato da extrema-direita.

O cenário continental

É preciso considerar a importante conjuntura continental para entender o significado e o alcance dessa disputa. O Chile foi um dos vetores da etapa contrarrevolucionária na América do Sul, com o golpe conduzido pelo exército e pelo imperialismo contra o governo reformista de Salvador Allende em 1973. Também foi símbolo da transição “pactuada” com os governos de alternância entre a coalizão conhecida como Concertação e partidos da direita conservadora. O cimento de tal pacto foi a manutenção da constituição. Ao mesmo tempo, décadas de reformas neoliberais conduzidas pela ditadura e pelos governos eleitos após a queda de Pinochet levaram analistas burgueses a apontar o Chile como uma vitrine do suposto “sucesso” do neoliberalismo. É evidente, portanto, que os acontecimentos do Chile terão impacto direto na região.

Dois processos devem aprofundar-se: a crise orgânica dos regimes e a polarização social e política. Os últimos eventos destacam esses dois traços. Ao contrário de um setor da esquerda e da centro-esquerda que apregoavam que a vitória de Bolsonaro, na esteira de Trump, abriria um caminho irreversível para a extrema-direita liderar um ciclo duradouro e estável, o que estamos assistindo é outra coisa. Sim, a extrema-direita tem peso de massas e cresce nos países latino-americanos, mas não conseguiu arrancar uma derrota histórica contra a classe trabalhadora, capaz de abrir uma nova hegemonia, por fora da democracia burguesa em crise. A recente vitória de Xiomara Castro na eleição presidencial de Honduras, por sua vez, ainda que longe de indicar um “giro à esquerda” mais consistente, é outro importante sinal. Honduras foi um dos primeiros países a ter vivido uma nova modalidade de golpes de Estado na região quando, em 2009, Manuel Zelaya foi apeado do poder. Agora, a vitória de seu partido no terreno eleitoral recoloca as cartas na mesa na sempre explosiva América Central. No entanto, as forças de esquerda do continente, apesar de vitórias eleitorais recentes, apresenta enormes lacunas programáticas, como a vergonhosa capitulação e apoio à ditadura Ortega-Murillo na Nicarágua.

A América Latina segue, assim, marcada pela instabilidade e pela polarização, com, por exemplo, realinhamentos à direita e à extrema-direita em vários países; crise permanente do governo Castillo no Peru, que enfrenta tentativas recorrentes de derrubada do governo pelo Congresso; maior debilidade da extrema-direita na Colômbia após os choques deste ano; entre outros acontecimentos recentes. Por isso, os resultados da eleição chilena terão importância fundamental.

A agenda de outubro e os desafios de construção de uma alternativa

Não é possível perder de vista o pano de fundo da disputa eleitoral em curso: a disputa da agenda aberta pela rebelião de outubro de 2019, que divide a sociedade. Kast busca chegar ao governo, apoiado em setores reacionários, para impedir o avanço das demandas apresentadas.

As insuficiências programáticas da candidatura de Boric, como afirmamos, dificultam a afirmação das demandas do programa de outubro, como a exigência de uma constituinte capaz de promover transformações estruturais sem vetos da direita; universalização dos sistemas de saúde e educação; nacionalização do cobre; autodeterminação dos povos originários, como os mapuches (com um Chile plurinacional); entre outras.

Estamos convencidos de que uma vitória de Gabriel Boric sobre o pinochetista Kast na batalha do próximo domingo terá reflexos em todo o continente. Ao mesmo tempo, reivindicamos o exemplo da rebelião chilena de 2019 e 2020, que mostrou a necessidade e as possibilidades de construção de uma alternativa da “esquerda por fora da ordem”.


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