A tragédia na serra fluminense e o descaso do poder público

Em 1981 o Jornal do Brasil estampou na primeira página a foto do pedreiro desempregado Jamil Luminato, então com 21 anos, carregando o corpo de um bebê que ele acabara de retirar da lama no bairro Independência, em Petrópolis, num dos vários deslizamentos que causou diversas mortes.  A foto rendeu ao fotógrafo Carlos Mesquita o […]

Silvana Louzada 17 fev 2022, 19:31

Em 1981 o Jornal do Brasil estampou na primeira página a foto do pedreiro desempregado Jamil Luminato, então com 21 anos, carregando o corpo de um bebê que ele acabara de retirar da lama no bairro Independência, em Petrópolis, num dos vários deslizamentos que causou diversas mortes. 

A foto rendeu ao fotógrafo Carlos Mesquita o prêmio Esso Regional Sudeste de 1982. O Premio Esso foi, por décadas, o principal prêmio do jornalismo brasileiro.

Em 2013, Jamil novamente protagonizouuma cena semelhante, tentando salvar com suas próprias mãos a filha, Drucilane Alves Luminato, 31; o genro, Rodrigo Vale; e dois netos, Rodrigo de Oliveira Valle Junior, 4 e João Vitor Alves do Valle, 2, soterrados por mais um de diversos deslizamentos na Cidade Imperial.

A foto comovente de Jamil, com 53 anos, carregando um pequeno caixão branco no cemitério de Petrópolis, feita por Daniel Marrenco, seria apenas mais uma da iconografia da tragédia, não fosse a terrível repetição dos seus desdobramentos.

O drama  familiar de Jamil ocorreu apenas 2 anos após a catástrofe que é considerada o maior desastre natural da história do Brasil. O mar de lama que varreu a região serrana do Rio de Janeiro eresultou em mais de 900 mortos e, até hoje, quase 100 desaparecidos.

A enxurrada atingiu, além de Petrópolis, as cidades de Nova Friburgo, Petrópolis Teresópolis, São José do Vale do Rio Preto, Bom Jardim, Sumidouro, Areal, Santa Maria Madalena, Trajano de Moraes, Sapucaia, São Sebastião do Alto, Três Rios, Cordeiro, Carmo, Macuco, Cantagalo e Cachoeiras de Macacu.

Partindo do alto da serra, a água e a lama foram descendo pelos rios e arrastando tudo, em todos os municípios que atravessava.

Desses, apenas Areal conseguiu, através de uma medida preventiva, evitar os inúmeros óbitos. Ao perceber que os rios que cortam a cidade estavam subindo muito rápido, o prefeito ligou para seu colega do município rio acima e soube que São José do Vale do Rio Preto já havia sido invadido pelas águas. Rapidamente enviou um carro de som para alertar as populações às margens do rios Piabanha e Preto para que deixassem imediatamente suas residências.

A iniciativa, que salvou inúmeras vidas, também passoua ser, até hoje, a principal forma de prevenção nos municípios serranos fluminenses, assim como nos morros cariocas: foram instaladas sirenes e autofalantes que alertam a população em caso de chuva forte para que procurem um “local seguro”.

O que deveria ser uma excepcionalidade, tornou-se regra.

Na recente tragédia ocorrida dia 15/02/2022 em Petrópolis, o CEMADEM (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), havia emitido 2 dias antes um alerta para a possibilidade de um “evento climático.

Por volta das 15h30 do dia da tragédia, a Defesa Civil de Petrópolis enviou um SMS à comunidade avisando da “previsão de chuva moderada/forte à tarde e à noite”. Perto das 17h, um novo alerta avisava do risco de “inundações para diversos pontos da cidade”. Foi somente neste horário, por volta das 17h, que as sirenes começaram a ser disparadas no local mais afetado pelo deslizamento, o Alto da Serra. O mundo – literalmente – desabou minutos depois.

As cabeças d’água – fenômeno meteorológico que consiste no rápido aumento do nível dos cursos d’água devido à grande quantidade de chuva nas cabeceiras ao longo do rio – são comuns na serra fluminense, em especial no verão.

A chuva que caiu em alguns pontos da cidade esteve muito acima do considerado normal: em seis horas foram registrados 260mm de chuva – sendo que a maior parte, 230mm, em apenas três horas – superando todo o esperado para o mês de fevereiro. Foi a maior chuva ocorrida em Petrópolis desde 1932, quando começaram os registros.

Foi, portanto, de um evento climático de grandes proporções.

Mas, não seriam suas trágicas e enormes consequências evitáveis?

A ocupação irregular do solo é apontada como uma das causas do grande número de mortos: pessoas ocupam as encostas, a vegetação é destruída e o potencial desastroso aumenta enormemente.

Escaldadas por décadas de deslizamentos mortais, as pessoas não ocupam essas encostas por gosto, mas pela absoluta falta de investimento em políticas habitacionais que retirem de forma permanente a população de áreas de risco.

A contenção de encostas, drenagem e recomposição das margens dos rios  também são negligenciados há décadas.

O atual governador, Claudio Castro, gastou apenas metade do previsto em orçamento no programa de prevenção e resposta a desastres, segundo dados do próprio governo do Rio de Janeiro. Apenas 47% do valor previsto em orçamento para ser gasto neste setor em 2021 foi de fato empenhado: foram reservados R$ 192,8 milhões, contra um total de R$ 407,8 milhões de dotação inicial no orçamento.

Na tarde da quinta-feira, 17/02, já eram contabilizadas 111 mortes e ao menos 116 pessoas ainda desaparecidas. Dos mortos, a maioria (cerca de 65%) é de mulheres.

Mais uma vez, vemos uma cidade totalmente destruída, famílias dilaceradas, encostas rasgadas como fraturas expostas, expondo, a falta de política publica que zele pelo bem estar da população.

O momento é de dor profunda, e é necessária muita solidariedade para tentar mitigar o sofrimento dessa população já tão atingida pelas catástrofes ambientais e políticas que assolam nosso estado.

Mas é também tempo de cobrança, de mobilização para que não tenhamos mais Jamis carregando o corpo de um bebê e fracassando em salvar a própria família, vítima do descaso o descaso do poder público!


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