O que é o imperialismo russo?
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O que é o imperialismo russo?

A invasão da Ucrânia abriu um debate sobre qual o papel da Rússia no mundo, com parte da esquerda inclusive defendendo que o país tem um papel anti-imperialista. Precisamos,então, compreender o que é o imperialismo russo e como ele funciona.

Theo Louzada Lobato 3 mar 2022, 20:01

O recente debate sobre a invasão da Ucrânia dividiu as opiniões dentro da esquerda. Enquanto um setor acreditava que a principal tarefa do momento era a luta pela paz, denunciando a disputa inter-imperialista entre Rússia e OTAN na região e condenando a invasão de Putin, todo um setor da esquerda brasileira optou por outra posição: a de justificar o ataque do governo russo. Entre os argumentos utilizados nesse sentido se coloca que não haveria um imperialismo russo, que somente o bloco ocidental cumpriria esse papel e que a medida de Putin na invasão seria somente defensiva. Esse texto não tem como objetivo entrar no detalhe sobre a disputa atual em si, mas o de facilitar a compreensão sobre os atuais acontecimentos internacionais a partir de um debate que precisa ser feito: o de saber o que é e como funciona o imperialismo russo.

O que é imperialismo?

O imperialismo é um desenvolvimento do próprio capitalismo em sua fase monopolista. Lenin, já no começo do século XX, colocou como havia uma mudança na estrutura do capitalismo: se antes havia um período onde existia a possibilidade de livre concorrência entre os diversos capitalistas, o sistema foi se complexificando com o aumento da concentração de capital, criando uma oligarquia financeira que construía monopólios e oligopólios, impondo também uma partilha do mundo que permitisse a expansão de seus negócios. Lênin define com 5 pontos principais o que define essa fase imperialista:

1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica;
2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro” da oligarquia financeira;
3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande;
4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si, e
5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. 

O imperialismo, portanto, se desenvolve a partir de uma necessidade do próprio capital monopolista de dominação de novos territórios, criando, para tais fins, uma relação direta com o Estado. Este, na necessidade da expansão internacional do capital financeiro, é utilizado como um instrumento que serve para garantir essa dominação econômica sobre essas novas regiões, muitas vezes por meio da força.

Esse desenvolvimento, portanto, se deu simultaneamente em diversas potências capitalistas onde a concentração de capital financeiro foi suficiente, se iniciando ainda no século XIX uma política neocolonialista e a busca por novos mercados pelo mundo. Essa expansão muitas vezes foi (e segue sendo) conflituosa, sendo um dos maiores exemplos a primeira guerra mundial – uma guerra interimperialista causada por diferentes interesses econômicos entre as nações européias que buscavam, em disputa entre si, permitir o crescimento do seu próprio capital.

O imperialismo hoje em dia

Após a queda do muro de Berlin, parte da esquerda iniciou uma análise que a partir de uma hegemonia econômica construída dos Estados Unidos sobre o resto do mundo, o imperialismo poderia ser resumido ao Estado e ao capital norte-americano e, em menor grau, o europeu que está em sua área de influência. Isso significaria que outros países que se enfrentam com essa política teriam caráter anti-imperialista e por isso deveriam ser apoiados pela esquerda internacional. Breno Altman, um dos principais teóricos do campismo, chegou a defender ainda esse mês, durante a invasão da Ucrânia, que a Rússia tinha um governo anti-imperialista.

Essa caracterização está o mais longe possível da realidade. A crise internacional do capitalismo em 2008 foi um marco que ajudou a desenvolver uma tendência que já vinha se instalando internacionalmente – a perda da hegemonia global dos Estados Unidos para um mundo onde novas potências imperialistas se apresentavam, abrindo uma disputa de capitais monopolistas em um mundo multipolar. 

O papel da China é central nessa análise, atuando sobre mercados como o africano e o latinoamericano, ocupando espaços antes quase totalmente dominados pelo ocidente. Essa expansão de seu capital, assim como de quaisquer outros países imperialistas, é marcada pela busca de lucro por meio de relações que resultam em uma dinâmica de dependência e dominação econômica do capital chinês sobre essas regiões – inclusive pelo próprio instrumento do endividamento, como já foi feito historicamente pelas potências europeias e pelos próprios EUA.

Ou seja, não é correto resumir as relações imperialistas como somente as movimentações tomadas pelos norte-americanos e seus aliados. É preciso compreender o sistema que é o imperialismo, seus traços gerais e como ele pode se aplicar de diferentes formas na realidade multipolar do capitalismo imperialista que vivemos hoje. E nisso, a Rússia também tem um papel fundamental.

Como funciona o imperialismo russo?

A constituição do imperialismo russo tem suas especificidades. Mesmo tendo papel político relevante na Europa durante importante parte do século XIX, sendo um dos impulsionadores da Santa Aliança, a Rússia chegou ao século XX como um desenvolvimento tardio do seu capitalismo. Com o surgimento da União Soviética, porém, há um crescimento em outro patamar das forças produtivas, permitindo que a URSS se torne um dos principais pólos tecnológicos e industriais do mundo.

Com a dissolução soviética e a retomada do modelo econômico capitalista na Rússia, o processo de privatização da propriedade pública no país, durante o governo de Boris Yeltsin, se dá de forma a constituir uma oligarquia política-financeira que consegue, em pouco tempo, criar oligopólios em diversas áreas com a compra, a preço reduzido, das empresas estatais.

Já se reestruturando enquanto um capitalismo monopolista, parte das necessidade do capital russo se torna também o de expandir para além das fronteiras de seu país, encontrando no leste europeu e em parte da ásia uma região central para isso. Essa política vai se concretizando com a ajuda de um Estado com características expansivas que vai tomando sua forma ideal a partir do regime de Putin, desde 1999.

Ou seja, possuindo um capital monopolista, que tem como um dos principais objetivos a expansão para além das fronteiras nacionais e se utiliza do poder político-militar para que esse processo possa acontecer, a Rússia, com suas limitações em comparação com outra potências como os Estados Unidos ou a China, também exerce um papel de imperialista, em especial em sua região fronteiriça. Vamos ver como isso se dá em alguns exemplos:

  1. Belarus

Belarus, conhecida há mais tempo como Bielorrúsia, é um dos exemplos mais marcantes da relação de dominação político-econômica que a Rússia exerce sobre o leste europeu. Como um governo de Alexander Lukashenko, que se mantém no país há 26 anos, o regime político nacional depende diretamente do apoio russo – algo que foi visível com as grandes manifestações no país ano passado reprimidas pelo próprio Putin.

Essa dominação, obviamente, tem razões econômicas. A dependência de Belarus sobre o capital russo é marcante – o país tem 38% de sua dívida nacional em nome dos russos. Um dos seus principais papéis na divisão internacional do capital é o de servir como passagem para o transporte de petróleo e gás russo para o resto da Europa. Além disso, parte da economia do país depende muito dos acordos entre os russos de fornecimento a preços favoráveis também dessas fontes energéticas – garantindo a dominação do capital russo sobre a economia nacional.

  1. Cazaquistão

Outro país que teve uma explosão em protestos sociais recentemente – no caso, no começo desse – foi o Cazaquistão. Durante suas marchas, que foram entre as maiores da história do país, o governo solicitou apoio da OTSC (aliança militar comandada pela Rússia para rivalizar com a OTAN) na repressão dos manifestantes. Esse acordo, que na prática foi a entrada de tropas russas para impedir a desestabilização do regime (assim como no caso de Belarus) foi uma possibilidade do governo russo apresentar seu pacto militar ao mundo,  se colocando, inclusive, enquanto uma potência imperialista que pretende rivalizar com o ocidente.

Naturalmente, a Rússia também tem motivos econômicos que fazem com que a manutenção do regime do Cazaquistão lhe seja interessante. Após a China, os russos são os principais exportadores para o país, com 20% das importações nacionais. A balança entre as relações, naturalmente, é desigual, sendo a Rússia correspondente somente a 5% das exportações cazaquis. 

  1. Geórgia

Um país que tem um histórico que remete aos acontecimentos atuais na Ucrânia é a Geórgia. Situada na  Transcaucásia, região entre a Rússia e o Oriente Médio, o país teve um papel importante para o capital russo pela possibilidade de expansão para essa região. A relação entre os países porém se deteriorou já no começo dos anos 2000, com uma aproximação georgiana ao ocidente, inclusive com a possibilidade que o país ingressasse à OTAN.

Essa situação escalou no conflito de 2008, no qual a Rússia invadiu o país e estabeleceu duas repúblicas autônomas que até hoje só são reconhecidas pelos russos e seus aliados – a Abecásia e a Ossétia do Sul. Essas áreas na prática acabam sendo dominadas diretamente pela política e pela economia russa – a moeda utilizada na região, por exemplo, é o próprio rublo russo – e fazem com que o país possa exercer sua influência política sobre a própria região georgiana, que segue com um governo com uma relação conflituosa com os russos.

  1. Oriente Médio

Com a crise da hegemonia norte-americana sobre o mundo, algumas regiões têm sido colocadas como estratégicas pelo imperialismo russo. Esse é o caso do próprio Oriente Médio. Com perdas geopolíticas importantes para os EUA – como a retomada do Talibã no Afeganistão e a manutenção do regime de Assad – a Rússia tem tentado ocupar um espaço vazio que começa a se estabelecer também com sua influência política, econômica e militar. 

Ainda em 2019, por exemplo, o exército russo começou a ser responsável pelo patrulhamento do norte da Síria e se tornou o mediador dos conflitos entre os sírios e turcos – papel antes cumprido pelos Estados Unidos. O país tem conseguido criar relações políticas e econômicas com diversos atores centrais na região, tendo uma aliança estratégica com o governo sírio, mas também abrindo relações orgânicas com a Turquia e o Irã. 

Mas a aproximação dos países do Golfo – como os Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Catar, Omã e Bahrein – também é uma marca dos últimos anos. A venda de armas para esses países têm garantido acordos bilionários para o capital russo, com mediação do próprio governo, e a construção de um acordo da Opep+ (expansão da Organização de Países Exportadores de Petróleo que a Rússia faz parte) tem feito com que boa parte desses países nem tenha se pronunciado sobre o caso ucraniano, priorizando as boas relações com os russos.


Um imperialismo em desenvolvimento

Esses são alguns exemplos que demonstram como é equivocado ver a Rússia enquanto um país que não está se movimentando enquanto uma potência imperialista que tem, inclusive, feito o máximo para se apresentar publicamente no cenário internacional enquanto tal. Naturalmente esses são só alguns casos – o capital russo tem influência sobre diversos outros países. Isso não significa que já seja possível comparar a capacidade do imperialismo norte americano ou chinês com o russo, que ainda tem um limite para seu alcance. Mas é necessário compreender que os atores imperialistas no mercado mundial têm suas desigualdades, mas que isso não é suficiente para retirar o caráter imperialista desses países e já que possuem as características necessárias enquanto capital monopolista que têm relação de dominação sobre parte do mundo.

Portanto, é preciso entender no cenário internacional as disputas interimperialistas como também parte da necessidade de diferentes capitais monopolistas de se expandir e exercer domínio sobre outros territórios, economias e povos. Esse processo de disputas interimperialistas podem resultar em guerras, como é o caso da invasão ucraniana. 

Nossa atitude não pode se defender de um dos imperialismos como “mal menor” ou ignorar a existência de relações de dominação político-econômicas que são muitíssimo concretas. Por isso, atualmente na Ucrânia a defesa necessária é a da paz revolucionária – o papel de estar com o povo contra a guerra promovida por Putin e sem permitir espaços para ilusões com o imperialismo norteamericano e a OTAN. Mas para isso é preciso reconhecer o capitalismo multipolar que tem se desenvolvido internacionalmente e parte disso é compreender o papel da Rússia nesse mundo – algo muito longe de um regime anti-imperialista, mas o de defensor do seu próprio capital monopolista pelo mundo.


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Pedro Micussi