Sobre a federação PSOL e Rede
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Sobre a federação PSOL e Rede

Estevan Campos analisa a federação partidária aprovada entre PSOL e Rede.

Estevan Campos 30 mar 2022, 19:05

A executiva nacional do PSOL aprovou nesta quarta-feira (30/03) a formação da federação partidária com a Rede Sustentabilidade. A decisão ainda precisa ser homologada na próxima reunião do Diretório Nacional, em 18 de abril. A figura da federação partidária é uma “novidade” na política brasileira, instituída a partir da reforma eleitoral de 2021. Após a extinção das coligações proporcionais em 2017, o Congresso aprovou essa nova figura jurídica para viabilizar a partidos menores a superação da cláusula de barreira. Diferente da coligação eleitoral, a federação tem a validade mínima de quatro anos, período dos mandatos de Deputadas/os Federais. É como uma “coligação permanente”, que implica em que os partidos federados tenham atuação conjunta no período1.

O tema da federação, bem como tantos outros no PSOL, é objeto de debate público, levado adiante por organizações e figuras públicas do Partido que vem se posicionando sobre o assunto. Para contribuir e acumular para o debate partidário, escrevo essas linhas. Antes, é preciso entender o que deve ser tratado como “encruzilhada” do PSOL, entender quais são os “riscos” que ameaçam o Partido neste momento para, a partir daí, fazermos o debate da formação da federação com a Rede Sustentabilidade.

Qual é a ameaça ao projeto do PSOL?

Para responder esse questionamento, é preciso compreender qual a tarefa histórica do PSOL, sem essa compreensão, é impossível localizar com precisão o debate.

O PSOL é parte do acúmulo histórico da classe trabalhadora na sua busca pela construção de uma ferramenta partidária para a luta pelo socialismo, pela transformação substancial, estrutural, da sociedade. Outros partidos na história da esquerda brasileira foram produto dessa busca. Sem desenvolver uma análise sobre estas experiências, só marcamos que tivemos dois ciclos anteriores: o do PCB, de sua fundação em 1922, até a ditadura militar de 1964; e o ciclo do PT, produto da luta da classe contra a ditadura, fundado em 1980, cujo ciclo, como ferramenta hegemônica para os que buscam uma saída radical (de ir à raiz) se encerrou com sua ascensão ao governo federal, se formos precisar em uma data, a ruptura do movimento de massas, se deu, de forma definitiva, em 2013, quando o PT foi parte da sustentação do regime burguês no País. Evidentemente, o processo já havia se iniciado em 2003, mas o ápice foi em 2013.

O PSOL, cuja construção se iniciou em 2003, a partir da expulsão dos “radicais do PT” (Luciana Genro, Heloísa Helena, Babá e João Fontes) no processo da reforma da previdência de Lula, ainda não ocupa esse lugar de partido hegemônico, com influência de massas, mas tem se desenvolvido nesse sentido desde sua fundação. O projeto e o desafio histórico do PSOL é o de construção de uma ferramenta para a transformação radical da sociedade, uma ferramenta a serviço da construção do socialismo. Certamente, a revolução não está colocada na ordem do dia, mas nunca se pode perder a bússola estratégica, mesmo para as batalhas de curto prazo.

Passamos por uma profunda crise do regime, não só no Brasil, mas também internacionalmente. A crise de hegemonia atinge os dois pólos da sociedade, em nível mundial. O surgimento dos “sintomas mórbidos” como Trump, Bolsonaro, que se espalham pelo mundo, representantes da extrema direita internacional, são expressão dessa crise de hegemonia na burguesia. Do lado da classe trabalhadora também há crise de alternativa, os maiores partidos construídos pela classe trabalhadora no mundo, se tornaram parte da sustentação do regime burguês, a social democracia europeia, o trabalhismo inglês e, da mesma forma, o PT no Brasil. O PT passou a ser um dos pilares fundamentais de sustentação do regime de 1988, a “ala esquerda” do regime. Roberto Robaina escreveu recentemente sobre o papel de Lula diante da atual crise do regime de 1988:

O projeto Lula é de unidade nacional sem a extrema direita bolsonarista para reconstruir o regime político quebrado e cada vez mais disfuncional até mesmo para setores fundamentais da burguesia brasileira.

Faltam, ainda, meses para a eleição, mas o favoritismo de Lula lhe garante um lugar no segundo turno. O mais provável é que seja contra Bolsonaro. Apoiar Lula é uma obrigação moral e política básica porque será um voto a favor de um regime democrático versus um projeto contrarrevolucionário.

Não nos é indiferente como a burguesia domina. Mas as eleições são uma chance para um debate de programa. É normal que, depois de um trauma, o horizonte se estreite e apenas a solução seja a questão que mobilize. Mas a discussão sobre o programa prepara para o futuro. Limitar os horizontes socialistas à reanimação da Nova República é aceitar um programa burguês como saída da crise nacional.2

O risco ao projeto do PSOL é que o Partido deixe de ser uma alternativa anti-regime. O PSOL não é um partido revolucionário; tampouco, poderíamos definir como um partido reformista. O PSOL é um partido híbrido, no qual convivem organizações revolucionárias e reformistas, e cuja definição de seu caráter ainda está por vir. Como apontado na citação acima, o apoio a Lula na eleição, mesmo que no primeiro turno, não é uma ameaça ao caráter do PSOL, o risco está em limitarmos o papel do PSOL “à reanimação da Nova República”, em outras palavras, o risco é o PSOL passar a ser parte de sustentação do regime burguês brasileiro.

Para nós do MES, que defendemos a apresentação de uma candidatura própria do PSOL no primeiro turno da eleição presidencial, o risco objetivo para o PSOL será a sua relação com o provável novo governo Lula, a partir de 2023. Ainda que seja necessário apoiar Lula para derrotar Bolsonaro e a ameaça autoritária, o PSOL não pode ser parte do governo de reanimação da Nova República. Isso passa por não ser parte do governo (posição a ser votada na conferência eleitoral de abril) mas também pela relação da nossa próxima bancada na Câmara Federal com o provável futuro governo. O PSOL precisa construir uma bancada de oposição de esquerda ao governo de unidade nacional. Será uma tragédia para a classe trabalhadora se a única oposição a um futuro governo Lula-Alckmin for a extrema direita liderada pelo clã Bolsonaro. Que, ao que tudo indica, deve ser derrotado na eleição, mas não deixará de existir somente pela derrota eleitoral.

Ainda vivemos sob o marco da crise econômica aberta em 2008. A mais profunda crise econômica do sistema capitalista desde 1929. Nesse período, passamos por diferentes situações. Inicialmente, um ascenso das lutas de massas, algumas revoluções democráticas, entre 2008-2013; houve uma virada da situação em 2015-2016, com o ascenso de governos de extrema direita. As recentes derrotas da extrema direita dão indícios de que esta situação pode estar perto de mudar. Atualmente, a guerra (ocupação russa da Ucrânia), também pode ser um elemento de viragem da situação. Ninguém consegue afirmar até onde vai a guerra.

Passamos por uma conjuntura de transição, as “placas tectônicas” estão se movendo, muitos elementos do que pode ser o próximo período ainda estão em aberto. Momentos de transição tem essa marca, são incessantes as composições e recomposições dos campos em luta. Tudo se move, na conjuntura e nas organizações.

E a federação com a Rede?

Como dito, a federação partidária tem como objetivo permitir a partidos menores, que se unifiquem para atingimento da cláusula de barreira (medida regressiva instituída pela reforma eleitoral do governo Temer em 2017). Os partidos que não atingem a cláusula ficam em uma situação de semi ilegalidade, perdem não só o acesso à verbas do Fundo Partidário, como perdem o direito de participar de debates em eleições majoritárias. O PSOL ficou sem essa garantia de presença nos debates em 2016, por exemplo. Fato que, inquestionavelmente, prejudicou a difusão de nossas propostas e impactou o crescimento orgânico do Partido.

Mesmo organizações que se posicionam contrariamente à formação da federação do PSOL com a Rede Sustentabilidade, como a Resistência, reconhecem a importância da manutenção da legalidade plena do Partido, objetivo central da formação da federação:

O PSOL tem o direito de se proteger. O cálculo das consequências da constituição de uma federação com a Rede Sustentabilidade não pode ser orientado somente por expectativas eleitorais para 2022, ainda que o PSOL deva atuar, conscientemente, para ultrapassar a cláusula de barreira e preservar sua legalidade plena.3

Bom, se partimos da premissa de que é importante a manutenção da legalidade plena do PSOL, de que a cláusula de barreira é uma ameaça real a essa legalidade (se não em 2022, certamente em 2026), resta questionar: federar com quem?

Dentre os partidos da esquerda (em um critério bem “generoso” do que é esquerda) há somente duas federações em debate: a federação encabeçada pelo PT (incluindo PCdoB e PV, PSB não aderiu) e a encabeçada pelo PSOL, incluindo a Rede.

A movimentação quanto à formação da federação é um movimento tático, uma batalha “parcial”, uma luta pela manutenção da legalidade plena do PSOL, que deve ser debatida nos marcos de nossa orientação geral, estratégica, da construção do PSOL como ferramenta a serviço da construção do socialismo no Brasil.

Hoje, a principal ameaça à afirmação do PSOL é a possibilidade de sua absorção pelo projeto petista de “reanimação da Nova República”. Esse fato, coloca a possibilidade de uma integração à federação encabeçada pelo PT como um passo adiante no atrelamento do PSOL a esse projeto. Colocaria o PSOL como parte, base de sustentação do regime burguês brasileiro. Exclui-se, por esse raciocínio, a federação com o PT dessas possibilidades.

Além disso, há de se considerar outro fator, o tamanho e a força dos partidos envolvidos na federação. Na federação formada pelo PT, há o controle absoluto da federação por esse partido, fato que pesou para a não incorporação do PSB. Numa federação com a Rede Sustentabilidade, não há lugar para dúvidas de que a hegemonia da federação será do PSOL.

O primeiro, e fundamental motivo para avançarmos na formação de uma federação com a Rede é a luta pela manutenção da legalidade plena do PSOL. É, portanto, uma medida defensiva. Mas há ainda um segundo elemento, vinculado à política e à necessidade de garantirmos uma bancada de oposição pela esquerda ao possível novo governo Lula. Em muitos temas, a Rede estaria nessa localização, ainda que seu projeto não seja um projeto de classe.

A Rede é um partido pequeno-burguês, com setores mais à esquerda (Heloísa Helena e Randolfe Rodrigues) e setores mais ao centro ou centro-direita (como Marina Silva). Não há motivos para pintarmos a Rede como algo que não é. Mas, sabendo das contradições do projeto petista, há alguma dúvida de que a Deputada Joênia Wapichana se colocaria como oposição à esquerda em temas ambientais? Ou sobre o papel que cumpriria Heloísa Helena, caso retorne ao Congresso, numa luta contra reformas de caráter neoliberal? A Rede, diante do caráter do possível governo Lula-Alckmin, seria uma potencial aliada em diversos temas para fazer a crítica do governo pela esquerda. Mesmo com suas contradições.

Uma conclusão para deixar tudo em aberto

Resumindo nossa posição: somos favoráveis à formação da federação com a Rede Sustentabilidade em primeiro lugar como uma medida defensiva, pela manutenção da legalidade plena do PSOL.

No Brasil, a política institucional tem um peso enorme, isso não pode ser desconsiderado. A fundação do PSOL demonstra isso. Ainda que amparada em um amplo movimento de servidores públicos contra a reforma da previdência de Lula, o fato de termos parlamentares que empalmaram com essa mobilização foi fundamental para a fundação do Partido. Sem os “radicais”, não haveria PSOL. Diante do prosseguimento da crise, a manutenção e fortalecimento de uma bancada de oposição de esquerda será fundamental para enfrentarmos o próximo período, com um provável governo Lula-Alckmin de um lado, e uma oposição de extrema-direita, de outro. Uma bancada socialista, radical, que vocalize os interesses da classe trabalhadora, um partido com legalidade plena, será fundamental.

Em segundo lugar, pois dentre as possibilidades de federação (pelo menos as que cumpririam o objetivo de superar a cláusula de barreira), a formação da federação com a Rede é a que permite ao PSOL a manutenção de sua independência frente ao provável próximo governo, tanto pela hegemonia do PSOL na direção da federação, como por envolver potenciais aliadas na constituição de uma bancada independente (com todas suas contradições), que faça a crítica pela esquerda do possível governo Lula-Alckmin.

Não podemos substituir a realidade pelas categorias de análise. O PSOL, como dito, não é um partido reformista, tampouco um partido revolucionário. É um partido de caráter híbrido, dentro do qual, cabe às organizações socialistas conformarem um polo para a defesa da independência do Partido frente ao próximo governo. Isso passa pelo veto à participação do PSOL no governo, a ser votada na conferência eleitoral de abril, e também pela formação de uma bancada independente, de oposição de esquerda para o próximo período. O destino do PSOL não está selado e nossa luta é para deixar o destino do PSOL ainda em aberto.

1 https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2022/Janeiro/eleicoes-2022-entenda-as-principais-diferencas-entre-federacoes-partidarias-e-coligacoes

2 https://movimentorevista.com.br/2022/02/lula-e-a-reanimacao-da-nova-republica/

3 https://esquerdaonline.com.br/2022/03/18/uma-federacao-do-psol-com-a-rede-e-um-erro/


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Pedro Micussi