A mão da Resistência vai tremer?

A mão da Resistência vai tremer?

O futuro do PSOL está em jogo e a Resistência tem uma enorme responsabilidade perante nosso caminho coletivo à frente.

Bruno Magalhães 13 abr 2022, 11:16

Em recente reunião internacional com dirigentes da esquerda latino-americana ligados à IV Internacional ocorreu um debate sobre a situação brasileira e os impasses enfrentados pelo PSOL. Além das organizações quartistas do país (MES, Insurgência, Comuna e Subverta), esteve presente como convidada a corrente Resistência, tendo como um de seus representantes o companheiro Valério Arcary. Quando questionado sobre a posição de sua organização perante o atual debate interno no PSOL, principalmente em relação à política de Frente Ampla levada a cabo por Lula e o PT, Valério foi assertivo: “a mão dos trotskistas não vai tremer!”.

A afirmação do companheiro foi importante porque sua consequência pode mudar a dinâmica do PSOL e de um setor essencial na esquerda brasileira. Entretanto, algumas sinalizações recentes da Resistência põe em dúvida sua veracidade. Em que contexto a declaração foi dita? Por que há tanta dúvida sobre ela? Esses pontos serão tratados abaixo.

O cenário do PSOL

As cinco organizações ditas acima se dividem em dois campos internos no PSOL. Enquanto MES e Comuna são parte do “Bloco de Esquerda”, ala crítica à atual direção que representa 44% do partido, as outras três (Resistência, Insurgência e Subverta) compõe o “PSOL Semente”, aliança de centro que reúne 11% na divisão interna e atualmente tem uma aliança com o campo “PSOL Popular”, ala direita do partido composta pelas forças Primavera Socialista e Revolução Solidária (do ex-presidenciável Guilherme Boulos) que defende o apoio incondicional à política petista e até mesmo a entrada do PSOL em um possível futuro governo Lula.

O “PSOL de Todas as Lutas”, nome desta aliança que hoje dirige o PSOL, é um bloco frágil no qual a Resistência é o fiel da balança que garante a atual maioria na direção do partido. Dizemos que é frágil porque os trotskistas do “PSOL Semente” já declararam publicamente inúmeras vezes que são contra a entrada do PSOL em um futuro governo Lula e que o atual apoio ao PT se dá somente na medida da resistência à extrema-direita. Nesse sentido, teoricamente também são contra o apoio à candidaturas estaduais em chapas do PT com a direita, como nos casos de São Paulo e Rio de Janeiro.

Ou seja, caso a Resistência e demais organizações do “PSOL Semente”realmente façam aquilo que dizem, o bloco de direção do PSOL acabará na próxima conferência eleitoral do partido, que será realizada no final de abril. No Brasil, hoje todos os olhos estão sobre a corrente Resistência porque seu voto tem o poder de alterar profundamente a atual dinâmica do PSOL.

O contexto da declaração de Valério

Justamente pela gravidade do tema, a Resistência foi questionada durante a reunião internacional citada acima sobre qual seria sua postura perante dois temas: sobre a participação em um possível governo do PT e sobre as alianças do PT com a direita nos estados brasileiros. Como resposta aos constantes questionamentos, o companheiro foi enfático com a frase de efeito. “A mão não vai tremer!” não só deixou claro a todos os ouvintes qual era a posição da Resistência como Valério ainda sinalizou para a ruptura da atual maioria do partido.

Existem testemunhas de mais de dez países sobre esta declaração, então não há dúvida sobre o conteúdo do que foi dito, mas a desconfiança sobre sua sinceridade se mantém. Também estivemos na referida reunião internacional e escutamos a fala do companheiro Valério com surpresa, afinal iria relocalizar totalmente a posição da Resistência no partido e por consequência mudaria a própria direção do PSOL.

A desconfiança sobre a declaração de Valério se dá por alguns motivos bastante concretos. O primeiro é a enorme pressão a qual a Resistência está submetida pelo bloco da direita partidária, cuja aliança os beneficiou com a entrada em meios de comunicação petistas e o apoio de Boulos às suas candidaturas nas últimas eleições (quando esta corrente elegeu vereadores pela primeira vez). Romper o bloco da direção significaria romper as relações com setores tidos como aliados prioritários durante os últimos anos pela Resistência.

No último Congresso do PSOL, a Resistência votou com a direita partidária em uma resolução bastante dúbia sobre a participação em futuros governos. Além disso, em São Paulo (estado mais importante do país), a Resistência nunca votou contra a saída do PSOL dos governos de composição do PT -inclusive com a direita – mesmo se dizendo contra esta participação. Esta contradição se explica pela vontade de manutenção do atual bloco de direção, que “abriu espaços” para a corrente de Valério.

O caso de São Paulo

No estado de São Paulo, a política da Resistência fez sentido enquanto o PSOL planejava lançar uma candidatura própria ao estado. Entretanto, quando Boulos (pré-candidato ao governo ) retirou sua candidatura, a Resistência manteve a posição pela candidatura própria no estado. Boulos desiste da candidatura devido a um acordo feito diretamente entre ele e Lula, no qual o PSOL apoiaria o candidato do PT (Fernando Haddad) ao governo e em troca receberia o apoio de Lula para as próximas eleições da capital do estado. Esta negociação típica da política burguesa colocou a Resistência em rota de colisão com seu principal aliado, gerando grande expectativa sobre seus próximos passos.

Numa tentativa de escapar dessa difícil decisão, a Resistência ensaiou a primeira “tremida de mão” mudando sutilmente sua posição ao colocar em cena um novo bode expiatório. Em texto recente da companheira Deborah Cavalcante, a Resistência declara aceitar o apoio à candidatura Haddad em aliança com a direita desde que nela não esteja Márcio França, ex-governador de São Paulo do Partido Socialista Brasileiro (PSB). A participação de França, o bode expiatório que representaria “a direita” na coligação, seria o motivo que impediria a aliança, ignorando os outros partido de direita na mesma coalizão.

Este argumento é falacioso por dois motivos: primeiro porque já existem partidos de direita ao redor de Haddad (como o partido Solidariedade) e segundo porque França é grande aliado de Geraldo Alckmin, o vice-presidente neoliberal escolhido por Lula para sua chapa nas próximas eleições. Além disso, no Rio de Janeiro, os camaradas da Resistência apoiam a candidatura de Marcelo Freixo ao estado, deputado oriundo do PSOL que hoje está no mesmo PSB de Alckmin e França. E a Resistência não consegue explicar essa confusa posição, como fica evidente em seus poucos textos sobre o tema.

Não há definição se França estará ou não na coalizão do PT, e a insistência de França em manter uma candidatura do PSB em São Paulo representa a última esperança da Resistência de manter sua aliança com Boulos, mesmo que isso represente o contrário de toda a argumentação da Resistência dos últimos anos.

Frente de Esquerda com a burguesia?

Toda a armação política da Resistência nos últimos anos esteve na defesa de uma Frente de Esquerda com o PT, o que desenvolveu um longo debate teórico entre nós e estes camaradas sobre a tática da frente única e sua relação com a tarefa da unidade de ação. Em todo esse debate, a Resistência afirmou a possibilidade da Frente de Esquerda com o PT ao mesmo tempo em que Lula dava todos os sinais e declarações de que buscava alianças com a direita. Nossa posição concordava com a necessidade da frente única, mas alertava que esta tática não caberia numa aliança com o PT nas eleições justamente porque Lula buscava a direita.

Nesse sentido, avaliávamos a necessidade de afirmar um programa de esquerda no primeiro turno das eleições (com a candidatura própria do PSOL) que se combinasse com uma unidade de ação contra Bolsonaro, votando em Lula em um segundo turno e até mesmo retirando a candidatura própria do PSOL caso o bolsonarismo tivesse chances de vitória no primeiro turno.

Como aconteceu aquilo que todos previam, a tática da Frente de Esquerda com o PT se mostrou uma abstração promovida pela mais pela vontade do que pela realidade. Mas nos últimos meses posição da Resistência foi instrumental para os setores pró-PT dentro do PSOL, utilizando um discurso aparentemente de esquerda que rendeu completamente o partido aos interesses eleitorais de Lula e Boulos. Hoje uma candidatura própria do PSOL não é mais possível e a ala direita do partido já dá os próximos passos rumo à entrada do PSOL num possível governo de Lula com setores neoliberais.

Aqui não se trata de um balanço estéril, mas de compreender como a política defendida pela Resistência levou os camaradas desta organização a uma situação ainda mais contraditória – na qual devem escolher se rompem com Boulos ou ignoram o que sempre defenderam – e se expressa nas dúvidas de hoje sobre a veracidade das declarações feitas para fora do Brasil.

A mão vai tremer?

Não é possível saber qual posição a Resistência tomará nem quanto valerá a palavra de Valério. E este texto não tem o objetivo de fazer uma demarcação contra o companheiro e sua organização. O que está em jogo hoje é o futuro do PSOL e a Resistência tem uma enorme responsabilidade perante nosso caminho coletivo à frente. Em poucos dias saberemos se o PSOL terá uma nova orientação de direção ou se as palavras ditas pelos camaradas foram somente um distracionismo em favor de Lula e Boulos. Torcemos pela credibilidade da Resistência e por isso nos perguntamos se a mão dos camaradas vai tremer.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 12 nov 2024

A burguesia pressiona, o governo vacila. É hora de lutar!

Governo atrasa anúncio dos novos cortes enquanto cresce mobilização contra o ajuste fiscal e pelo fim da escala 6x1
A burguesia pressiona, o governo vacila. É hora de lutar!
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi