A mão da Resistência vai tremer?
O futuro do PSOL está em jogo e a Resistência tem uma enorme responsabilidade perante nosso caminho coletivo à frente.
Em recente reunião internacional com dirigentes da esquerda latino-americana ligados à IV Internacional ocorreu um debate sobre a situação brasileira e os impasses enfrentados pelo PSOL. Além das organizações quartistas do país (MES, Insurgência, Comuna e Subverta), esteve presente como convidada a corrente Resistência, tendo como um de seus representantes o companheiro Valério Arcary. Quando questionado sobre a posição de sua organização perante o atual debate interno no PSOL, principalmente em relação à política de Frente Ampla levada a cabo por Lula e o PT, Valério foi assertivo: “a mão dos trotskistas não vai tremer!”.
A afirmação do companheiro foi importante porque sua consequência pode mudar a dinâmica do PSOL e de um setor essencial na esquerda brasileira. Entretanto, algumas sinalizações recentes da Resistência põe em dúvida sua veracidade. Em que contexto a declaração foi dita? Por que há tanta dúvida sobre ela? Esses pontos serão tratados abaixo.
O cenário do PSOL
As cinco organizações ditas acima se dividem em dois campos internos no PSOL. Enquanto MES e Comuna são parte do “Bloco de Esquerda”, ala crítica à atual direção que representa 44% do partido, as outras três (Resistência, Insurgência e Subverta) compõe o “PSOL Semente”, aliança de centro que reúne 11% na divisão interna e atualmente tem uma aliança com o campo “PSOL Popular”, ala direita do partido composta pelas forças Primavera Socialista e Revolução Solidária (do ex-presidenciável Guilherme Boulos) que defende o apoio incondicional à política petista e até mesmo a entrada do PSOL em um possível futuro governo Lula.
O “PSOL de Todas as Lutas”, nome desta aliança que hoje dirige o PSOL, é um bloco frágil no qual a Resistência é o fiel da balança que garante a atual maioria na direção do partido. Dizemos que é frágil porque os trotskistas do “PSOL Semente” já declararam publicamente inúmeras vezes que são contra a entrada do PSOL em um futuro governo Lula e que o atual apoio ao PT se dá somente na medida da resistência à extrema-direita. Nesse sentido, teoricamente também são contra o apoio à candidaturas estaduais em chapas do PT com a direita, como nos casos de São Paulo e Rio de Janeiro.
Ou seja, caso a Resistência e demais organizações do “PSOL Semente”realmente façam aquilo que dizem, o bloco de direção do PSOL acabará na próxima conferência eleitoral do partido, que será realizada no final de abril. No Brasil, hoje todos os olhos estão sobre a corrente Resistência porque seu voto tem o poder de alterar profundamente a atual dinâmica do PSOL.
O contexto da declaração de Valério
Justamente pela gravidade do tema, a Resistência foi questionada durante a reunião internacional citada acima sobre qual seria sua postura perante dois temas: sobre a participação em um possível governo do PT e sobre as alianças do PT com a direita nos estados brasileiros. Como resposta aos constantes questionamentos, o companheiro foi enfático com a frase de efeito. “A mão não vai tremer!” não só deixou claro a todos os ouvintes qual era a posição da Resistência como Valério ainda sinalizou para a ruptura da atual maioria do partido.
Existem testemunhas de mais de dez países sobre esta declaração, então não há dúvida sobre o conteúdo do que foi dito, mas a desconfiança sobre sua sinceridade se mantém. Também estivemos na referida reunião internacional e escutamos a fala do companheiro Valério com surpresa, afinal iria relocalizar totalmente a posição da Resistência no partido e por consequência mudaria a própria direção do PSOL.
A desconfiança sobre a declaração de Valério se dá por alguns motivos bastante concretos. O primeiro é a enorme pressão a qual a Resistência está submetida pelo bloco da direita partidária, cuja aliança os beneficiou com a entrada em meios de comunicação petistas e o apoio de Boulos às suas candidaturas nas últimas eleições (quando esta corrente elegeu vereadores pela primeira vez). Romper o bloco da direção significaria romper as relações com setores tidos como aliados prioritários durante os últimos anos pela Resistência.
No último Congresso do PSOL, a Resistência votou com a direita partidária em uma resolução bastante dúbia sobre a participação em futuros governos. Além disso, em São Paulo (estado mais importante do país), a Resistência nunca votou contra a saída do PSOL dos governos de composição do PT -inclusive com a direita – mesmo se dizendo contra esta participação. Esta contradição se explica pela vontade de manutenção do atual bloco de direção, que “abriu espaços” para a corrente de Valério.
O caso de São Paulo
No estado de São Paulo, a política da Resistência fez sentido enquanto o PSOL planejava lançar uma candidatura própria ao estado. Entretanto, quando Boulos (pré-candidato ao governo ) retirou sua candidatura, a Resistência manteve a posição pela candidatura própria no estado. Boulos desiste da candidatura devido a um acordo feito diretamente entre ele e Lula, no qual o PSOL apoiaria o candidato do PT (Fernando Haddad) ao governo e em troca receberia o apoio de Lula para as próximas eleições da capital do estado. Esta negociação típica da política burguesa colocou a Resistência em rota de colisão com seu principal aliado, gerando grande expectativa sobre seus próximos passos.
Numa tentativa de escapar dessa difícil decisão, a Resistência ensaiou a primeira “tremida de mão” mudando sutilmente sua posição ao colocar em cena um novo bode expiatório. Em texto recente da companheira Deborah Cavalcante, a Resistência declara aceitar o apoio à candidatura Haddad em aliança com a direita desde que nela não esteja Márcio França, ex-governador de São Paulo do Partido Socialista Brasileiro (PSB). A participação de França, o bode expiatório que representaria “a direita” na coligação, seria o motivo que impediria a aliança, ignorando os outros partido de direita na mesma coalizão.
Este argumento é falacioso por dois motivos: primeiro porque já existem partidos de direita ao redor de Haddad (como o partido Solidariedade) e segundo porque França é grande aliado de Geraldo Alckmin, o vice-presidente neoliberal escolhido por Lula para sua chapa nas próximas eleições. Além disso, no Rio de Janeiro, os camaradas da Resistência apoiam a candidatura de Marcelo Freixo ao estado, deputado oriundo do PSOL que hoje está no mesmo PSB de Alckmin e França. E a Resistência não consegue explicar essa confusa posição, como fica evidente em seus poucos textos sobre o tema.
Não há definição se França estará ou não na coalizão do PT, e a insistência de França em manter uma candidatura do PSB em São Paulo representa a última esperança da Resistência de manter sua aliança com Boulos, mesmo que isso represente o contrário de toda a argumentação da Resistência dos últimos anos.
Frente de Esquerda com a burguesia?
Toda a armação política da Resistência nos últimos anos esteve na defesa de uma Frente de Esquerda com o PT, o que desenvolveu um longo debate teórico entre nós e estes camaradas sobre a tática da frente única e sua relação com a tarefa da unidade de ação. Em todo esse debate, a Resistência afirmou a possibilidade da Frente de Esquerda com o PT ao mesmo tempo em que Lula dava todos os sinais e declarações de que buscava alianças com a direita. Nossa posição concordava com a necessidade da frente única, mas alertava que esta tática não caberia numa aliança com o PT nas eleições justamente porque Lula buscava a direita.
Nesse sentido, avaliávamos a necessidade de afirmar um programa de esquerda no primeiro turno das eleições (com a candidatura própria do PSOL) que se combinasse com uma unidade de ação contra Bolsonaro, votando em Lula em um segundo turno e até mesmo retirando a candidatura própria do PSOL caso o bolsonarismo tivesse chances de vitória no primeiro turno.
Como aconteceu aquilo que todos previam, a tática da Frente de Esquerda com o PT se mostrou uma abstração promovida pela mais pela vontade do que pela realidade. Mas nos últimos meses posição da Resistência foi instrumental para os setores pró-PT dentro do PSOL, utilizando um discurso aparentemente de esquerda que rendeu completamente o partido aos interesses eleitorais de Lula e Boulos. Hoje uma candidatura própria do PSOL não é mais possível e a ala direita do partido já dá os próximos passos rumo à entrada do PSOL num possível governo de Lula com setores neoliberais.
Aqui não se trata de um balanço estéril, mas de compreender como a política defendida pela Resistência levou os camaradas desta organização a uma situação ainda mais contraditória – na qual devem escolher se rompem com Boulos ou ignoram o que sempre defenderam – e se expressa nas dúvidas de hoje sobre a veracidade das declarações feitas para fora do Brasil.
A mão vai tremer?
Não é possível saber qual posição a Resistência tomará nem quanto valerá a palavra de Valério. E este texto não tem o objetivo de fazer uma demarcação contra o companheiro e sua organização. O que está em jogo hoje é o futuro do PSOL e a Resistência tem uma enorme responsabilidade perante nosso caminho coletivo à frente. Em poucos dias saberemos se o PSOL terá uma nova orientação de direção ou se as palavras ditas pelos camaradas foram somente um distracionismo em favor de Lula e Boulos. Torcemos pela credibilidade da Resistência e por isso nos perguntamos se a mão dos camaradas vai tremer.