A chacina como política de segurança publica: é necessário um levante antifascista e antirracista para frear a extrema direita
É preciso derrotar Bolsonaro e seus aliados nas urnas, mas a guerra seguirá nas ruas contra o seu projeto bolsonarista.
Essa semana nos deparamos mais uma vez com dois episódios de extermínio da população negra e periférica por parte das forças do Estado. Na Vila Cruzeiro, mais uma chacina entrou para a conta da Polícia Militar e do Governador Cláudio Castro, o qual substituiu muito bem o ex-governador Wilson Witzel, dando continuidade à sua política de extermínio. O segundo caso aconteceu em Sergipe: um homem negro com transtornos mentais foi asfixiado no porta-malas de um carro da Polícia Rodoviária Federal com a utilização de gás em plena luz do dia e na frente de camêras e testemunhas. Uma cena macabra que lembra a ação dos nazistas na Alemanha de Hitler.
A chacina enquanto evento isolado praticada por agentes públicos em um suposto estado democrático de direito já seria considerado um crime contra a humanidade. Mas quando a chacina se torna método recorrente e sistemático contra um mesmo grupo social marcado pelas mesmas características étnico-raciais, o termo correto é genocídio. No Brasil, em especial no Rio de Janeiro e em São Paulo, as chacinas ganharam o status de “política pública de segurança”. Somente no governo Cláudio Castro, foram 39 chacinas, vitimando 182 pessoas. A grande maioria, eram pessoas negras. Todas elas eram moradoras da periferia.
A chacina da Vila Cruzeiro é a segunda maior da história do Rio de Janeiro, ficando atrás apenas do massacre do Jacarezinho em maio de 2021. Nesse caso, as investigações de 24 mortes das 28 já foram arquivadas. O que significa que há um certo compromisso entre as “instituições democráticas” quando o tema é matar preto e pobre.
Em todos esses casos, a postura do presidente Bolsonaro foi a mesma: elogiar as forças de segurança afirmando, literalmente ou não, que bandido bom é bandido morto. Na verdade, sabemos que para o presidente não é bem assim: a realidade é que para o genocida no poder, bandido bom é bandido amigo. Não à toa, o bandido Queiroz, amigo do presidente, também elogiou a operação policial dizendo que são “menos 22 da esquerda”. A frase de Queiroz é sintomática, já que expressa a vontade dos fascistas brasileiros: fechamento do regime para aniquilar as forças democráticas e seguir com a política da morte nas favelas.
O caso de Sergipe é diferente da chacina da Vila Cruzeiro por um motivo: enquanto o segundo é chocante pela recorrência, o primeiro é chocante pela excepcionalidade. O elemento aterrorizante das chacinas no Brasil é exatamente a sua banalidade. As pessoas choram, protestam, os jornais noticiam, as redes sociais explodem, etc. Porém, volta e meia surgem casos excepcionais. A brutalidade está em todos eles, mas o fator novidade assusta, principalmente quando nos perguntamos: até onde o Estado é capaz de ir com suas técnicas de tortura? Mesmo que o fator novidade não seja tão novo assim, ainda é chocante. Não é tão novo porque historicamente já vimos acontecer algo muito semelhante, o que é mais terrível ainda. Na Alemanha nazista, antes de surgiram as câmaras de gás nos campos de concentração, método mais barato e eficiente de extermínio em massa, eram utilizados caminhões que funcionavam como câmaras de gás móvel. As pessoas eram colocadas no baú do veículo enquanto o gás era despejado pelo escapamento. Ou seja, a Polícia Rodoviária do Sergipe agiu como a SS de Hitler em plena luz do dia. Naquele trágico período da história, os nazistas puderam avançar ainda mais porque conseguiram anular, lê-se exterminar, as forças de oposição, ao mesmo tempo em que ganharam boa parte da população através de uma eficiente campanha propagandística das suas ações e da necessidade destas para o bem comum da sociedade. É o que demonstra o historiador Robert Gellately em seu livro Apoiando Hitler: consentimento e coerção na Alemanha nazista. Não quero, com isso, afirmar que estamos em condições históricas análogas àquela, mas sim que é necessário colocar um freio nas pretensões fascistas expressas em atos e vontades por parte da extrema direita apoiada em parcelas das forças armadas e das polícias e pelos milicianos.
Se Bolsonaro não avançou com seus planos de fechamento do regime, não foi por falta de vontade, mas sim porque a mobilização nas ruas impôs uma barreira democrática a ele: em 2018 com o Ele Não; em 2019 com os Tsunamis da Educação; em 2020 com os atos antifascistas e antirracistas; e em 2021 com o Fora Bolsoraro. A vitória eleitoral de Bolsonaro não significou uma derrota histórica para o movimento de massas. Assim também, a possível derrota eleitoral de Bolsonaro não significará a vitória definitiva sobre o bolsonarismo.
Agora, em 2022, diante da possibilidade de derrota eleitoral a exemplo de outros países onde a alternativa fascista foi derrotada, as forças da extrema direita se viram para as suas bases militarizadas e milicianas reafirmando a violência como método mobilizador. Bolsonaro e todos os seus aliados em 2018 se elegeram prometendo exatamente o que estão fazendo, promover operações policiais de guerra ao tráfico que acabam por vitimar milhares de moradores e policiais. Agora, mais uma vez, a tentativa é mobilizar os apoiadores com base na violência e no medo. Cláudio Castro construíra seu palanque sobre cadáveres, como disse Thiago Amparo na Folha. Bolsonaro fará o mesmo.
A essa tática, devemos contrapor o antifascismo e o antirracismo. Os setores democráticos precisam se mobilizar para barrar mais uma vez as pretensões fascistas da extrema direita. É preciso derrotar Bolsonaro e seus aliados nas urnas, mas a guerra seguirá nas ruas contra o projeto bolsonarista. Somente um levante antifascista derrotará de vez a extrema direita, jogando-os novamente na lata de lixo da história.